Quem guardou as receitas da avó?

Fomos à procura de receitas de família que se tornaram tradição e que não passam pelo bacalhau e o peru. Mais secretas ou menos, guardadas em livros gastos pelo uso ou apenas na memória, são sempre uma forma de recordar mães, tias, avós, pais ou até tios que um dia também as cozinharam.

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José Paula e Miguel Rodrigues: Cake de Natal

Foi só quando se casou com José Paula, em 1967, que Maria Vitória aprendeu a cozinhar. Começou a tomar nota de todas as receitas que lhe davam num livro — algumas escrevia-as à mão, com todos os detalhes, outras recortava de revistas e jornais e ia colando ou simplesmente guardando entre as páginas do caderno.

É esse livro, hoje muito gasto pelo uso, que o filho Miguel vai buscar e traz para cima de uma das mesas do restaurante que tem com o pai, o Delícias de Goa, em Lisboa. José Paula veio de Goa para Portugal em 1962 e foi aqui que conheceu a goesa Maria Vitória. Mas só depois de a guerra colonial o ter obrigado a embarcar para África é que os dois decidiram casar.

“Mandei-lhe a passagem para ela ir ter comigo à Beira, em Moçambique”, conta. Como era enfermeira, pôde acompanhar o marido mesmo quando o destacamento dele foi mandado para o interior — algo que não era permitido às outras mulheres. Com o casamento à vista, Maria Vitória terá pensado que o melhor era aprender a cozinhar e acabou por se tornar uma óptima cozinheira.

“Quando tínhamos visitas, ela desaparecia um bocadinho lá para dentro, abria o livro, decidia o que fazer e em pouco tempo a mesa enchia-se de coisas para o lanche”, conta o marido. Além disso, a despensa estava sempre cheia, porque “nunca se sabe o que pode acontecer”, como lhes tinha dito uma amiga na altura em que regressaram a Portugal, em 1975, quando “tudo estava a ferver”.

“As primeiras receitas são as de doces mais indianos”, repara Miguel, enquanto passa as páginas. “Talvez fossem as que ela receava esquecer mais depressa.” Mas não eram estes os mais populares em Goa, afirma José Paulo. “São demasiado doces.” É por isso que as memórias de Natal — primeiro lá e depois já em Portugal — estão ligadas a doces muito particulares: a bebinca, claro, a bátega, com coco e cuja receita está também neste livro, e o cake de Natal, que se tornou obrigatório no Delícias de Goa durante a época natalícia (a bebinca marca presença o ano inteiro).

Decidimos então para esta história escolher o cake. “É uma versão do bolo inglês, mas que leva vinho do Porto, além das sultanas, os corintos, a laranja cristalizada, e que é feito com o açúcar em ponto de caramelo, o que lhe dá um tom de mel”, explica Miguel. É preciso começar a prepará-lo com tempo porque tudo é feito em casa, incluindo a cristalização da laranja.

Miguel, e a irmã, Célia, nunca chegaram a ir a Goa. E mesmo José Paula e Maria Vitória deixaram por concretizar esse projecto — ela morreu em 1989, com 46 anos. Mas em Portugal, para onde toda a família veio quando deixaram definitivamente Moçambique (Miguel tinha um ano), nunca faltaram as tradições de Natal. “E em Goa este bolo era obrigatório no Natal”, recorda José Paula.

Quando Miguel e Célia eram pequenos, a mãe fazia o presépio e a árvore de Natal e, logo no dia 20, começava a preparar os doces e as outras especialidades da época. “Mas os doces só podiam ser comidos depois da Missa do Galo”, conta Miguel. “Era um cheirinho inacreditável pela casa toda. E até trocávamos doces com os outros vizinhos do prédio.”

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Os miúdos ajudavam, claro. Hoje tudo é mais fácil, pode-se comprar o miolo da amêndoa já cortado, por exemplo. Mas antigamente fazer o cake era um ritual que exigia tempo e juntava a família em pequenas tarefas. “Um dos trabalhos que nós tínhamos era pôr as amêndoas em água quente para lhes tirar a pele.” E no fim lutavam para poderem rapar a taça em que tinha sido preparado o bolo.

Foi já alguns anos depois da morte de Maria Vitória que José Paula decidiu prestar atenção “ao bichinho” da restauração que tinha dentro de si. Com um amigo, abriu o primeiro restaurante, o Nova Goa, em 2004. Quatro anos depois, resolveu apostar num projecto novo e abriu o Delícias de Goa. Miguel, que entretanto tinha ido para Londres aprender cozinha com um primo que ganhou o concurso de melhor cozinheiro de pub no condado de Kent, voltou e foi para o restaurante do pai.

Para fazer muitas das receitas tradicionais de Goa, socorre-se ainda do livro da mãe. A primeira vez que o foi buscar foi para aprender a fazer bebinca, mas a tarefa revelou-se mais complicada do que esperava. Só neste livro havia duas receitas diferentes, as tias que estão no Brasil deram-lhe mais três versões e as do Algarve mais duas. Foi dessas sete que ele chegou à bebinca que hoje faz. O cake é mais simples. Apesar de, nessa página, a tinta do caderno da mãe estar cada vez mais apagada, ele já o sabe fazer bem.

O último Natal de Maria Vitória foi o de 1988, já no hospital (morreria no dia 13 de Dezembro do ano seguinte). Mas a família não quis que fosse menos Natal por isso. Houve Missa do Galo no IPO, e José Paula, Miguel e Célia levaram os pratos de sempre, o cabrito assado no forno, o sarapatel, os bolos de Natal.

Passaram-se muitos anos desde essa noite, mas o velho livro de receitas continua a uso, e todos os Dezembros a cozinha da família volta a encher-se com o “cheirinho inacreditável” do cake de Natal de Maria Vitória.

Maria Joana Garcia Calhau: Bolo de Noz

Tinha um nome raro a tia que passou a Joana a receita do bolo de noz — chamava-se Comba. “Ajudou a minha mãe a criar-nos e era uma excelente cozinheira”, conta Joana. “Fazia jantares chiques para a alta sociedade, as famílias mais ricas lá da Cuba.” A receita do bolo de noz, tê-la-á recebido de uma amiga também de nome original, São Pedro, e mais para trás já não se consegue traçar a história deste doce.

Foi em Cuba, no Alentejo, e depois em Beja, que Joana cresceu. Aí, na noite de Natal, não havia peru nem bacalhau. A tradição pedia que na mesa reinasse o porco, por isso aparecia sempre lombo assado com tempero do alguidar, além da sopa da panela feita com frango. Quando chegava a hora dos doces, o que saía das cozinhas era o bolo folhado, o pudim flan e, perto da meia-noite, a avó e a tia deitavam mãos à obra e começavam a fazer os coscorões.

Joana não gostava de cozinhar. No que tocava aos trabalhos da casa, preferia limpar e arrumar. Até tarde foi assim. Depois de estudar em Beja, regressou a Cuba para trabalhar na Câmara Municipal e voltou a viver com a avó, que adorava. “Eu trabalhava e quando chegava a casa tinha a comidinha pronta e na mesa. Era uma princesa.” De tal maneira que houve um tempo em que Joana também não apreciava particularmente o Natal. “Tinha de sair do meu lugar à mesa para dar lugar aos outros”, conta, a rir. E durante aqueles dias as atenções da avó já não eram só para ela.

Mas chegou a altura de casar e de deixar a casa da avó. “Tinha um bocadinho de medo de não conseguir fazer nada na cozinha”, confessa. Valeu-lhe ter a professora certa. Foi em grande parte por correspondência que aprendeu a cozinhar e ainda guarda as cartas que a tia Comba lhe mandava de Beja, em que se misturavam notícias de família e receitas.

Muitas dessas receitas, escritas em papéis soltos e na letra bem desenhada da tia, estão guardadas dentro dos seus livros de cozinha. Vai buscar um e espalha as folhas em cima da bancada. Por acaso, a do famoso bolo de noz já só existe numa versão escrita pela própria Joana e não no original da tia Comba. Mas hoje nem precisa de olhar para ela. Podia fazer este bolo de olhos fechados.

Os filhos sempre o adoraram e por isso é o bolo que faz nas festas de anos e, claro, é obrigatório na noite de Natal. Quando Joana o levava para festas de crianças, havia sempre alguém a perguntar como se fazia. Sorri ao recordar que o filho, Leopoldo, sempre lhe disse para não dar a receita a ninguém. Hoje percebe-se que havia uma boa razão para tanto secretismo: o bolo de noz tornou-se uma sobremesa emblemática no restaurante que ele abriu há um ano na Parede, o Sociedade.

Quando chegamos a casa de Joana, no Lumiar, em Lisboa, já ela tem tudo preparado. A arte, explica, está sobretudo na caramelização da forma, que faz com invejável destreza. Importante também ?? o ponto do açúcar, que deve ser de pérola. Tirando isso, o outro grande segredo deste bolo são as nozes, fresquíssimas, que vêm das nogueiras de uma propriedade do marido perto de Vila Franca.

Enquanto conversa, Joana vai fazendo o bolo. As nozes já estão moídas (antigamente eram partidas à mão, o que dava muito mais trabalho), o pão está cortado em pedaços grosseiros, os ovos são batidos, o açúcar é trabalhado para chegar ao ponto certo. A forma, de ondinhas, é caramelizada e ganha no interior um lindo tom dourado-escuro. O preparado é despejado para esta forma e, em menos de nada, o bolo de noz (que pode também ser chamado “pudim” pela sua consistência húmida) entra no forno.

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Alexandra Prado Coelho,Sibila Lind

Joana recorda uma outra receita de Natal, muito mais trabalhosa, mas que encanta a família, o nógado, uma espécie de nougat, que também lhe foi ensinado pela tia, mas que faz muito menos vezes porque são muitas horas de trabalho para depois os filhos e os netos fazerem desaparecer o resultado em menos de nada.

Não nos podemos ir embora sem provar o doce que aqui nos trouxe, avisa, enquanto prepara um chá e traz para a mesa da sala chávenas e pratos. Falta apenas desenformar o bolo, há um momento de suspense com medo que não saia inteiro, mas um “ploc” da forma indica que é o momento — e o bolo desliza, perfeito, para o prato.

Tó Ricciardi: Peixe à Tio Eduardo

Quem conseguiu ficar para sempre com o nome ligado a esta receita foi um tal de tio Eduardo. Mas Tó Ricciardi nunca conheceu esse tio, do lado materno, e a relação que criou com esta receita foi através do pai, Manuel, já falecido, que entretanto a transformou e melhorou, fazendo dela um dos pratos preferidos da família no Natal.

Não se pode dizer que esta seja propriamente uma tradição de família, pelo menos para já, mas é uma receita que Tó — que é DJ e recentemente abriu um projecto também ligado à restauração, o Station, no Cais do Sodré, em Lisboa — gostaria que não se perdesse. Por isso, vai tentar cozinhá-la hoje para nós vermos, num ensaio que, se correr bem, poderá depois repetir-se no Natal.

O livro de receitas original está em casa da mãe de Tó. O que ele tem é apenas uma fotografia tirada com o telemóvel a essa receita que alguém baptizou como “peixe à tio Eduardo” — e neste momento da história já é difícil perceber se foi de facto inventada por um tio Eduardo ou se era apenas do especial agrado deste antepassado.

Seja como for, o facto é que alguém se deu ao trabalho de a registar. E, em meia dúzia de linhas batidas à máquina, reza assim: “Fazer um refugado [sic] com muitas cebolas, um cravo, uma folha de louro, pimenta em grão e sal. Cozer à parte o peixe (dourada, pescada, peixe-galo, etc.) com pouca água. Logo que estiver cozido tirá-lo da água, deixá-lo escorrer bem e pô-lo no prato de servir. Misturar a água do peixe com o refugado [sic] e adicionar a mesma quantidade de caldo de carne. Deixar cozer tudo uns 20 minutos e deitar por cima do peixe, que vai a gelar.” E termina com uma frase lapidar: “É um prato muito fino.”

É, além disso, uma receita dos tempos em que qualquer dona de casa tinha os conhecimentos básicos de cozinha e era desnecessário dar quantidades exactas — uma indicação como “muitas cebolas” já resolvia o problema.

Mas já não é esta a receita que Tó Ricciardi quer reproduzir. A outra, a do pai, é mais complicada. O que se sabe é que no livro 40 Homens na Cozinha, de Kika da Costa Campos, editado nos anos 1990, Manuel Ricciardi apresenta, orgulhosamente, este prato frio de peixe. O problema é que Tó também não tem com ele esse livro.

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Alexandra Prado Coelho,Sibila Lind,Frederico Batista

Portanto, a dificuldade aumenta pelo facto de o único registo que existe dela ter sido feito pelo próprio Tó enquanto via o pai executar o prato. “O meu pai era muito rápido e eu fui tentando tirar notas, mas ficaram estes gatafunhos”, explica.

Na realidade, os “gatafunhos” no pequeno caderno de receitas são perfeitamente legíveis, mas parecem mais um peixe à tio Eduardo desconstruído, em que indicações sobre um determinado passo são completadas noutra página, ligadas por traços e setas — exactamente o tipo de esquema que, na altura em que o fazemos, parece claro e que mais tarde se assemelha a um puzzle.

Tó olha e volta a olhar para as suas notas para confirmar que dá os passos pela ordem correcta e não está a saltar nenhum. Quando chegámos a sua casa, em Carcavelos, às duas da tarde em ponto, alguns desses passos já tinham sido dados: o peixe (neste caso, um lombo de pescada) já estava cozido, e um dos caldos também já estava pronto.

“A paixão do meu pai era a cozinha”, vai contando o nosso anfitrião. Depois de se reformar, o que Manuel Ricciardi mais gostava de fazer era cozinhar para os amigos, receber em casa e recriar receitas como esta. O Natal era uma ocasião imperdível para isso, claro. “Semanas antes já ele estava a preparar as coisas para os pratos de Natal.”

Na mesa, para alegria dos seis filhos, aparecia sempre uma castanhada, uns nhocchis (influência do lado italiano da família) que, segundo Tó eram deliciosos. E ficaram para a história também umas perdizes com um molho especial.

Muito amigo de Manuel Ricciardi era Gigi, o conhecido dono do restaurante Gigi’s na Quinta do Lago, no Algarve. Terá sido, aliás, num dos frigoríficos de Gigi que ficaram guardadas, congeladas, umas dessas perdizes, que ainda foi possível apreciar depois da morte do seu autor, recordando-o assim, justamente, através da arte da cozinha.

Mas estamos aqui por causa do peixe à tio Eduardo, o bouillon já está ao lume, tudo parece bem encaminhado e um cheiro bom invade a cozinha. Tó coloca na panela o cravinho, que vai fazer toda a diferença mas que terá de ser retirado antes de servir. Juntam-se os caldos, depois de arrefecidos para não cozinharem mais o peixe, e por fim a gelatina. Vai ao frigorífico durante umas horas e serve-se com batata-palha.

Não sabemos se esta tradição vai perdurar na casa dos Ricciardi. Muito depende do que resultar deste peixe que deixamos agora no frigorífico. Mas, pelo menos este ano, volta a haver peixe à tio Eduardo.

Sandra Rodrigues de Gouveia: Carne vinha E alhos

Livro de Receitas — as três palavras foram bordadas à mão na capa do livro que Sandra vai buscar para nos mostrar, em bordado da Madeira, a terra onde nasceu e que é também a da sua mãe, Maria Teresa. E quando se abre o livro é como se viajássemos no tempo e no espaço: para a ilha e para uma época em que as senhoras bordavam, escreviam receitas e faziam longos cozinhados.

Entre estas receitas, manuscritas por Maria Teresa e sempre com a indicação de quem lhe deu cada uma, está uma de cerveja (dada pela tia Clélia), assim como a de genebra e várias de licores. Há uma para “Bifes (quando a carne é dura)”, outra de “Gelatina ao vinho branco para adornar um prato com aves”, uns “Rins de Vitela Bellevue” da revista Modas e Bordados, e uma de peru assado que começa assim: “O peru deve ser sempre morto de véspera e depenado a seco.”

Na Madeira, fazia-se tudo de raiz, conta Sandra, e o Natal era — e continua a ser — a melhor altura do ano. Aliás, garante, “não conheço sítio nenhum em que o Natal seja vivido como na Madeira”. Quando era miúda, recorda, “começava-se a preparar tudo uma semana antes, ou ainda mais cedo porque primeiro era preciso arear as pratas, dar cera à casa, e isso era trabalho para dois meses”.

A comida, essa, é que exigia uma semana de trabalho. “Era preciso cozer os bolos de mel, que, depois de serem amassados, têm de descansar três dias.” E esse é um ritual importantíssimo. “Íamos de madrugada com todas as formas, umas 40, pequenas (a mãe usava as formas em que antigamente se vendia a banha, que ela coleccionava e que ‘tinham o tamanho ideal para os 400 gr. de cada bolo’), para a padaria, porque o bolo de mel deve ser cozido depois do pão.” Já cozido e embrulhado em papel vegetal, “dura um ano”.

Mas, avisa, é “uma receita muito cara para ser feita como deve ser” porque leva muitos ingredientes, o pão, o mel de cana, o cravinho, a cidra “que é fundamental”, nozes, amêndoas. Como se fazia muita quantidade de massa, era preciso alguém com força — geralmente o irmão — para conseguir amassar tudo. “Fica um peso imenso”, explica Sandra.

Tratados os bolos de mel, havia ainda mil outras coisas para fazer. Uma delas é a receita que justifica a nossa visita à casa de Sandra em Montemor-o-Novo, um antigo palacete agora recuperado para receber hóspedes e baptizado como Palacete da Real Companhia do Cacau: a carne vinha e alhos (na Madeira diz-se assim, explica a nossa anfitriã, em vez de se usar a expressão mais habitual de “vinha d’alhos”).

“A carne tem de ser gorda, tipo entremeada” e deve ficar a marinar num preparado que leva alhos, louro, cravinho, malaguetas e metade de vinho, metade de vinagre — “fica bem melhor assim do que só com vinho”, garante. Com esse preparado a repousar, cria-se uma camada de banha por cima e é depois nessa banha que a carne é cozinhada e que o pão é frito. Acompanha apenas um nabo cortado fininho, laranja cortada e, às vezes, pimpinela cozida. “Isto dá para a época do Natal inteira, porque a carne fica guardada em potes de barro e vai-se tirando à medida que se precisa.”

E bem é preciso comida armazenada porque a época das festas na Madeira à coisa séria. “A grande noite começa a 23, quando toda a gente vai para a rua. Nós costumávamos ir para os carrinhos de choque. O mercado está aberto toda a noite e as pessoas aproveitam para fazer as compras para a Consoada. As tascas à volta vendem todas carne vinha e alhos, têm panelas com a carne cozida, abrem um papo seco e deitam uma colherada de carne e molho lá para dentro.” Mas esta tradição de comida de rua é mais recente, diz Sandra. Quando ela era pequena, a comida estava em casa.

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E aí, dentro das casas, já se prepararam “as broas de mel, que se começam a fazer uma semana antes e são servidas com café ou chá, os ligeirinhos, as bolachinhas de amêndoa, as de coco, as de cerveja”. Depois — e esta era uma tradição antiga que deixou de ser possível —, “na véspera de Natal, três ou quatro homens carregavam um pinheiro manso e pela noite dentro ficava toda a gente pendurada a enfeitar o pinheiro”.

Na noite de 24, para a ceia, havia canja, peru assado, mousse de noz, souflé de pimpinela. Ia-se à Missa do Galo e, no regresso, a casa de Sandra enchia-se de amigos — “mais de cem pessoas” — para a troca de presentes e a ceia. “A festa acabava às quatro ou cinco da manhã, mas no dia seguinte, religiosamente, à hora do almoço, estava a família nuclear presente para almoçar. E então, sim, chegava à mesa a célebre carne vinha e alhos.

A partir daí, era só continuar a festa até à passagem do ano, andar pelas igrejas para ver os diferentes presépios, visitar familiares e amigos e provar todos os licores. “Há arranjos de flores por todo o lado, música de Natal nas ruas e toda a gente deseja Bom Natal aos outros. É uma coisa lindíssima.” E, no meio desta azáfama, quando a fome aperta, é só ir ao pote de barro e tirar mais um pouco da carne vinha e alhos para ganhar forças e voltar à festa.     

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