Chongqing, o vibrante centro de exportações situado a 1400 quilómetros da costa

A China em transformação II: O município de 30 milhões de habitantes quer aproveitar a sua localização estratégica e as suas políticas inovadoras para tornar-se o centro comercial que liga a Ásia Central ao oceano Atlântico.

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Passageiros esperam a sua vez para embarcar no teleférico sobre o rio Yangtze, em Chongqing. Qilai Shen/Bloomberg
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Peng Jianhu, trocou o sector público por um negócio de cruzeiros no rio e hoje é um dos homens mais ricos de Chongqing Qilai Shen/Bloomberg
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Enquanto crescia numa aldeia piscatória situada à beira do rio Yangtze na região de Chongqing, Peng Jianhu costumava sair da sua casa, suportada por estacas de madeira e aninhada no alto das íngremes escarpas na margem do rio, e descer até à água. Para Peng, o maior sistema fluvial do país equivale a uma nascente económica que liga o seu lar aos activos mercados costeiros localizados cerca de 1400 quilómetros para Leste.

Para o Presidente Xi Jinping, a estratégica localização de Chongqing é também um trunfo, mas um que, como espera o seu Governo, um dia irá ligar a China ao Ocidente. A cidade apresenta-se como um centro de logística essencial para o esforço estatal de criação de uma moderna Rota da Seda, uma rede de caminhos-de-ferro, vias fluviais e rodoviárias que permitirão às empresas chinesas um acesso mais rápido e barato aos mercados que se estendem pela Ásia Central até à Rússia e à Europa.

As elevadas necessidades a nível de infra-estruturas para a cintura económica da Rota da Seda na Eurásia (e de uma versão marítima que se estenderia do Sudeste da Ásia até ao Canal do Suez) poderiam absorver o excesso de capacidade das indústrias chinesas do aço e da construção e estimular novos fluxos de trocas comercias. Chongqing poderá ser uma das principais beneficiadas com este processo.

“A logística é a artéria, e o comércio é o sangue”, afirmou Huang Qu, vice-director da Zona Franca do porto da cidade, numa recente visita à região. “Chongqing vai tornar-se no centro comercial que liga a Ásia Central ao oceano Atlântico.”

Mas esta região em grande desenvolvimento não aposta apenas na logística. É já líder no fabrico industrial de elevada qualidade (um terço de todos os computadores portáteis vendidos no Mundo são aqui fabricados) e está a fazer um grande esforço na introdução da área da robótica. Chongqing atrai as multinacionais estrangeiras em busca de custos laborais mais baixos e melhores acessos aos 300 milhões de consumidores que vivem num raio de 1200 quilómetros a partir da cidade.

Inovação económica e política

A abordagem ao desenvolvimento, orientada pelo Estado, do município de 30 milhões de habitantes originou um crescimento económico de 11 por cento em 2015, o maior de todo o país, o que levou Xi Jinping a elogiar as inovações a nível político, como a habitação social e as licenças de residência mais flexíveis, que encorajam a mobilidade laboral. O desafio que Chongqing enfrenta é o de limitar os efeitos da desaceleração económica generalizada e utilizar as suas redes fluviais e ferroviárias para ajudar a zona ocidental do país, menos desenvolvida, a diminuir o fosso de riqueza relativamente às mais abastadas províncias costeiras.

Peng, de 59 anos, um dos homens mais ricos de Chongqing, é o exemplo acabado da energia empresarial da cidade. Abandonou um emprego seguro no sector público para criar um bem-sucedido negócio de cruzeiros no rio, investindo milhões de dólares em barcos para transportar turistas rio abaixo.

Pertencendo à primeira vaga daqueles que aderiram às reformas de mercado inspiradas pela famosa “digressão pelo Sul” do então líder Deng Xiaoping em 1992, Peng fundou a sua primeira agência de turismo com cerca de 600 dólares ao câmbio de 1994, com o objectivo de receber turistas que desejassem visitar o histórico rio Yangtze. Actualmente a sua empresa Chongqing New Century Cruise Co. Ltd. anda pela Europa à procura de oportunidades, nas quais poderá investir até 300 milhões de dólares, explica Peng, a bordo do seu iate ancorado na doca do rio. 

Chongqing tem estado imparável desde que o Governo central anunciou, no ano 2000, um plano para desenvolver o Ocidente da China, com políticas de apoio que encorajavam um elevado envio de fundos para a província. Mas em 2013 o nome da cidade ficou manchado pela condenação, por corrupção, de Bo Xilai, o antigo secretário do Partido Comunista de Chongqing.

Agora, a cidade ambiciona um papel de liderança nas iniciativas relacionadas com a Rota da Seda de Xi Jinping. Tem já uma grande vantagem: o sistema ferroviário em expansão e apoiado em verbas estatais denominado Yuxin’ou (uma contracção das palavras chinesas para Chongqing, Xinjiang e Europa) que já liga a China à Alemanha via Cazaquistão, Rússia e Polónia. A rede ferroviária registou 257 composições de mercadorias em 2015 e cortou nas suas despesas e preços para poder competir com os envios por via marítima.

Estas melhorias a nível logístico ajudaram a atrair investimentos da Ford e da Hewlett-Packard e direccionaram mais de 10 mil milhões de dólares em capitais estrangeiros por ano ao longo dos últimos cinco anos. A BOE Technology Group, fornecedora de semicondutores sedeada em Pequim, construiu a sua maior fábrica em Chongqing.

“Chongqing apresenta o maior número de fabricantes de computadores portáteis e produz o maior volume de computadores portáteis de todo o Mundo”, diz orgulhosamente Li Wenbo, executivo no departamento de planeamento e estratégia da BOE em Chongqing. “Com a linha ferroviária Yuxin’ou podemos facilmente enviar os nossos produtos para os países europeus a um custo mais baixo.”

Fabricantes de automóveis globais como a Volkswagen e a General Motors estão a deslocar a produção para o interior, para Chongqing e Wuhan. A Ford em 2013 inaugurou uma fábrica de motores em Chongqing que poderá duplicar a capacidade anual de produção de motores na sua parceria com a Changan Ford. 

“Actualmente estamos mais a focar-nos no mercado doméstico, mas envidaremos todos os esforços para conseguirmos expandir-nos para outros continentes”, afirma Le Peng, inspector no Comité de Desenvolvimento de Novas Áreas de Chongqing-Liangjiang. “Mesmo assim, continuamos a ter um mercado interno com um enorme potencial.”

Capacidade de atracção

O presidente da câmara, Huang Qifan, de 64 anos, esforçou-se para conseguir receber ajuda de instituições do Governo central, assegurando-se de que a sua rede ferroviária receberia um tratamento preferencial e seria competitiva com os portos orientais a nível de custos. “Transformámos uma desvantagem numa vantagem”, disse Huang num discurso em Junho

As empresas locais têm beneficiado de um Imposto de Rendimento Colectivo mais baixo decretado pelo Governo central nas regiões ocidentais do país. Como parte de um plano para atrair mais trabalhadores migrantes, Chongqing construiu quase 45 milhões de metros quadrados de habitações sociais, mais do que em qualquer outro lugar da China, e alcançou esse objectivo quatro anos antes do previsto.

A cidade tem em geral evitado os problemas de excesso de produção que têm assombrado a maior parte dos sectores do aço, do carvão e da construção em províncias como Shanxi. Chongqing tem estado a sondar outras províncias à procura de mais oportunidades de crescimento. No ano passado, contactou a Guangdong Jaten Robot & Automation Co. Ltd., sedeada em Foshan, na província de Guangdong, propondo a construção de uma fábrica e de um centro de desenvolvimento e investigação em Chongqing.

“Outros governos locais também vieram ter connosco e queriam que transferíssemos os nossos negócios para as regiões deles, mas não se revelaram tão sinceros como os responsáveis de Chongqing  e não mostraram ter assim muitas políticas atractivas”, explica o director-executivo Fu Zhiyun. “Penso que Chongqing tem perspectivas muito promissoras com o desenvolvimento do caminho-de-ferro, e também estamos a considerar mudar mais actividades para Chongqing no futuro.”

Em 2011, o presidente da Câmara Huang prometeu transformar Chongqing na “capital da robótica”, tendo como objectivo alcançar volumes de vendas na indústria dos “robots” na casa dos 100 mil milhões de yuans até 2020, em comparação com os cerca de 15 mil milhões de yuans do ano passado. Recrutou especialistas da Academia Chinesa de Ciências, em Pequim, a mais conceituada universidade de ciências do país, para fundar um centro de investigação. Chongqing vende actualmente cerca de 3 mil robots por ano.

Zhou Guojun, vice-director do departamento de robótica de Chongqing da empresa Wuhan Huazhong Numerical, afirma que o investimento num robot pode ser recuperado em três anos. “A manutenção de um robot não custa muito mais do que a de um carro. E um robot nunca precisa de descansar e nunca tem razões para se queixar”, avança Zhou.  

Alguns dos robots de Chongqing são enviados por navio para Guangdong e outras províncias costeiras onde os fabricantes operam com margens de lucro muito reduzidas e substituem trabalhadores por máquinas. Entretanto, o aumento dos salários nas cidades orientais deu a Chongqing uma vantagem competitiva. Salários mensais de trabalhadores fabris de cerca de 1250 yuans situam-se bem abaixo da média de 2000 yuans nas províncias mais desenvolvidas, de acordo com dados compilados pela Bloomberg News.

Mas, mesmo assim, Chongqing não conseguiu ficar imune à desaceleração económica generalizada. Após ter conseguido atrair mais de 10 mil milhões de dólares de capitais estrangeiros por ano ao longo dos últimos cinco anos, o investimento caiu 10,9 por cento no ano passado face a 2014. O aumento das exportações também está desacelerar.  

Essas ligeiras dores de crescimento são problemas que outras províncias desejariam ter. A questão que elas se colocam é: será o crescimento de Chongqing, resultado de uma mistura de gestão estatal estreitamente ligada às suas ligações fluviais e ferroviárias, uma lição para ser copiada, ou uma confluência de factores que não pode ser replicada?

Para Peng, que viu as casas de madeira que costumavam empoleirar-se nas ravinas das margens do rio darem lugar a arranha-céus de aço e vidro, ainda existe margem para crescimento. Ele prevê investir 100 milhões de dólares na construção de quatro navios nos próximos três anos, que se juntarão aos sete que já possui.

Através das gerações, os habitantes de Chongqing sempre “dependeram das águas do Yangtze”, lembra. Pelo menos nesse aspecto, não houve muitas mudanças.

Segunda de uma série de reportagens sobre os 50 anos da Revolução Cultutal chinesa, a publicar até domingo

1.ª reportagem: 
Milhões de empregos em risco na recuperação industrial de Xi Jinping

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