Lucia Riff: Os desafios de uma agente literária

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Lucia Riff tornou-se agente literária por acaso como colaboradora da mítica Carmen Balcells

Pense em Rubem Fonseca, Carlos Drummond de Andrade, Lygia Fagundes Telles, Adélia Prado, Zuenir Ventura, Erico e o seu filho, Luis Fernando Veríssimo, Ariano Suassuana, Rachel de Queiroz, Lya Luft e Mário Quintana. E saiba que as suas obras estão nas mãos de Lucia Riff, a principal agente literária brasileira, com uma agência com mais de 15 anos sediada no Rio de Janeiro, que divide agora com os filhos, Laura e João Paulo, e representa 55 autores brasileiros ou seus herdeiros. 

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Pense em Rubem Fonseca, Carlos Drummond de Andrade, Lygia Fagundes Telles, Adélia Prado, Zuenir Ventura, Erico e o seu filho, Luis Fernando Veríssimo, Ariano Suassuana, Rachel de Queiroz, Lya Luft e Mário Quintana. E saiba que as suas obras estão nas mãos de Lucia Riff, a principal agente literária brasileira, com uma agência com mais de 15 anos sediada no Rio de Janeiro, que divide agora com os filhos, Laura e João Paulo, e representa 55 autores brasileiros ou seus herdeiros. 

Foi entre reuniões, na agitação frenética do Literary Agents & Scouts Centre (LitAg), o espaço onde os agentes literários e os editores de todo o mundo se encontram para conversar e negociar, que Lucia Riff conversou com o Ípsilon, na Feira do Livro de Frankfurt. Pousados em cima da mesa estão o novo Tony Bellotto, "No Buraco", comprado pela editora Quetzal; e também "Método prático da guerrilha", de Marcelo Ferroni (primeiro romance do editor da Alfaguara brasileira), adquirido pela Dom Quixote. Não parece, mas "exportar autores brasileiros sempre foi difícil e vai continuar sendo", confessa Lucia Riff. Mesmo com o Brasil a ser país convidado da Feira do Livro de Frankfurt em 2013? "Vai melhorar. Mas, mais do que ter vários livros vendidos [cerca de 2000 exemplares, com adiantamentos pequenos], precisamos é de um sucesso."

A Agência Riff negoceia para Portugal autores brasileiros e também estrangeiros. "Boa parte dos nossos clientes representamos apenas para o Brasil. Mas 30 por cento da nossa lista é para a língua portuguesa. Esses negociamos com as editoras portuguesas", explica a agente, que representa Margarida Rebelo Pinto e Leonor Xavier. "Já fizemos outras vendas de autores portugueses, mas são pontuais. Quando eu represento um autor brasileiro, represento-o no mundo todo e ainda para cinema, teatro, publicidade e palestras."

Acordo à vista

Como vai ser agora por causa do novo acordo ortográfico? "Não vai mudar nada. Há muitos anos era comum que as editoras - portuguesas ou brasileiras - comprassem direitos para toda a língua portuguesa. Acontecia mais no Brasil. Exportavam-se 100, 200 livros para Portugal, ou vice-versa, e acabava. O livro não viajava mais do que algumas centenas de exemplares através de um distribuidor qualquer". Depois o mercado foi-se profissionalizando. No início da Agência Riff, Lucia só não fazia mais vendas para toda a língua portuguesa porque as suas representações eram só para o Brasil. "Até que dei conta que isso era um erro gravíssimo. O editor brasileiro não estava vendendo absolutamente nada em Portugal. Nós estávamos matando o mercado, matando a possibilidade de o livro ser mais bem explorado e vice-versa. Em Portugal estavam fazendo o mesmo, matando livros que poderiam estar saindo no Brasil." Então ficou definido: "Se vendo para o Brasil, é para uma editora brasileira que vai imprimir e vender lá. Para Portugal, a mesma coisa. O acordo ortográfico pode ter definido onde é que entram ou saem os acentos - nunca mais vou saber escrever português! [risos] -, mas a maneira de escrever, vocabulário, sensibilidade, isso você não transfere por nenhum acordo ortográfico."

Aponta para o policial de Tony Bellotto, em cima da mesa, e diz que, se no livro existirem palavras que têm um sentido completamente diferente em Portugal, o editor português vai ter de acrescentar notas de rodapé. "Tem palavras que vocês usam que significam outras coisas para nós. Nisso o acordo não interfere. Quanto ao mercado editorial, não me parece que venha a ser afectado."

Agente por acaso

Ser agente literária aconteceu a Lucia Riff por acaso. Psicóloga, recém-formada, com duas crianças pequenas, conheceu através de um amigo comum, o filho de Clarice Lispector, a famosa agente literária Carmen Balcells. A catalã procurava alguém para a ajudar na agência que tinha aberto no Brasil com uma sócia. Pedia só que essa pessoa tivesse paixão pelos livros e bom inglês. Apesar de não saber nada sobre o negócio editorial, Lucia aventurou-se. "Ela disse-me que aprender o ofício era fácil e quando comecei foi amor à primeira vista. Adorei o trabalho de agente - negociar, conversar, saber tudo com antecedência!", conta. Depois dessa primeira experiência, foi contratada pela editora Nova Fronteira, onde ficou muitos anos, e esteve também na editora José Olympio, onde integrava a equipa encarregada do Dicionário Houaiss. No final de 1989, Carmen Balcells telefonou-lhe de novo. Tinha rompido com a sócia brasileira e queria fechar a agência no Brasil. "Foi nesse processo que acabei formando a minha agência. Em 1990, um ano brasileiro de pesadelo, do plano Collor, com uma inflação louca, trabalhei para a Carmen fechando o negócio dela." Desde o início que a espanhola foi muito clara e lhe disse: "Lucia, fecha tudo e manda o que resta para Barcelona. Ou, se você quiser, me apresenta uma proposta para continuar no Brasil. Mas aí será a sua agência."

Chegaram a um modelo, que na altura acharam ser o certo, e foram sócias durante mais de uma década na nova agência de Riff. Quando Carmen Balcells se aposentou da agência em Barcelona, em 2003, os filhos de Lucia Riff, ambos advogados, já trabalhavam com a mãe e Lucia pediu-lhe para ela lhe vender a quota dela (um terço) para passar a ter uma sociedade com os filhos. "Nunca consegui ser pequena porque comecei já herdando todo um passado, que não me rendia absolutamente nada, mas que eu tinha de carregar."

No ano passado, a Agência Riff esteve envolvida nas transferências do escritor Rubem Fonseca, da Companhia das Letras para a Agir, e da escritora Lygia Fagundes Telles, da Rocco para a Companhia das Letras. "No Brasil, por sorte os contratos não são como os ingleses: terminam. Quando isso acontece, é o momento de as pessoas avaliarem. No caso da Lígia, foi bem isso. Era um contrato longo com a Rocco, que chegou a ser renovado, e havia um relacionamento bom. Mas ela estava querendo mudar. É um direito do autor, como é do editor, não querer renovar. O facto de um autor sair de uma editora só significa que, naquele momento, estão buscando coisas diferentes. São momentos muito duros para mim e de muito sofrimento. É muito duro você chegar para um editor e dizer que não vamos renovar o contrato."

No caso do Rubem Fonseca, houve primeiro um comunicado da Companhia das Letras a dizer que o autor estava a sair da editora por razões que nunca foram explicadas publicamente. "A seguir, houve um leilão e essa foi para mim a parte mais complicada." Nem sempre os leilões de direitos autorais se resumem a ver quem dá mais. Existem outras maneiras de negociar e esse foi o caso de Rubem Fonseca. As propostas que estavam na mesa tiveram de ser analisadas "como um todo" e isso incluiu não só a avaliação da editora mas também de todo o trabalho que ela se propunha fazer com o autor. "Não foi o caso, mas podia até ganhar uma oferta menor. Você não está negociando um 'best-seller', um Dan Brown que daqui a três ninguém vai saber quem é. Está a negociar o catálogo de Rubem Fonseca, que daqui a 50 anos, ou para sempre, todo o mundo vai saber quem é."

Do papel para o digital

Quando em 2009 foi publicado no Brasil o último romance de Rubem Fonseca, "O Seminarista", a editora Agir também colocou à venda a versão digital. Quando um agente faz um contrato de um livro novo, estrangeiro ou brasileiro, inclui também os direitos para a versão digital da obra, a não ser que a editora não tenha o menor interesse em ter um programa de "e-books".

Enquanto a percentagem de direitos de autor pagos no livro impresso é de dez por cento para cima, no caso do "e-book" houve um acordo geral no mercado, e ficou estabelecido que nos próximos dois anos (2011/2012) se paga 25 por cento da receita líquida do editor. "É uma espécie de trégua, sendo possível que depois aumente para 30 ou até chegue aos 50 por cento (metade para o autor e metade para a editora). Neste momento as vendas são muito pequenas e a despesa inicial para o editor é muito alta. Tem de entender o sistema, preparar, comprar os programas. É caro isso, não é pegar no PDF do livro e jogar na Internet."

Alguns autores têm publicado obras em formato digital em editoras diferentes daquelas em que publicam os livros em papel. Lucia Riff acha que é preciso analisar caso a caso. E dá o exemplo: "Você está numa editora que te está trabalhando muito bem, contrato válido, pagamentos em dia, e essa editora monta um programa de 'e-book'. Você pega teu livro e bota na mão de um concorrente? Uma editora de 'e-books' que não tem catálogo nenhum, não tem 'backlist', não tem nenhum compromisso com você, não fez nada teu, só porque ele te vai dar uma comissão um pouco maior?"

Por experiência, a agente literária sabe que neste negócio tem de se pensar a longo prazo e com calma. Avaliar as coisas com serenidade. "Se não vira uma selva. Eu não quero trabalhar num mercado em que você possa usar a palavra carnificina levianamente", conclui Lucia Riff.

O agente literário tem de proteger o autor até contra ele mesmo, se for o caso.