Hospitais
Viver com a dor
Primeiro por motivos pessoais, depois porque queria fotografar, Miguel Nogueira passou meses na Unidade da Dor do Hospital de São João, no Porto. O resultado são 14 fotografias, das quais publicamos metade. E o seu testemunho pessoal
Entrei na Unidade da Dor do Hospital de São João do Porto com o olhar totalmente despojado de qualquer interesse fotográfico. Eram motivos pessoais os que me levavam ali. Não me lembro de quantas vezes subi os lanços das escadas que me conduziam sempre àquele mesmo recanto. Nem decorei quantas foram as vezes em que abri a porta à procura de respostas e de ajuda. Meses depois, o que sei é que aquela unidade que acompanha doentes crónicos, muitos com paralisia cerebral, acabou por ser também para mim um refúgio.
Quando tudo serenou e as coisas encontraram o seu lugar, percebi que queria voltar lá, mas agora para fotografar e “prender” no tempo o bom que ali vi acontecer.
Comecei nas semanas que antecederam o Natal de 2013, com um São Martinho prolongado, e fui ficando, todas as semanas um ou dois dias, às vezes mais. Quando terminei, cinco meses tinham passado e o resultado foi Indolor, 14 imagens que expus no Atrium Hospitalidade, em Abril.
Primeiro, olharam-me como intruso. Depois, como se pertencesse à casa.
Entre nós, as conversas podiam vaguear do Douro à vida das barragens ou à causa das cheias. E de como se previne e contraria a dor. E nisso fui percebendo a dureza dos tratamentos, a precisão das técnicas, a repetição dos procedimentos. E eles, que não esmoreceram com o epíteto de “doença crónica”, foram enfrentando a frieza da objectiva. E eu fui acompanhando vidas que voltavam a ter esperança.
O trabalho de Miguel Nogueira foi autorizado pela Comissão de Ética do Hospital de São João e a exposição Indolor acompanhada pelo Serviço de Humanização do mesmo hospital. O autor doou as fotografias à Unidade da Dor