“Seria óptimo poder acabar no top 50 no ano que vem, assinava já”

Entrevista a João Sousa

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Ao fim de oito anos em Barcelona, já se sente catalão ou tem conseguido manter a identidade de português?
Obviamente que estou lá há muito tempo, sinto-me parte deles, mas não me esqueço das minhas origens, a minha cidade é Guimarães, uma cidade belíssima. Sinto que as pessoas me apoiam, não só nos momentos fáceis mas também difíceis, sinto-me português e tenho muito orgulho em ser português. Com o meu treinador [Frederico Marques], falo em português.

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Ao fim de oito anos em Barcelona, já se sente catalão ou tem conseguido manter a identidade de português?
Obviamente que estou lá há muito tempo, sinto-me parte deles, mas não me esqueço das minhas origens, a minha cidade é Guimarães, uma cidade belíssima. Sinto que as pessoas me apoiam, não só nos momentos fáceis mas também difíceis, sinto-me português e tenho muito orgulho em ser português. Com o meu treinador [Frederico Marques], falo em português.

Sentiu, de imediato, as diferenças em termos de treino?
O treino é diferente, bem mais intenso, lembro-me que nos meus primeiros treinos andava sempre cansadíssimo, pensei que não ia aguentar. Os jogadores com que podemos competir são de um nível diferente e na minha época não tinha jogadores assim no Norte do país e tive que optar por procurar outras alternativas. Em Barcelona encontrei as condições favoráveis.

Foi aos 15 anos para Barcelona, longe da família e amigos, atrás do sonho de ser tenista profissional. É isso que recomenda aos jovens portugueses que têm igual ambição?
Como estou no estrangeiro não sei muito bem as condições que existem em Portugal para quem quer ser profissional. Sei que há jogadores que querem ser profissionais e hoje em dia é mais fácil. Há outras questões, como os apoios financeiros ou um protocolo escolar, condições reunidas em Barcelona.

Como foi esta primeira época a jogar maioritariamente no ATP World Tour? Muito diferente do circuito challenger?
Sim, sem dúvida, o circuito ATP é, a nível de exigência e de nível, muito superior ao challenger. Manter-me a jogar torneios ATP – que era o meu objectivo para este ano, que consegui e acho que até com nota positiva – é o objectivo de todos os jogadores, é uma grande diferença, porque já não existem as chamadas abébias, todos os encontros são difíceis, muito duros e exigentes, não só a nível mental, mas também físico e manter-me lá é um feito muito bom.

Qual foi o adversário que mais o impressionou dos que defrontou este ano?
Novak Djokovic [adversário que o venceu na terceira ronda do Open dos EUA]. Primeiro, pelo nível de jogo, não estava nada à espera; eu estava a jogar bem e fiquei consciente do que é preciso para se ser número um do mundo e fiquei alarmado, mas aprendi muito nesse jogo. A pressão que ele coloca no adversário em cada ponto, é um jogador excelente, serviu muito bem, sempre a abafar-me e a jogar muito comprido e com um grande peso de bola e fiquei realmente surpreendido.

Houve mais algum encontro que lhe ficou na memória? Costuma rever os encontros em vídeo?
Final de Kuala Lumpur e o jogo com o Ferrer, marcaram-me muitíssimo, não só pelo nível de jogo que apresentei mas por tudo o que representou. Alguns pontos até revejo e gosto de ver o meu nível. Gosto de rever. Sei as sensações que sinto e vendo do exterior é diferente, vê-se coisas que do interior não se vêem, é importante analisar esses detalhes. Com o Frederico analisamos muito os pequenos pormenores.

Viveu um Verão fantástico, culminado com um triunfo em Kuala Lumpur. Para mim, essa fase ascendente começou no challenger de Guimarães, que foi um teste para si por ser um torneio criado à sua volta e deve ter sentido essa pressão...
Não vou desmentir que senti muita pressão à minha volta, não só por jogar em casa mas também por todas as pessoas que viam os jogos e faziam tudo para eu ganhar os encontros. Foi fantástico poder vencer, e ver pessoas conhecidas que não via há muitos anos a apoiarem-me e a sofrerem comigo (acho que causei alguns ataques cardíacos). Foi uma experiência óptima, a qual nunca esquecerei-me e que me deu-me muita bagagem, para enfrentar novos desafios e ver que sou capaz de poder jogar a um nível muito alto e como essa pressão deu-me ainda mais confiança.

Depois, outro marco importante foi o Open dos EUA, nunca tinha ganho dois encontros no quadro principal…
Veio de um trabalho contínuo, não só de Guimarães mas antes já vinha a trabalhar bem. Já vinha a jogar bem há algumas semanas e meses e nesse Open foi quando realmente mostrei o mais alto nível e a partir daí muita confiança e consegui manter esse nível alto durante várias semanas.

Depois esteve na Taça Davis (na Moldova), onde o nível dos adversários não era tão grande, mas onde também houve a pressão de representar a selecção, como número um… Sentiu-se sempre num crescendo de forma?
A pressão de jogar na casa do inimigo foi importantíssima, jogos a cinco sets de que já vinha habituado do US Open, pressão de ter vencido dois encontros e ter que ganhar. Tudo isso ajuda a ficar mais forte, não só mentalmente.

Em S. Petersburgo continuou a boa fase. Sentiu-se mais à vontade?
O objectivo do ano estava quase cumprido, ficar no top 100, e logicamente que a pressão já era muito pouca e o que tentei foi desfrutar do ténis, porque, às vezes, com a pressão não é possível, e em S. Petersburgo e Malásia consegui desfrutar do ténis e as coisas saíram muito bem. Mas o que eu estou mesmo contente é por ter mantido um nível alto durante várias semanas que era coisa que não conseguia antes, tinha muitos altos e baixos, e este ano consegui manter um nível mental muito equilibrado.

Na Malásia, quando é que sentiu que tinha uma boa oportunidade de ganhar o torneio? Depois de ganhar ao David Ferrer?
Penso que sim, depois de vencer o David que era o principal favorito ao título vi que estava a jogar a um alto nível. Sabia que havia muito caminho a andar, porque ia defrontar dois jogadores muito bons, que jogam a um alto nível e com experiência de jogar meias-finais e finais, portanto, ia ser um desafio enorme para mim conseguir manter esse nível.

O teu treinador revelou que perdeu quatro quilos durante um mês. Terá sido do desgaste físico ou foi mais mental?
Acho que até foi mais mental, da pressão. A competição é muito exigente, a alimentação nem sempre é a melhor durante os torneios. Com toda a pressão, o esforço físico, a combinação de tudo isso, fez-me perder peso. As pessoas mais próximas diziam: “Estás muito magrinho”. Não senti falta de força e senti-me mais magro e mais atlético.

Que história foi aquela de ter que lavar roupa antes da final?
Consegui lavar roupa em S. Petersburgo, através do torneio. Em Kuala Lumpur vi-me sem pólos e tive que lavar três pólos para a final, na casa de banho do quarto. Quando era miúdo fiz muitas vezes isso mas, realmente, não estava à espera de fazer isso.

Desistiu de ir a Xangai como previsto, mais pelo desgaste, e optou por vir a Portugal…
Sim, pelo desgaste e tinha que ficar lá uma semana a treinar e não justificava para jogar um qualifying. O importante era recuperar forças e desfrutar de uma vitória que não acontece sempre. Estar com a família e partilhar esta vitória com meus amigos porque acho que é importante partilhar isto e recuperar de alguma fadiga.

Ficou surpreendido com a recepção que o esperava no aeroporto e depois com a cerimónia na Câmara Municipal de Guimarães?
Receberam-me como se fosse um herói, surpreenderam-me muitíssimo e foi óptimo ser reconhecido pelo trabalho realizado e uma honra ver toda aquela gente emocionada.

Ofereceram-lhe uma estátua de D. Afonso Henriques e uma camisola personalizada do Vitória de Guimarães do qual é adepto incondicional. Gosta da alcunha de "conquistador"?
Penso que, de todas as coisas que me chamaram, "conquistador" é a alcunha de que gosto imenso, não só pelas minhas origens mas pela garra que demonstro em campo.

Após uns dias de descanso, ainda jogou em Moscovo, Valência e Paris. Ganhou três encontros em Valência, dois deles no qualifying. Foi mais difícil essa fase, foi como uma ressaca das semanas anteriores?
Estive duas semanas parado, competir é diferente de treinar. Vinha de uma série de torneios seguidos com um ritmo muito bom e isso não se consegue a treinar. Em Moscovo foi mais habituar-me ao ritmo de competição, mas em Valência já joguei a um alto nível. Com o [Guillermo] Garcia Lopez fiz um encontro excelente. Depois o [Jerzy] Janowicz foi superior nesse dia, restava-me desejar-lhe o melhor e tirei conclusões muito positivas. Ele teve um dia fantástico, serviu muito bem, respondeu incrível, eu também nunca o tinha defrontado e não tinha nada a fazer.

Nesses torneios, sentiu alguma diferença em termos de tratamento por parte dos outros jogadores, dentro e fora do court?
Somos todos conscientes que há momentos muito bons, outros menos bons, não sei como traduzir mas sente-se um maior respeito. No nível challenger, nota-se mais, joga-se dois jogos muito bem e o adversário vai abaixo por causa do respeito; no ATP já não acontece isso. Se jogar dois jogos a nível muito alto, eles pensam: 'estás a jogar muito bem mas vais descer', porque sabem e têm experiência. É por isso que o circuito ATP é tão exigente. Mas sabem que me tornei num jogador melhor, mais consistente mentalmente e respeitam-me mais.

Ganhou cerca de 360 mil euros em prémios monetários brutos (pelo menos 25% são descontados para impostos). Comprou alguma coisa para si ou um presente para alguém?
Sinceramente não. Esse dinheiro que falam é irreal porque não se aproxima dessas cifras e depois os tenistas têm um gasto imenso. Eu posso gastar uns 120 mil euros durante uma época, fácil, entre táxis, hóteis, comidas, aviões, salários dos treinadores, do preparador físico – sou dos poucos top 50 que não tenho fisioterapêuta, porque não me posso permitir isso. Obviamente que foi um ano muito bom, as pessoas que me apoiam sabem que eu não tenho de dar um presente para mostrar o quanto agradecido estou. A minha família é o meu apoio diário mas pode ser que sejam surpreendidos com alguma prenda.

Deixou de pensar no dinheiro ou já tinha as contas equilibradas?
Obviamente que é agradável ver que o meu trabalho e a minha dedicação têm dado os seus frutos, economicamente estou muito mais tranquilo, não estou 100% tranquilo porque não consigo estar, mas obviamente que essa pressão que sentia, de ter de ganhar para fazer frente às necessidades que tinha, já não existe felizmente, o que é óptimo. Os meus pais conseguiram fazer frente a essas necessidades quando era pequeno e agora sou eu.

Qual acha que são os seus pontos fortes?
A minha mobilidade e a minha direita são os pontos mais fortes (digo eu pelo que dizem, porque eu não gosto de me analisar, sou horrível). O serviço, tenho que melhorar muitíssimo para me manter no top 100; a esquerda melhorou muitíssimo, mas penso que a grande mudança foi a nível mental, dei um salto de maturidade e consegui afrontar esses desafios com uma nova mentalidade é fundamental.

Já sabe que aspectos do seu jogo precisa de trabalhar com vista a 2014?
Há muitas coisas a melhorar ainda, mas penso que o serviço e esquerda são as duas grandes vertentes que tenho de melhorar. Fisicamente, tenho de melhorar a força. Sou consciente que a nível cardiovascular sou um atleta muito bom, mas falta-me alguma força para poder manter-me fresco durante cinco sets, nos Grand Slams.

E objectivos para o próximo ano?
Ainda não falei com o Frederico sobre isso. Seria óptimo poder acabar no top 50 no ano que vem, assinava já. Continuar a evoluir como jogador e evoluir o meu ténis e manter-me estável ao longo do ano, que é o mais difícil. Ganhar outro ATP seria extraordinário, um feito inédito para mim. É mais fácil ganhar um torneio do que dois ou três, mas se o nível lá estiver poderei vencer mais.

Reforçar a equipa técnica é igualmente um objectivo?
É importantíssimo, hoje em dia o circuito é muito exigente a nível físico. Não todo o ano, isso não posso permitir-me, mas algumas semanas, poder viajar com um fisioterapêuta para recuperar e estar sempre a 100%.

Com o ranking vai ser obrigado a jogar os grandes torneios como os Masters 1000 e praticamente vai deixar de disputar challengers. Isso significa que os adeptos portugueses não o irão ver a actuar em Portugal, nem a defender o título em Guimarães?
É o meu principal objectivo. Deixar o circuito challenger de lado, seria óptimo. Se estiver a top 50 não posso disputar challengers a não ser por convite. Em Janeiro, na Taça Davis, temos que ir fora à Eslovénia, mas se ganharmos, jogaríamos com Israel em casa, seria uma oportunidade de me verem em Portugal. O Portugal Open é também uma grande oportunidade e o Guimarães Open (espero que o possam fazer e se eu puder estar presente) outra oportunidade.

Vai de férias, para total descanso ou aproveitar para praticar algum hobby?
Já estou há cinco dias, tenho mais 10. Como todos os atletas não conseguimos estar parados, por isso talvez faça alguma brincadeira, nada de extraordinário. O importante é descansar, mais ao nível mental do que físico, preciso de desligar do mundo do ténis.