No Vale do Tua, os políticos vão nus…
Em nome da hipocrisia de uma energia “limpa”, atentos os fortíssimos impactos ambientais que irá gerar, o Estado prefere gastar 2,6 mil milhões de euros a construir a barragem de Foz Tua, dos quais 1,5 mil milhões de euros correspondem a lucros limpos para a EDP, em vez de investir uma parte desse dinheiro no benefício real de Trás-os-Montes, que é a região portuguesa mais próxima do Centro da Europa e, curiosamente, a mais pobre, e na reabilitação da Linha do Tua, que representa um verdadeiro monumento nacional e que é uma ligação estratégica à rede ferroviária nacional.
A total ausência de um plano de desenvolvimento integrado para Trás-os-Montes e que serviu de base à legítima alteração de opinião do eng.º José Silvano, que, após anos de luta contra a barragem, preferiu agarrar-se às “micro” contrapartidas económicas oferecidas pela EDP, só se mantém porque, sucessivamente, os políticos transmontanos, ao mudarem-se para Lisboa, rapidamente esquecem as suas origens… E só com a união coesa de todos os autarcas da região é que se conseguirá reverter este contínuo abandono.
A acrescentar, a barragem continua em construção, com base num contorno habilidoso das exigências da UNESCO, materializado na omissão da forma como irá ser ultrapassada a questão da linha de alta voltagem que ligará a central de Foz-Tua a Valdigem, sem ferir a paisagem do Alto Douro vinhateiro, questão que foi levantada desde o início do projeto e cujo custo total se desconhece e que irá onerar ainda mais o investimento em curso, pelo que não está totalmente garantido que aquela entidade não venha a alterar a sua posição atual.
Mesmo o plano de mobilidade previsto para o Vale do Tua tem contornos patéticos, porquanto prevê quatro modos de transporte (elétrico + teleférico + barco + comboio) em apenas 55 quilómetros, obrigando a três transbordos que, além de corresponderem a roturas na viagem, tornam-na tão demorada que, num curto espaço de tempo, se tornará economicamente inviável. Esta solução em nada substitui a mobilidade que a Linha do Tua proporcionava à região e ao seu desenvolvimento turístico, nem representa uma alternativa viável para o transporte de mercadorias.
Só a nossa vontade e determinação pode ser mais forte na preservação do Vale do Tua, fazendo vingar os argumentos que, desde há vários anos, alertam para o grave erro que a barragem representa, nomeadamente por se estar a entregar património natural único, irrepetível e de valor incalculável, a uma empresa que já nem é portuguesa, e que, operando em monopólio, nos vende uma das energias mais caras da Europa, gerando lucros obscenos.
Se o atual Governo não entende estes argumentos, nem a vontade por tantos assumida e vertida em mais do que uma petição à Assembleia da República, e não toma a decisão de suspender definitivamente a barragem do Vale do Tua, cujo custo máximo se estima em 250 milhões de euros, valor que aumenta a cada dia que passa e que é 10 vezes inferior ao custo de a construir, não considerando ainda a linha de alta tensão Foz-Tua - Valdigem, então é porque a dúvida que subsiste acerca da saúde da nossa democracia se tornou numa certeza, estando a mesma moribunda e a ser alimentada com o engodo de podermos brincar às eleições periodicamente…
É triste e desolador saber que parte dos nossos representantes, a quem pagamos o ordenado com os nossos impostos, acovarda-se perante os grandes e ataca sem decoro os pequenos, pelos “erros políticos” que cometem de forma continuada, e na certeza de uma impunidade total… Afinal o Vale do Tua é que deveria ficar nu e querem-lhe vestir a pior das fardas… A farda da cegueira e da mediocridade política…
Especialista em Transportes e Vias de Comunicação