Regiões autónomas sem direito à sobretaxa de 3,5% do IRS

Tribunal Constitucional concluiu que a decisão do Governo da República de arrecadar a sobretaxa (3,5%) cobrada nas Ilhas não viola a Lei Fundamental.

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As regiões autónomas entendem que todos os impostos nelas gerados e cobrados constituem receitas próprias Enric Vives-Rubio
Os juízes do Palácio Ratton, no acórdão 252/2014, aprovado a 18 de Março — em que apreciam o pedido de fiscalização sucessiva da constitucionalidade das normas do OE relativas à sobretaxa (3,5%) do IRS, apresentado pelo presidente do parlamento da Madeira —, reiteraram que está legitimada “a possibilidade de reverter para o Estado as receitas provenientes de impostos lançados a título extraordinário e temporário, destinados a fazer face a uma situação de emergência financeira nacional”.

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Os juízes do Palácio Ratton, no acórdão 252/2014, aprovado a 18 de Março — em que apreciam o pedido de fiscalização sucessiva da constitucionalidade das normas do OE relativas à sobretaxa (3,5%) do IRS, apresentado pelo presidente do parlamento da Madeira —, reiteraram que está legitimada “a possibilidade de reverter para o Estado as receitas provenientes de impostos lançados a título extraordinário e temporário, destinados a fazer face a uma situação de emergência financeira nacional”.

“A autonomia das regiões visa também o reforço da unidade nacional e dos laços de solidariedade entre todos os portugueses, pelo que o princípio da solidariedade nacional não pode ser perspectivado por forma a dele se extrair uma só direccionalidade, qual seja a da solidariedade representar unicamente a imposição de obrigações do Estado para com as Regiões Autónomas”, frisa o tribunal na nova decisão.

Já no anterior acórdão 187/2013, suscitado pelo requerimento de deputados do PS nos Açores, o TC argumentou que a sobretaxa de 3,5% do IRS é excepcional e transitória, tendo uma finalidade específica nacional.

Invocando a ocorrência de “circunstâncias excepcionais”, a jurisprudência constitucional tem acentuado que “a ideia de solidariedade co-envolve a de reciprocidade” (acórdão n.º 581/2007) e que esta co-envolve a contribuição das regiões “para o cumprimento dos objectivos de política económica a que o Estado Português esteja vinculado por força de tratados ou acordos internacionais, nomeadamente os que decorrem de políticas comuns ou coordenadas de crescimento, emprego e estabilidade e de política monetária comum da União Europeia” (acórdão n.º 412/2012).

Esta situação, conclui, não veda ao legislador nacional a “afectação prévia da receita em causa à prossecução de uma finalidade específica a nível nacional”, que obste, de acordo com a razão que a justifica, “à afectação da mesma às despesas das regiões autónomas”.

Decisão repete a de 1983

Em circunstâncias idênticas às que justificaram o actual imposto extraordinário aprovado pela Assembleia da República, o TC não se pronunciou em 1983 pela inconstitucionalidade do decreto proposto pelo governo do “bloco central” PS-PSD, chefiado por Mário Soares, que na altura também recorreu, pela segunda vez, ao FMI para enfrentar uma grave deterioração das contas externas. Como agora, as regiões reclamavam, como direito constitucionalmente consagrado, que todos os impostos nelas gerados e cobrados constituem receitas próprias.

O Presidente da República de então, Ramalho Eanes, requereu a apreciação pelo TC da constitucionalidade de dois artigos do decreto que criou o imposto extraordinário sobre rendimentos colectáveis sujeitos a contribuição predial, imposto de capitais e imposto profissional, a reverter "integralmente para o Estado". Mas o TC, no seu acórdão 11/83, não se pronunciou pela inconstitucionalidade dos dois artigos.

As disposições constitucionais citadas para contestar tais normas, concluiu o tribunal, "não podem deixar de ser interpretadas no sentido de consentirem o lançamento de impostos de carácter extraordinário cujo produto reverta inteiramente para o Estado, quando ocorram circunstâncias excepcionais, nomeadamente de crise económico-financeira, que justifiquem esse comportamento legislativo".

O legislador constitucional, frisa o acórdão, "ao estabelecer os princípios constantes dos artigos atrás mencionados, teve basicamente presente um quadro de normalidade financeira e, consequentemente, tão-só os impostos ordinários correntes, razão pela qual devem poder haver-se por excluídos daquele quadro os impostos extraordinários e não permanentes ditados por razões de manifesta excepcionalidade".