Hulk foi o melhor da primeira metade da liga
Cada vez mais perto do virar de página da liga portuguesa, há já um nome capaz de reunir consenso maioritário sobre a escolha do melhor jogador da primeira metade da liga portuguesa: Hulk. Não consta que tenha sido atingido pelos raios gama da incrível personagem da banda desenhada, mas nem isso o impede, agora, de aliar o supervigor que já se lhe reconhecia à eficácia e à competência daqueles que verdadeiramente fazem a diferença.
A transformação de Hulk num jogador mais competitivo era algo de provável, mas não adquirido. Recordo uma conversa com Jesualdo Ferreira, pouco tempo antes da polémica suspensão que afastou o avançado brasileiro durante 25 jogos, em que concordámos sobre a circunstância de Hulk ter indiscutivelmente o hardware dos grandes craques, mas também de lhe faltar ainda o correspondente software. Ou seja, ele podia ser já considerado um verdadeiro prodígio, mesmo a nível mundial, em termos de capacidade física, remate, técnica, velocidade e capacidade de explosão. Mas saltava à vista que só se tornaria num craque de verdadeira dimensão internacional quando fosse capaz de apurar a programação que lhe tinha sido instalada tanto no Brasil como no futebol secundário japonês. Até aí, Hulk já tinha um poder incrível para influenciar o jogo, mas ainda não tinha o poder de o compreender verdadeiramente.O ex-técnico do FC Porto vivia, então, no fio da navalha no que respeita à afinação de Hulk. Tomara consciência de que seria um risco demasiado elevado tentar apagar-lhe, de um dia para o outro, o software e instalar-lhe outro mais actual e moderno. Sob risco de, com isso, lhe anular boa parte do que Hulk tem de melhor, o hardware. Pouco a pouco, e com muito cuidado, Jesualdo foi tentando depurar-lhe os defeitos de programação mais perniciosos. Mas, e utilizando as suas próprias palavras, "sempre a lápis", para poder "apagar" e voltar à primeira forma se a "máquina incrível" ameaçasse entrar em rotura e dar erro no sistema. Pouco a pouco, designadamente após ter cumprido a suspensão disciplinar, Hulk foi apresentando um processador mais compatível com a dimensão do seu futebol, por mais moderno, e de acordo com as potencialidades de uma ave rara do futebol mundial.André Villas-Boas soube prosseguir e até apressar a afinação do sistema operativo de Hulk, que tem funcionado como um vendaval tanto a nível interno como na Liga Europa. Pelos golos, pelas assistências e principalmente pela capacidade permanente de criar desequilíbrios. Quase sempre funcionando em harmonia com os processos da equipa e não como um corpo estranho, a principal crítica que, no passado, lhe faziam, principalmente aqueles que não eram capazes de perceber que debaixo daquele futebol aparentemente egocêntrico havia um filão a explorar.
Hulk leva marcados 12 golos (quatro de penálti) no campeonato, o que dá uma interessante média de 0,9 por jogo. Há três épocas, conseguiu oito em 25 jogos e, em 2009/10, somou cinco em 19 jogos. Nos 21 jogos em que participou esta temporada, registou um total de 17 golos, números interessantes para quem parte normalmente de terrenos laterais. Na Liga Europa marcou cinco golos, contando com os três que registou frente ao Genk, na pré-eliminatória. Nesta prova realizou ainda duas assistências, capítulo em que se tem destacado principalmente no campeonato, onde já somou cinco e é o passador mais eficaz da prova, a par de Saviola e Paulo Sérgio (Olhanense).
De alguma forma, está a confirmar as grandes potencialidades que começara a revelar na segunda divisão do futebol japonês quando marcou 26 (41 jogos) e 37 golos (42 jogos), respectivamente ao serviço do Consadole Sapporo e do Tokyo Verdy. Hoje, Hulk afirma-se como o jogador mais rematador da liga portuguesa (média de 5,1 remates por jogo), à frente do veterano João Tomás (3,8), Edgar (3,7), Carlão (3,2), Postiga (3,1) e Falcão (3). É verdade, por outro lado, que é o segundo jogador com mais perdas de bola no campeonato (média de 21,2 por jogo), apenas atrás do médio do Beira-Mar Renan, mas isso pode ser justificado, em parte, pela vontade de criar permanentes desequilíbrios.
Hulk tem dados antropométricos (1,80 m de altura para 75 quilos de peso) que fogem um pouco aos cânones do futebolista virtuoso. Todo ele é compacto, feito de uma massa muscular que impressiona. Isso permite-lhe aguentar os choques mais titânicos e, depois, deixar os adversários para trás com arranques explosivos. Outra arma que o distingue é a facilidade e a potência com que remata com o pé esquerdo.
Quando o FC Porto anunciou a contratação de Hulk, em Agosto de 2008, muita gente torceu o nariz aos 5,5 milhões de euros pagos por apenas 50 por cento do passe do futebolista, sendo que a restante parcela continua a pertencer a um conjunto de empresários. Mas os responsáveis portistas não só tinham confiado nos vídeos que lhes tinham sido apresentados como arriscaram incluir no primeiro contrato uma cláusula de rescisão de 40 milhões de euros. De facto, os 70 golos que Hulk marcara em 104 jogos nos três anos em que jogou no Japão funcionaram como um interessante chamariz. E Hulk não tardou a confirmar as credenciais. De tal forma que, um ano após a sua chegada, os portistas decidiram estender-lhe o contrato até Junho de 2014, passando Hulk a ter uma cláusula de rescisão de 100 milhões de euros, de longe a mais alta de sempre do futebol português.
Hulk conseguia assim afirmar-se no futebol português, aonde chegara, pela primeira vez, com apenas com 15 anos, para jogar nos juniores do Vilanovense. Na altura, Givanildo Vieira de Souza era conhecido por Ruca. Acabou por regressar ao Brasil, mas aos 18 anos foi emprestado pelo Vitória da Bahia ao Sapporo e, mais tarde, vendido ao Frontale Kawasaki, sendo o passe fixado em um milhão de dólares.
Hoje, enquanto aguarda nova oportunidade na selecção brasileira, pode não valer ainda cem vezes mais, mas é já um dos jogadores mais apetecíveis do mercado europeu.
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