Chegar a Angola pelo caminho da língua
Enquanto o país cresce no quadro de um sólido processo de renascimento após muitos anos de guerra, os criadores e os artistas estão em condições de fortalecer o seu peso na vida angolana.
O mundo encontra-se em profunda fase de mudança, como consequência das transformações sociais e financeiras e daquilo a que Jeremy Rifkin, num livro agora editado em Portugal, designa por “terceira revolução industrial” e que resulta do papel estratégico entretanto atribuído à esfera digital e ao universo das energias renováveis. O que este século de facto vai ser, com mais ou menos conflitos armados e zonas de tensão permanente, resultará do modo como estes factores se equilibrarem entre si e como os países conseguirem posicionar-se em áreas tão diversificadas como a produção industrial, a comunicação, a importância da língua e da cultura e a relação com as camadas mais jovens da população, caso não as forcem a trilhar, como alternativa, as rotas da emigração.
Países mais ou menos ricos, mais ou menos apetrechados tecnologicamente, coabitam no mesmo espaço linguístico, em busca de formas de entendimento e cooperação que lhes confiram operacionalidade e capacidade de triunfo social e económico. É justamente nesse quadro que integrei a assinatura, no dia 10 de Julho, em Luanda, de um promissor protocolo de trabalho comum entre a Sociedade Portuguesa de Autores (SPA) e a União Nacional de Artistas e Compositores (UNAC), importante e sólida estrutura representativa da vida cultural angolana.
A UNAC tem mais de seis mil membros em todo o território nacional e representações em 11 províncias, o que lhe proporciona uma legitimidade e um potencial de crescimento que são, também, a base do seu desejo de se transformar numa estrutura apta a efectuar a gestão colectiva dos direitos de autor e direitos conexos dos seus associados e de outros que entretanto a ela venham a aderir. À SPA é pedido que apoie esta união no domínio informático, na definição dos sistemas de cobrança e distribuição de direitos, na discussão e preparação de documentos jurídicos e ainda na realização de acções de formação e esclarecimento que fortaleçam nos autores e artistas a convicção de que só a gestão colectiva profissional e eficaz dos seus direitos lhes garante a sustentabilidade de um futuro ligado à cultura e à arte.
A forma entusiástica como a assinatura deste protocolo foi encarada pelos criadores e artistas, pelas instituições e pelos media angolanos demonstra que este protocolo pode ter uma dimensão e um alcance que fortaleçam a relação entre os dois países no domínio cultural e lancem as bases para a definição de estratégias complementares que façam da lusofonia uma porta aberta para o crescimento e para o futuro. Angola tem hoje um número significativo e sempre crescente de compositores e músicos, de artistas plásticos, de criadores de audiovisual, de escritores e dramaturgos que consolidam o seu peso nacional e internacional. Muitos têm Portugal como o seu segundo ou mesmo primeiro espaço de afirmação e reconhecimento. Enquanto o país cresce no quadro de um sólido processo de renascimento após muitos anos de guerra, os criadores e os artistas estão em condições de fortalecer o seu peso na vida angolana, ajudando a formar e a apurar o gosto e o grau de exigência das novas gerações que enchem as universidades e que querem portas abertas para a modernidade estética e de pensamento.
Alguns dos grandes criadores contemporâneos de Angola fizeram questão de assistir e aplaudir a assinatura deste protocolo que pode colocar dois países com a mesma língua na defesa comum de interesses e objectivos culturais. Por outro lado, este protocolo deve ser visto à luz do projecto que a Sociedade Portuguesa de Autores concebeu para a cooperação no espaço lusófono, com o aval e o apoio da Organização Mundial da Propriedade Intelectual, com sede em Genebra e que se encontra no segundo ano de concretização, com escalas confirmadas em Angola, Moçambique, Guiné e Timor-Leste. É por esta via que o caminho deverá ser feito, transformando a língua num instrumento poderoso de unidade e cooperação que ninguém tem o direito de subestimar.
Escritor, jornalista e presidente da Sociedade Portuguesa de Autores