TAP obrigada a adiar aumentos salariais prometidos para Setembro
Atraso na conclusão do acordo e indefinição no regulador obrigaram companhia a “congelar” a revisão de 0,9% devida a 3400 trabalhadores, com retroactivos a Janeiro.
A TAP foi obrigada a adiar os aumentos salariais que tinha prometido dar em Setembro a perto de 3400 trabalhadores. O congelamento da revisão de 0,9%, com retroactivos a Janeiro deste ano, foi justificado com os “atrasos na formalização e na consolidação” do acordo com os sindicatos. A indefinição que o regulador da aviação viveu nos últimos meses também teve influência, já que, como consequência do chumbo da venda à Atlantic Gateway, a companhia é obrigada a pedir-lhe autorização para tomar este tipo de medidas.
A decisão foi comunicada aos funcionários na passada quinta-feira, numa circular em que o presidente da TAP começa por explicar os contornos do acordo alcançado em meados de Agosto com uma plataforma de nove sindicatos, que prometia romper um ciclo de seis anos sem aumentos na transportadora aérea. Fernando Pinto refere que esse entendimento, que passa por uma revisão salarial de 0,9% a contar desde Janeiro e por uma subida de 4,68 euros para 6,10 no valor do subsídio de refeição (a partir do início de 2017) surgiu “no quadro das medidas extraordinárias tomadas com vista à compensação de perdas sofridas pelos trabalhadores em virtude das restrições impostas nos anos de 2011 a 2015”. Uma referência aos cortes impostos pela troika nos gastos com pessoal que, ainda assim, foram menos expressivos do que os verificados noutras empresas públicas.
O gestor, presidente da TAP desde o ano 2000, refere que “por motivo de atrasos na formalização e na consolidação de que o acordo carece, não foi possível, até à data do fecho do processamento do mês de Setembro, efectivar na nota de vencimento deste mês o ajustamento salarial integrado no acordo de princípio”. Os salários foram pagos na quinta-feira, mas, de facto, não continuam a actualização que era esperada pelos trabalhadores.
Pedindo “compreensão”, Fernando Pinto garante ainda que “estão apuradas todas as diferenças devidas, que serão pagas por transferência bancária imediatamente após a formalização final do processo, o que se espera que aconteça nos próximos dias”. Ao que o PÚBLICO apurou, os aumentos salariais e do subsídio de alimentação negociados com os nove sindicatos, que representam os trabalhadores de terra, têm um custo superior a 1,5 milhões de euros por ano.
Bloqueios desde Fevereiro
O acordo alcançado em Agosto só foi colocado por escrito na quinta-feira, daí que o presidente da TAP explique o adiamento com o atraso na sua formalização. Mas há outra variável que influenciou a decisão da companhia: o facto de a Autoridade Nacional da Aviação Civil (ANAC), que regula o sector, ter estado até agora sem administradores suficientes para garantir quórum nas decisões. É que o supervisor bloqueou a gestão da empresa em Fevereiro, quando chumbou a privatização à Atlantic Gateway por considerar que a estrutura accionista do consócio privado que detém 61% da TAP não cumpria as regras europeias (que obrigam a que as transportadoras aéreas sejam controladas por investidores comunitários).
Desde então, a companhia tem sido obrigada a pedir autorização para um conjunto de medidas com impactos na estratégia e nas contas, como é o caso dos aumentos salariais. O PÚBLICO sabe que, nas últimas semanas, houve contactos no sentido de perceber se a ANAC aprovaria a revisão salarial a tempo de ser processada com os vencimentos de Setembro, o que não se verificou. Só na quinta-feira é que o Governo nomeou o terceiro elemento para a administração do regulador, Tânia Cardoso Simões, que era jurista na Autoridade da Concorrência. E, a partir de agora, já será possível emitir o parecer há muito aguardado sobre as alterações feitas pela Atlantic Gateway para cumprir as normas europeias – o que o supervisor prometeu que acontecerá até final de Outubro.
Contactada pelo PÚBLICO, a ANAC negou que tenha havido contactos informais sobre o tema dos aumentos. “Não discutimos situações informais”, referiu, garantindo ainda que também não foi consultada oficialmente sobre a revisão salarial. O regulador salientou ainda que “todas as decisões e autorizações solicitadas pela TAP em função das medidas cautelares foram e têm vindo a ser tomadas pelo conselho de administração no mais curto espaço de tempo possível, pelo que em momento algum o preenchimento do lugar de vogal do conselho de administração resultou ou poderia resultar numa paralisação do processo de desenvolvimento das actividades deste ou de qualquer outro operador”.
Sindicatos criticam regulador
A plataforma de sindicatos que negociou os aumentos com a TAP tem, porém, outra visão deste caso. Questionado sobre a decisão tomada pela companhia, o porta-voz, André Teives, afirmou que “entendem a decisão da companhia, embora não concordem com ela”. “Fizemos um acordo e o que estava previsto era que viesse no salário pago ontem [quinta-feira]”, frisou, criticando as medidas cautelares impostas pelo regulador. “Além de bloqueios à gestão, temos falta de quórum do regulador. O que é questionável é como é que um órgão que não tem quórum pode bloquear uma empresa, mas não pode autorizar aumentos que emanam da negociação directa entre representantes dos trabalhadores e a administração da TAP”, rematou.
A plataforma está confiante de que a TAP cumprirá a palavra e, assim que tenha luz verde da ANAC, fará a transferência devida aos funcionários. “Confiamos que assim seja porque negociámos de boa-fé e entendemos que quem está a negociar connosco tem a mesma atitude”, disse André Teives. Ao início da noite, os nove sindicatos enviaram um comunicado aos associados em que explicam que, na reunião em que acertaram o acordo, foram informados pela transportadora aérea de que “há muitos constrangimentos por parte da ANAC à gestão da TAP, inclusive na gestão diária, através do bloqueio anunciado há meses, por aquele organismo”.