Crescimento e emprego
Acreditar no efeito salvífico da austeridade não foi apenas idealismo de efeito perverso, mas sobretudo fanatismo.
Considerada pelos seus críticos uma medida de reforma da segurança social ela é essencialmente uma medida de crescimento e emprego. Tem sido acusada de trazer a polémica fixação do limite superior de contribuições e pensões, o "plafonamento", quando ela está condicionada por objectivos de neutralidade de ganhos e perdas para as mesmas coortes de contribuintes. É acusada de fragilizar financeiramente a Segurança Social, quando ela prevê compensações de auto-financiamento. É olhada de viés por almas bem formadas que entendem que a segurança social não deve ser um instrumento de reforma das economias, se tal reforma conduzir à distorção dos objectivos sinalagmáticos inerentes à sua criação. E finalmente que ela constitui idealismo económico que pode não gerar nem a expansão nem o emprego, que postulam os seus defensores, provocando, pelo contrário, mais instabilidade e desemprego.
Vamos a cada um destes argumentos, todos merecem atenção. A medida nunca será a base da reforma necessária da segurança social, no que respeita ao sistema de pensões, nem fragiliza o financiamento do sistema. Ela está pensada como medida de crescimento e emprego por alargamento e aprofundamento da base impositiva das contribuições respectivas, visando inverter o actual ciclo de diminuição ou estagnação da economia. Se a base laboral claudica com a erosão do emprego, o imperativo tecnológico tende a reduzir o seu volume. Daí a necessidade de novas fontes de financiamento, como o imposto sobre as sucessões, a consignação de parte do IRC, (o tal para cuja descida o Governo rompeu o compromisso com a Oposição de simultaneidade com a descida do IRS) e receitas adicionais geradas pela penalização da rotação laboral excessiva. A medida incide apenas nas contribuições dos trabalhadores com contrato permanente, visando a redução dos contratos a prazo. Será o aumento sustentável do emprego que garantirá a segurança social do futuro e não a manutenção e agravamento das contribuições actuais que a podem tornar sustentável. Pelo contrário, levam-na ao abismo.
Por mais que queiram os seus detractores, a medida não se traduz em plafonamento das contribuições e pensões. Esta designação, hoje alarmista, refere-se a todas as contribuições a partir de um dado limite, resultante da multiplicação do valor do salário mínimo por um factor que tem que satisfazer condições: não ser tão elevado que a perda de receita actual se torne incomportável, não ser tão baixo que não produza qualquer efeito positivo na economia, como aconteceu com o IVA social do início dos anos noventa. Não pode discriminar empresas segundo a densidade laboral, beneficiando ou penalizando as intensivas em mão-de-obra, nem em função de uma conjuntural capacidade exportadora, distorcendo mercado de trabalho e economia. Os 4 por cento previstos para cada parceiro colocam mais dinheiro fresco no bolso dos trabalhados e das empresas. Trabalhadores pobres aumentarão o consumo, sobretudo de bens essenciais aqui produzidos, estimulando pequenas empresas que a eles se dediquem; trabalhadores com mais recursos, aumentarão as suas poupanças para garantir uma velhice mais tranquila investindo no mercado de capitais ou no deprimido mercado imobiliário e de reabilitação urbana. As PME sentirão algum alívio de encargos fixos, reduzindo endividamento que as asfixia, ampliando capitais próprios, ou reinvestindo. Quanto à neutralidade dos equilíbrios inter-geracionais (pague menos agora, em troca de menor pensão futura), é certo que a medida será mais bem recebida pelos trabalhadores mais jovens que pelos que estejam a chegar aos 60 anos de vida, mas não é exactamente a retenção no País de jovens profissionais um dos nossos maiores problemas?
Mais séria parece ser a crítica da ruptura com a relação sinalagmática entre contribuição e benefício e a eventual manipulação da segurança social como instrumento de política económica. Em relação à primeira, se não se deve dizer que essa ruptura está consumada desde o momento em que o sistema de pensões passou a ser pesadamente financiado pela receita pública fiscal (5 mil milhões de euros ao longo dos últimos três anos), pode ao menos dizer-se que a crise apenas acelerou uma tendência de passado recente, já experimentada por países comparáveis. Por outro lado, a defesa daquela relação pode ser feita por reais instrumentos de reforma da segurança social como seja a transformação do nosso sistema de "pay as you go", num sistema de capitalização "nocional" ou virtual, seguindo a reforma da Suécia. Não temos agora nem tempo nem espaço para desenvolver a ideia, mas o largo consenso que ela tem colhido poderá facilitar a sua adopção.
Finalmente, a crítica do idealismo das medidas, repousando num multiplicador do consumo e de novo investimento, para relançar a economia. A resposta basta que seja empírica, baseada nos resultados da política económica do actual governo. Acreditar no efeito salvífico da austeridade que destruiu emprego, consumo, investimento, endividou ainda mais o País e pouco impulsionou a exportação, não foi apenas idealismo de efeito perverso, mas sobretudo fanatismo. Colher os frutos de correcções do Tribunal Constitucional a erros de governação, continuando a lamentá-las não é idealismo, mas baixa política. A melhor defesa contra o idealismo reside em orientação económica formalmente correcta, baseada na experiência e, sobretudo, intelectualmente honesta.
Apostilha: por me encontrar no Brasil, para prevenir incertezas de envio e recepção, este artigo foi escrito antes de ter lido a resposta dos autores da "Década" às questões apresentadas pelo PSD. Não vi razão para alterar o meu texto e reconheço que as respostas tornam ainda mais sólido o documento inicial.