Este mundo não é para almas sensíveis

O Conselheiro é filme feito à medida dos nossos tempos mediáticos: já toda a gente tem uma opinião sobre ele antes sequer de o ter visto. Não é uma surpresa. Primeiro guião escrito propositadamente para o grande écrã pelo romancista Cormac McCarthy (autor de A Estrada), interpretado por um elenco de luxo cheio de vedetas de Hollywood, entregue ao realizador Ridley Scott (cineasta que, apesar de um currículo respeitável, não goza de particular estima junto da crítica): tudo em O Conselheiro daria a entender que McCarthy se teria vendido aos grandes estúdios pelo dinheiro. <_o3a_p>

Na verdade, McCarthy não transigiu minimamente com as exigências de Hollywood, assinando um conto simultaneamente moral e amoral, brutal e violento, que não anda longe, por exemplo, da estrutura em “fuga para a frente” de Este País Não é para Velhos. A inexorável espiral de violência que envolve a personagem titular (Michael Fassbender), um advogado de Dallas que embarca num negócio paralelo de droga para financiar o seu estilo de vida, é despoletada por um favor que faz a um cliente quase sem pensar nisso – como quem diz que nenhuma boa acção fica por punir. Scott filma-a como uma descida aos infernos que não deixa ninguém ileso – nem mesmo o espectador – e sem concessões; o elenco, com um Fassbender impecavelmente esquivo e uma surpreendente Cameron Diaz à cabeça, presta-se com disponibilidade a este jogo de massacre onde ninguém está a salvo. É uma metáfora algo patuda, mas nem por isso menos poderosa, do mundo como uma panela de pressão à beira de uma explosão apocalíptica. (Podia, por exemplo, ser uma prequela sobre o ponto zero de A Estrada...) <_o3a_p>

Mas essa ausência de concessões não esconde que O Conselheiro sofre de um problema insolúvel de raiz: McCarthy é minimalista e abstracto, usando as palavras como edifício e chave; Scott é um esteta maximalista, para quem a imagem se sobrepõe a tudo; e às tantas ficamos com a ideia que estão a passar ao lado um do outro. O Conselheiro é um “filme de argumentista” entregue a um cineasta da imagem, preenchendo tudo aquilo que o guião deixara em branco sem compreender que eram nesses “brancos” que reside toda a força do escritor. Para citar os Ornatos Violeta, Ridley Scott “viu” o que havia no guião de Cormac McCarthy, mas “não o agarrou”. É pena, porque havia aqui material para um grandíssimo filme, e ficamos apenas com um objecto esforçado.<_o3a_p>

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