Plural ou disfuncional?
Portugal não é o Brasil de Collor de Melo, onde a TV Globo fabricou um candidato vitorioso.
As legislativas a três meses das presidenciais têm servido de biombo, ajudando a direita a não sentir o problema. Qualquer que seja o resultado, a direita terá sempre um trunfo na manga. O problema é não ser apenas um, mas dois ou até três. Vejamos.
As candidaturas devem ser apreciadas sob duas vertentes práticas: a possibilidade de vencerem e a capacidade de convencerem os eleitores de que se não enganaram. As sondagens infelizmente demonstram que muitos eleitores presidenciais estão hoje arrependidos. A desilusão é um paralisante político. Tentarei ser objectivo, uma vez que nada de pessoal me move contra nenhum deles. Embora seja desigual o meu relacionamento, tenho boas razões para a todos apreciar positivamente.
Começo pelo Dr. Rui Rio, de quem quase me considerei amigo nos idos dos anos noventa. Tenho Rui Rio na conta de um homem de invejável probidade, excessiva teimosia, mas consistente capacidade de gerir a coisa pública. Deficitário em cultura? Todos somos imperfeitos em alguma coisa, seja nos deveres fiscais, seja no excesso de emoção, seja na falta de ânimo. Mas Rio tem um problema sério. A sua candidatura está dependente do volume da derrota do PSD nas legislativas. Se a derrota for grande, Rio surgirá como candidato a líder do partido. Se a derrota for média, mas ainda forte, Rio pode ser a reserva para candidato a presidente. Se a derrota for pequena, ou até houver nova maioria PSD/CDS, então o País não será regenerável, o executivo actual inchará de orgulho, tudo continuará como hoje e o candidato escolhido seria o mais popular. O País continuaria a navegar à vista. Resumindo, Rio poderia ser um razoável presidente, se bem aconselhado, mas terá fortes dificuldades em ser candidato.
Passemos ao Professor Marcelo. De longe o mais conhecido, o mais empático, o que com facilidade parece poder vencer eleições. Só que os eleitores não escolhem um Presidente por zapping, nem por fidelidade a hábito dominical. Uma larga maioria de Portugueses adora o Professor Marcelo, senta-se em frente a ele todos os domingos, ouve-lhe a missa com devoção. Diferente é colocar, no nome dele, a fatal cruzinha. O cargo está reservado para um pai, um patrão nacional para coisas difíceis, acima de partidos e querelas, independente, exemplar. Ninguém aceita como eterna a sua actual depreciação. Todos gostariam de escolher alguém que sabem ficar lá, não por quatro, mas por dez anos. Não querem um simpático locutor. Pretendem quem os defenda nos momentos difíceis. Marcelo é o candidato da direita com possibilidade de vencer a eleição, mas será difícil que uma boa maioria admita, hoje, que ele possa ser um bom presidente, amanhã. Argumentos? Deixo-os para o actual líder do PSD, nunca conseguiria ser mais eloquente.
O Dr. Santana Lopes tem vindo assertivamente a diluir anteriores imagens, para instalar a de um bonus pater familiae. Preocupa-se com o social, nunca se exalta nos debates, nem deprecia o adversário. Cordialmente acata as orientações políticas do partido, adiando decisões de candidatura para mais tarde e apenas se for útil. Transformou-se em humilde, simpático e respeitado senador. Todavia mantém a habitual resiliência. E coerência com sonhos antigos que nunca escondeu. Mas sabe que não competirá com Marcelo. Terá alguma hipótese? Penso que sim. Apesar de não lhe vir a ser fácil a eleição, terá sempre algumas hipóteses, sobretudo se o PSD enfraquecer em excesso nas próximas eleições. Quanto ao desempenho esperado, admito que seja vários furos acima de passadas funções, não lhe faltando nem coragem nem carisma para poder tomar decisões difíceis e independentes. Uma incógnita a tender para o positivo.
Marcelo resistirá à tentação de se apresentar, se a esquerda aparecer com nome sólido. Marcelo gosta do comentário, mas não do confronto. Acresce que mantendo-se como comentador até às legislativas se torna vulnerável. Se realmente tem genuína vontade de se candidatar, já se deveria ter desligado do canal onde comenta. Portugal não é o Brasil de Collor de Melo, onde a TV Globo fabricou um candidato vitorioso.
Pois bem. Aqui chegados, um extra-terrestre perguntaria: então perante este cenário da direita, a esquerda teria grandes hipóteses? Nada disso, a esquerda está entretida a fabricar balões de São João, alguns com, outros sem mecha. Sobem vinte metros e estatelam-se. Socialistas amigos consideram-se áugures: propõem candidatos, mesmo sem com eles falarem: estes não só recusam liminarmente a sugestão, como queimam qualquer ponte de reconsideração; derrubam candidatos com argumentos insustentados, tornando muito difícil a entronização; e chegámos ao ponto de a facção segurista também ter candidata, lançando às urtigas o espírito de bom entendimento que Costa generosamente lhes concedeu. A situação atingiu tal absurdo que só se corrige com o silêncio total. Silêncio forçado? Mas de que vale escondermo-nos atrás do velho desabafo de que o PS é um partido plural? Plural, tudo bem, mas disfuncional é demais.
Professor catedrático reformado