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Mario Cravo Neto entre o escuro e o obscuro

Em Mitos y Ritos (PHotoEspaña 2015), as séries a preto e branco que deram reconhecimento internacional ao fotógrafo brasileiro convivem com as imagens de uma Nova Iorque frenética e o quotidiano feito de rituais da Bahia

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Quando Mario viajou com o pai (Mario Jr.) para Berlim, em meados dos anos 1960, era a escultura que estava na sua cabeça. A formação artística que recebeu em casa tendia para esse campo de criação — Mario Cravo Jr. era escultor. Mas depois, a história dos primeiros passos na fotografia de Mario Cravo Neto (Salvador da Bahia, 1947-2009) começa como tantas outras histórias de fotografia, alguém lhe ofereceu uma câmara e nunca mais parou.

E o certo é que podia ter parado logo a seguir, no regresso ao Brasil, via Nova Iorque, quando no aeroporto roubaram todas as bagagens da família Cravo. A câmara fotográfica de Mario, então com 17 anos, estava lá dentro. No entanto, a marca deixada pelas primeiras experiências com o suporte fotográfico na Alemanha viria a revelar-se de forma decisiva durante uma intensa estadia do artista em Nova Iorque, para onde foi estudar na Art Students League, em 1969. São desse período boa parte das imagens a cores da exposição Mitos y Ritos que faz parte da secção oficial do PHotoEspaña 2015, que nesta edição decidiu voltar-se para a fotografia da América Latina. Naquela que é a primeira retrospectiva do fotógrafo brasileiro na Europa, esse núcleo de imagens ganha um enorme protagonismo. E essa força não está só relacionada com o lado inédito (ou pouco conhecido) desta faceta urbana da obra de Cravo Neto, mas sobretudo com a força criativa presente em cada fotograma desta série, resultado de muitas caminhadas aleatórias por Tompkins Square Park, Bowery, China Town, West Village ou Canal Street.

Enquanto a sua obra plástica escultórica no Art Students se orienta pelos temas naturalistas e ambientais, a sua fotografia desta época é marcada pelo fascínio pelo quotidiano da metrópole. Mas ao contrário da tendência vigente na fotografia de rua de então, que retrata um lado mais glamoroso e romântico, o artista brasileiro, vindo de uma localidade pacata do litoral, deslumbrou-se com o lado mais obscuro, enigmático e duro da cidade, onde vagueiam figuras solitárias e travestidas. Nestas ruas escuras e sujas deslocam-se limusinas e grandes carros numa cidade que, apesar de cheia, parece vazia, uma cidade abandonada à sua própria sorte. Oliva María Rubio, comissária da exposição, coloca estas imagens cheias de efeitos de movimento e cores saturadas no campo dos “sonhos” e, em vez de as aproximar à expressão fotográfica, compara-as às imagens dos quadros de Francis Bacon.

Nas salas do Real Jardín Botánico, em Madrid (até 2 de Agosto), estas imagens frenéticas convivem ao lado das duas facetas mais conhecidas de Cravo Neto — as séries a preto e branco de retratos encenados (as “esculturas fotográficas” que lhe deram reconhecimento internacional) e as séries a cores sobre o quotidiano da “velha” Bahia, onde Cravo Neto percorre tanto rituais religiosos e os seus protagonistas, como ruas, mercados e praias. Nesse terreiro, como o artista gostava de classificar a sua terra natal, misturam-se religião, erotismo, violência e drama, natureza e cultura, lugar de confluência de tradições indígenas, portuguesas e africanas. Um caldeirão que Cravo Neto consegue traduzir em fotografia. Sérgio B. Gomes, em Madrid

O jornalista viajou a convite do Turismo de Espanha

"Odé",1989
"Odé",1989
"Vodoo Child", 1989
"Vodoo Child", 1989
Bahia, ca. 1995
Bahia, ca. 1995
Bahia, ca. 1995
Bahia, ca. 1995
Salvador, ca. 1990-2000
Salvador, ca. 1990-2000
"New  York", 1969-1970
"New York", 1969-1970