Primeira obra de Santos Silva e do Grupo Lena tem 15 anos e não está pronta

Por volta de 1998 Santos Silva e o grupo Lena construíram uma barragem que ainda hoje não funciona. As relações de Sócrates com os donos do grupo também vêm de longe.

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Daniel Rocha

Segundo algumas versões, os contactos do então deputado socialista com os construtores civis de Leiria terão tido início no começo daquela década. Certo é que Santos Silva começou a relacionar-se profissionalmente com a família Barroca Rodrigues no final dessa década, precisamente com um projecto que se tornou um "elefante branco" no concelho do Sardoal.

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Segundo algumas versões, os contactos do então deputado socialista com os construtores civis de Leiria terão tido início no começo daquela década. Certo é que Santos Silva começou a relacionar-se profissionalmente com a família Barroca Rodrigues no final dessa década, precisamente com um projecto que se tornou um "elefante branco" no concelho do Sardoal.

O que não é certo é se Sócrates teve algum papel no início dessa colaboração, que se desenvolveu nos 15 anos seguintes e levou ontem à detenção de Joaquim Barroca — um dos três filhos do fundador do grupo e administrador de muitas das suas empresas.

No caso do ex-primeiro ministro, a sua ligação aos proprietários do grupo de Leiria é atribuída por algumas fontes locais, embora isso não esteja confirmado documentalmente, ao facto de a sua ex-mulher, com quem casou em 1993, ser originária daquela cidade e os seus pais serem aí figuras proeminentes. O pai, o arquitecto José Manuel Fava, foi técnico superior da câmara local durante 35 anos, até 2013. A mãe, Clotilde Fava, é uma artista plástica muito conhecida na região. 

Além das funções que desempenhava no município, que foi sempre um grande cliente da familia Barroca, José Manuel Fava tinha (e tem) o seu próprio gabinete de projecto e é um destacado membro do Grande Oriente Lusitano. 

Responsável pelo lançamento, em 1996, já como secretário de Estado do Ambiente, de um programa de encerramento das lixeiras a céu aberto e de criação de modernos aterros sanitários um pouco por todo o país, José Sócrates abriu então as portas a grandes negócios que se tornaram particularmente cobiçados. E aí tanto Carlos Santos Silva como o grupo Lena não perderam tempo. 

O primeiro envolveu-se, com as suas empresas de construção, projecto, fiscalização e gestão de obras, em muitas das empreitadas lançadas sob a égide do amigo — a começar pela do aterro Sanitário da Cova da Beira, em 1997, onde surgiram as primeiras suspeitas de relações perigosas entre os dois. O segundo lançou-se no mesmo ano, abrindo em 1998 o aterro sanitário de Abrantes, e alcançando nos anos seguintes, quando Sócrates era ministro do Ambiente, uma posição de destaque no sector dos resíduos, através da Lena Ambiente.

O início da actividade do grupo no aterro de Abrantes, coincidiu aliás com aquele que é o primeiro contacto profissional documentado entre Santos Silva e as empresas da família Barroca. Ali perto, no Sardoal, o projectista de Belmonte, através das suas empresas Proengel e EFS, encarregou-se da concepção da barragem da Lapa — uma obra de 5,5 milhões de euros lançada pela câmara local e destinada a abastecer o concelho de água. 

A obra propriamente dita foi entregue à Lena Construções em 1999 e os trabalhos foram concluídos em 2002. Passados 13 anos, a barragem não serve para nada, nem sequer foi oficialmente entregue à Câmara do Sardoal. O grupo Lena assumiu a responsabilidade pelas anomalias detectadas na estrutura hidráulica, que impedem o seu funcionamento, mas até hoje o problema não foi resolvido.

A chegada do grupo de Leiria à zona de Abrantes revelou-se no entanto um sucesso empresarial. Ao longo dos anos 2000, as suas empresas ganharam grande parte das empreitadas do município local, gerido pelo PS, e até tomaram conta de um jornal local e da histórica rádio Antena Livre — precursora em todo o país da das então chamadas rádios piratas. Além de parcerias com a câmara, nomeadamente para gerir as águas residuais, o Grupo Lena construiu ali, entre outras obras, o estádio municipal e as piscinas municipais, o açúde insuflável (que há duas semanas teve grandes problemas), o complexo desportivo, o parque urbano, o Aquapolis (reabilitação da margem do Tejo), o Tecnopólo e o aterro Sanitário da Amartejo, que serve vários concelhos.

Ao nível dos projectos, e desde o tempo da barragem falhada do Sardoal, o grupo Lena nunca mais deixou de contar com Santos Silva. Entre muitos outros trabalhos, encomendou-lhe em 2001, através da Proengel, o Jardim das Portas do Sol, uma obra da Câmara de Santarém. No ano seguinte subiu de escalão, entregando-lhe o projecto de uma obra de 90 milhões de euros  — o estádio de Leiria, construído para o Euro 2004. Em 2003 contratou-o para o Quartel dos Bombeiros da Guarda (obra de 1,9 milhões). Logo a seguir foi a vez da chamada Via de Cintura da área Metropolitana de Lisboa Norte (2,7 milhões). Dois anos depois trabalharam juntos num viaduto sobre a linha ferroviária do Alentejo (3,1 milhões). Em 2009, já ele era administrador, desde 2008, de algumas empresas do grupo, foi um centro escolar para uma freguesia de Torres Novas (5,1 milhões) .

O grande negócio estava então a chegar da Venezuela e a ajuda do primeiro-ministro Sócrates foi crucial. O mega-empreendimento de 12.500 habitações encomendadas pelo Governo de Hugo Chavez começou a concretizar-se em 2011 e a Proengel ficou com tudo o que era projecto desta empreitada de 988 milhões de euros. Paralelamente, uma empresa de que são sócios os irmãos Barroca e Santos Silva, a XMI, passou a intermediar esta e outras grandes operações do grupo no estrangeiros, com lucros assinaláveis.

Num comunicado que emitiu no início de Fevereiro, o grupo Lena afirma que apenas pagou às empresas de Santos Silva “cerca de 3,2 milhões de euros por serviços prestados entre 2005 e 2010.” Sobre o resto nada disse.