Eleições primárias: inevitáveis

No atual clima social, conseguir que perto de 250 mil portugueses se mobilizem em torno de uma eleição partidária é, no mínimo, surpreendente.

Rui Rio, por exemplo, fala mesmo de uma crise do regime político, que está na base da ineficiência de outros sistemas, permitindo o crescimento de poderes fáticos na sociedade. Compreende-se assim que seja urgente uma reforma profunda do sistema político, ainda que seja consensual que será necessário intervir em diferentes patamares, desde a lei eleitoral ao modelo de financiamento dos partidos, passando pela discussão à volta do voto preferencial dos deputados e pelos círculos uninominais. Mas não restam dúvidas de que as primárias serão o ponto de partida para esta revolução.

É verdade que se tratou de um processo controverso, vindo à tona um conjunto de factos muito pouco dignificantes da vida política portuguesa. Porém, uma avaliação atenta e objetiva mostra, claramente, que não foram as eleições primárias em si que geraram a controvérsia. Mas, sim, outras circunstâncias, aliás habituais na atual geometria partidária. Episódios como o pagamento de cotas de pessoas que já tinham falecido nada têm a ver com as eleições primárias. Pelo contrário. Este tipo de situação foi sobejamente conhecido no passado, no âmbito das eleições diretas para a presidência ou para os dirigentes de órgãos concelhios ou distritais dos diferentes partidos. O facto de estas eleições primárias terem sido alvo de enorme escrutínio social fez com que estes fenómenos, endémicos nos grandes partidos, fossem sim escalpelizados em pormenor. 

Em todo o caso, o saldo é e será sempre positivo. Trata-se de uma nova forma de fazer política que galvaniza e democratiza. No atual clima social, conseguir que perto de 250 mil portugueses se mobilizem em torno de uma eleição partidária é, no mínimo, surpreendente. Esta elevada mobilização mostra que não existe descrença em relação à atividade política, mas sim em relação ao modelo de governação dos partidos. Nomeadamente, como estes fazem as suas escolhas. Ou seja, para aumentar a qualidade da democracia, é preciso aumentar a legitimidade e a representatividade dos eleitos, e as primárias são um excelente instrumento para concretizar este ideal.

Pelo que nada ficará como antes. Com este grau de legitimidade do líder do maior partido da oposição, nenhum dos partidos do arco da governação poderá ficar indiferente. Portugal não iria perdoar. É, pura e simplesmente, impensável que, no futuro, os milhares de militantes e de simpatizantes de todos os grandes partidos não possam contribuir para o futuro do país. Esta exigência de transparência é fundamental, não apenas para melhorar a nossa democracia, mas também para restituir a confiança que a classe política perdeu junto da população.

Professor, fundador do Fórum Democracia e Sociedade – Uma Agenda para Portugal

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