Mais do que nunca, a imaginação sociólogica
É possível, com outros critérios e orientações, unir o conhecimento científico, as políticas públicas, os movimentos sociais e a cidadania contra as repercussões destrutivas da crise.
Também por essa circunstância, ganha especial relevo a realização do VIII Congresso Português de Sociologia sob o tema: "40 Anos de Democracia(s): Progressos, Contradições e Prospetivas", que reunirá mais de mil sociólogos na Universidade de Évora, de 14 a 16 de abril.
A Associação Portuguesa de Sociologia, que organiza o evento, tem vindo a pronunciar-se publicamente sobre a política científica reinante que, entre outros aspetos, despreza implícita ou explicitamente o papel das ciências sociais, precisamente quando se imporia o inverso, isto é, o aumento de recursos e de vontades para que seja possível um conhecimento científico aprofundado, sistemático e durável das nossas sociedades, condição indispensável para a produção de políticas públicas adequadas à urgência social, devidamente qualificadas e qualificantes, solidárias e sustentáveis.
De igual modo, temos defendido com afinco a promoção da estabilidade do emprego científico, de forma a superar a precariedade que expulsa tantas e tantos investigadores/as de Portugal e do espaço europeu, comprometendo perspetivas de carreira profissional e de vida pessoal e familiar e, não menos importante, diminuindo o potencial científico do país.
Não nos conformamos, ainda, com o cariz fortemente ideológico de alguns discursos utilitaristas sobre a falta de empregabilidade das ciências sociais, uma vez que não encontram suporte nem na realidade empírica, nem nos inúmeros estudos realizados. A suposta “inutilidade” da sociologia e das ciências sociais é tão mais propagada quanto os resultados do conhecimento acumulado sobre as práticas sociais incomoda os poderes instituídos, uma vez que apontam erros, insuficiências, omissões e, acima de tudo, a possibilidade de pensar e de agir de outra maneira, contra a barreira de mitos da inevitabilidade, que mais não é do que uma forma de neutralizar a história, a política e o próprio debate público.
Ora, é na discussão aberta, viva e plural sobre os caminhos do possível que se encontram os futuros socialmente disponíveis e imagináveis. Hoje, mais do que nunca, a sociologia e as ciências sociais, sem tentação messiânica ou posse absoluta de qualquer verdade ou dogma, podem mobilizar sólidos conhecimentos estruturados sobre nós mesmos e sobre o nosso lugar na Europa e no mundo. Não por acaso, a conferência de abertura será proferida pelo sociólogo alemão Ulrich Beck, que propõe conceitos como “sociedade de risco”, “modernização reflexiva”, “segunda modernidade” ou “destradicionalização”. O seu último livro, de grande atualidade, A Europa Alemã – De Maquiavel a ‘Merkievel’. Estratégias de Poder na cCise do Euro, aponta baterias contra a deriva antidemocrática da União Europeia.
Move-nos, por isso, esta indestrutível energia de não pararmos no conhecimento, no debate, na implicação pública. É possível, com outros critérios e orientações, unir o conhecimento científico, as políticas públicas, os movimentos sociais e a cidadania contra as repercussões destrutivas da crise. Assim acontecerá durante este VIII Congresso, 40 anos após a refundação democrática do nosso país. Depois do 25 de abril.
Socióloga, presidente da Associação Portuguesa de Sociologia; sociólogo, vice-presidente