Até quando vamos acreditar em Joan Fontcuberta?
Os Encontros da Imagem recuperam a série Milagres & co. do autor catalão, que no ano passado ganhou o mais importante prémio internacional de fotografia. Numa edição em que o festival é dedicado à Fé, a obra é um bom ponto de partida para o debate sobre o lugar da verdade e da crença na arte.
Há cinco anos, durante uma exposição em França, praticamente todas as fotografias que compõem a série agora exposta em Braga foram roubadas. Sobrou apenas o quadro de maior formato. Quando a história veio a público, muita gente pensou que era mais uma das invenções do autor catalão, famoso pelas suas criações que exploram o limite da realidade. Desta vez não era. “Até estava a Interpol a investigar”, conta o curador David Balsells.
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Há cinco anos, durante uma exposição em França, praticamente todas as fotografias que compõem a série agora exposta em Braga foram roubadas. Sobrou apenas o quadro de maior formato. Quando a história veio a público, muita gente pensou que era mais uma das invenções do autor catalão, famoso pelas suas criações que exploram o limite da realidade. Desta vez não era. “Até estava a Interpol a investigar”, conta o curador David Balsells.
Nos anos 1980, Balsells e Fontcuberta criaram juntos a bienal Primavera Fotogràfica, na Catalunha – que o curador dirigiu até 2002. São, por isso, amigos de longa data e foi Balsells quem acompanhou a montagem de Milagres & co. nos Encontros da Imagem, uma vez que o fotógrafo está no Canadá, onde prepara a bienal de Montréal do próximo ano, da qual será curador convidado.
A propósito do roubo de Milagres & co., Balsells conta: “Sempre que surge uma história nova envolvendo o Joan, toda a gente questiona se será verdade ou mentira. Será que nos está a pregá-la outra vez?”. Até quando vamos acreditar em Joan Fontcuberta?, perguntou-lhe o Ípsilon. “Provavelmente, já ninguém vai voltar a acreditar nele”.
Mas a obra de Fontcuberta vive para lá deste deslumbramento inicial com a sua capacidade criativa – de outro modo não teria ganho, no ano passado, o galardão da Fundação Hasselblad, o prémio mais importante do mundo para a fotografia. Além de que tem mostrado, desde Herbarium (1984) ou Fauna (1987), uma capacidade de reinventar-se. “Os que o conhecem bem, sabem que nos vai surpreender de alguma forma a seguir”, acredita David Balsells.
Milagres & Co. foi uma dessas surpresas, já depois dos primeiros sucessos nos anos 1980 e da série Sputnik (1997) – na qual Fontcuberta conta a história de um cosmonauta russo que o regime soviético tinha apagado das fotografias para evitar ter que explicar o seu desaparecimento no espaço. Passaram 12 anos desde a primeira apresentação da obra, que agora chega pela primeira vez a Portugal. Mas as 27 imagens que a compõem não perderam nenhuma da sua actualidade. Pelo contrário. Num momento em que o fanatismo (não apenas religioso) parece ter terreno propicio para ressurgir em força, recupera sentido questionar os limites desse fervor.
Apresenta esta exposição hoje é também coerente com o mote dos Encontros da Imagem deste ano, Fé& Esperança, sob o qual o mais importante festival de fotografia nacional se prolonga-se até 31 de Outubro. No Museu da Imagem, onde pode ser vista a exposição de Joan Fontcuberta, e noutros 12 espaços de Braga.
A premissa de Milagres & co. é a entrada um jornalista disfarçado num mosteiro em Carélia – a zona mais oriental da Finlândia, onde existe, de facto, uma construção religiosa ortodoxa – para conhecer a escola de milagres ali existente e denunciar uma fraude internacional envolvendo várias seitas. Fontcuberta apresenta 27 milagres. Alguns mais sérios – ressurreição, auto-combustão, o milagre da carne – e outros mais irónicos – levitação, invisibilidade, surfar golfinhos… Mas não é só a religião que está em cheque neste trabalho. Por lá também estão Rasputine ou Harry Potter.
David Balsells – que este ano foi presidente do júri do prémio Emergentes DST, integrado nos Encontros da Imagem, que premiou “Reúnion” da fotógrafa francesa Marie-Pierre Cravedi – foi curador do Museu Nacional d'Art de Catalunya (MNAC), em Barcelona, até 2012, onde liderou a criação do departamento de fotografia do museu, em 1996. No primeiro período de actuação, a sua equipa dedicou-se sobretudo à reconstrução da história da fotografia na Catalunha. Como é que alguém habituado à fotografia documental se relaciona com as narrativas imaginadas por Fontcuberta?
“Pode parecer uma antítese”, começa por responder, mas, na sua opinião, o que Fontcuberta faz é “explorar o lado escuro do documentalismo”. “O que se acredita é que a fotografia documental é a verdade. Mas o Joan, não. Ele usa a fotografia para dizer que nada é o que nos mostram. Tudo é manipulável”.