Mercados acreditam que BCE irá comprar dívida pública. Mas sairão desiludidos?

As taxas de juro da dívida pública na periferia da zona euro continuam em queda. Um dos motivos é a “promessa” de aplicação de medidas não convencionais por parte do BCE.

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Mario Draghi, presidente do BCE

A descida das taxas de juro da dívida pública dos países periféricos tem-se registado de uma forma constante durante os últimos meses. Portugal é um dos países que mais tem beneficiado desta tendência. A pouco mais de um mês do final do programa da troika, as taxa de juro a dez anos estão em 3,88%, parecendo consolidar uma posição abaixo da barreira dos 4%.

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A descida das taxas de juro da dívida pública dos países periféricos tem-se registado de uma forma constante durante os últimos meses. Portugal é um dos países que mais tem beneficiado desta tendência. A pouco mais de um mês do final do programa da troika, as taxa de juro a dez anos estão em 3,88%, parecendo consolidar uma posição abaixo da barreira dos 4%.

Na Grécia, as taxas ainda estão acima dos 6%, mas muito mais baixas dos que os mais de 8% que se registavam no início deste ano. Este valor dá confiança aos responsáveis do Governo grego para planearem uma primeira emissão de dívida de longo prazo durante a primeira metade deste ano.

Em Espanha, as taxas estão já próximas dos 3%, tendo chegado a ser transaccionadas a um nível mais baixos do que os títulos do tesouro norte-americano, uma das dívidas vistas como mais seguras a nível mundial. Este facto levou muita gente a perguntar: qual é a razão para que um país que há pouco mais de um ano estava no centro da crise da periferia europeia tenha passado a ser agora visto como menos arriscado que os EUA?

A resposta dos responsáveis políticos europeus a esta pergunta é, claro, a melhoria dos indicadores económicos e orçamentais que os países em dificuldades da zona euro têm vindo a apresentar. Mas quando a pergunta é feita a um dos actores do mercado a resposta é outra: o Banco Central Europeu e aquilo que está a prometer fazer. “Neste momento a periferia, especialmente agora que temos esta conversa do ‘quantitative easing’, está massivamente apoiada. [Comprar títulos de dívida destes países] é o negócio mais óbvio que existe”, afirma à agência Reuters um operador do mercado de dívida.

 A estratégia de “quantitative easing” de que fala este corretor é a compra de activos nos mercados que a Reserva Federal americana e o Banco de Inglaterra têm vindo a realizar e que o BCE já assumiu que pode fazer nos próximos meses para contrariar os riscos de um período demasiado longo de inflação baixa. Um banco central compra títulos de dívida do sector público ou privado, injectando deste modo liquidez na economia. É uma maneira de estimular a economia quando as taxas de juro já estão a zero.

Na semana passada, depois da reunião mensal do conselho de governadores, Mario Draghi revelou que esta estratégia tinha sido debatida entre os responsáveis do BCE. E na sexta-feira, o jornal alemão Frankfurter Allgemeine Zeitung disse que o banco central estava a testar em modelos macroeconómicos um cenário de compra de activos no valor de um bilião de euros durante um ano, chegando-se à conclusão que isso poderia conduzir a uma subida da inflação entre 0,2 e 0,8 pontos percentuais.

É a acreditar na passagem à prática desta estratégia que, quando compram títulos de dívida pública da zona euro, os investidores assumem que, mais tarde ou mais cedo, o BCE vai entrar como comprador, fazendo subir o valor dos seus títulos (e descer as taxas de juro implícitas).

No entanto, aquilo que Draghi disse na conferência de imprensa da semana passada – em conjunto com mais algumas declarações entretanto feitas por outros responsáveis do BCE – também dá motivos para pensar que há o risco de esses investidores saírem desiludidos. O presidente do BCE salientou que, se o banco concretizar uma compra de activos, o deverá fazer de forma substancialmente diferente daquilo que fez a Fed.

Por um lado, é possível que, para que não haja obstáculos do Bundesbank, a compra de títulos de dívida pública pelo banco central fosse feita em todos os países de acordo com o seu peso na economia. O BCE compraria títulos de dívida da periferia, mas ainda mais de países como a França e a Alemanha.

Essa limitação é uma das razões para que haja uma preferência por compra de títulos de dívida do sector privado. O problema, nesse caso, é o de saber se haveria activos suficientes nos mercados para o BCE comprar. O cenário ideal para o banco central, assumiu Draghi, era o regresso das titularizações de créditos dos bancos europeus, o que daria ao BCE uma forma fácil e eficaz de comprar activos que ajudariam a financiar os bancos.

Todas estas dificuldades fazem com a concretização desta medida extraordinária pelo BCE possa ainda demorar tempo e que, quando acontecer, possa ser pouco centrada nos títulos de dívida soberana da periferia. Se isto se tornar claro para os mercados, as actuais descidas de taxas correm o risco de ser corrigidas.