Atropelados pela história
Ao longo dos seus oitenta anos, o PCP foi construído por milhares de militantes anónimos. De entre estes, alguns foram determinantes e mesmo vitais para a edificação da força política que, durante décadas, foi evoluindo e marcando a vida política portuguesa. Só que, pelo rumo que o partido tomou ou pela tendência do PCP a reconstruir a sua própria hangiografia e em "apagar do retrato" quem lá está, esses nomes, que fizeram eles também, o comunismo em Portugal, foram esquecidos. O PÚBLICO tenta reconstituir, em traços gerais, o percurso e o papel de doze dessas personalidades que acabaram atropelados pela história.José Carlos Rates, nascido em 1879, foi o primeiro secretário-geral do PCP. Começa por contestar a Monarquia através do anarquismo e já na República adere ao sindicalismo tornando-se no primeiro funcionário sindical português. Após a revolução de 1917 descobre o bolchevismo escrevendo "A Ditadura do Proletariado" que pensa poder ser imposta através da CGT, central sindical anarquista. Evolui depois para a necessidade de criar um órgão político, um partido para fazer a revolução e preparar o poder.Rates via-se como o líder da revolução que se daria inevitavelmente em Portugal, país sem burguesia capitalista à semelhança da Rússia. Preparando a ditadura do proletariado à portuguesa elabora propostas para o governo da revolução entre elas a venda das colónias. É o representante de uma via mais legalista de acção que entra em choque com um grupo de dirigentes comunistas - e também da Federação das Juventudes Comunistas Portuguesas, liderada por José de Sousa - defensores da luta sindical como forma de sublevação.Este primeiro conflito ideológico no seio do PCP levará ao primeiro Congresso em 1923 em que a Internacional Comunista (IC) se faz representar por Jules Humbert-Droz. Com o apoio da IC, Rates mantém-se à frente do PCP. Acaba por ser afastado, em 1925, na sequência da participação do PCP nas eleições em que se dá a falência da versão legalista da conquista da revolução. E é mesmo expulso doPCP na sequência do II Congresso em 1926.Regressa às preocupações com o papel do mundo do trabalho mas já através do corporativismo e acaba por aderir, em 1933, à União Nacional. Morre em 1945.Figura grande do sindicalismo português, José de Sousa nasceu em 1898. Adere ao PCP logo na sua fundação, estando à frente das Juventudes Comunistas. Integra o grupo que se opõe ao secretário-geral, José Carlos Rates. Sousa era um defensor da acção revolucionária através da luta sindical e opõe-se à via legalista de Rates que vence o I Congresso em 1923. Vários opositores a Rates são expulsos, José de Sousa é apenas afastado.Em 1929, toma lugar na conferência de militantes encabeçados por Bento Gonçalves que reorganizam o PCP, de acordo com as directivas da IC. Com Bento Gonçalves e com Manuel Pilar integra o Secretariado. Fica com o pelouro do sindicalismo. Um ano depois funda a Comissão Intersindical (CIS) de que é secretário-geral. A CIS nasce para lutar pelos horários de trabalho e transforma-se numa central sindical comunista para disputar o movimento operário português à CGT, dominada pelos anarco-sindicalistas. Com José de Sousa a CIS é o sector mais activo do PCP e aposta na criação de sindicatos clandestinos paralelos ao cooperativismo do Estado Novo. Esta será a origem da segunda polémica em que José de Sousa se envolve. Ou seja, Sousa mantém-se fiel à defesa dos sindicatos clandestinos contra a tese da Internacional Comunista e assumida por Bento Gonçalves de que se dissolvessem e a luta clandestina passasse para o interior das estruturas corporativas oficiais, tese que levará à extinção da CIS.Em 1935, Sousa fica em Lisboa e não integra a delegação portuguesa ao VII Congresso da IC que é liderada por Bento Gonçalves e composta por Pável, a viver então em Moscovo, e por Álvaro Cunhal, em representação das Juventudes. O objectivo é que a direcção no interior não fique desguarnecida de membros do Secretariado. No regresso Bento Gonçalves, Sousa e Júlio Fogaça são presos no encontro clandestino em frente do antigo Hotel Avis, em Lisboa, onde Bento Gonçalves informava os seus camaradas sobre as novas orientações de Moscovo.Condenado a seis anos, é deportado para Angra e integra a leva de prisioneiros políticos que estreiam em 1936 o Campo Prisional do Tarrafal. Cumpre nove anos de prisão. Faz parte da direcção da Organização Comunista Prisional do Tarrafal. As divergências com Bento Gonçalves e o núcleo de Lisboa aumentam. À polémica sobre os sindicatos soma-se uma nova clivagem. Ao contrário de Bento Gonçalves, Sousa nunca aceita o Pacto Germano-Soviético.Em 1943, é alvo de um processo e expulso do PCP. Em resposta cria com outros presos o paralelo Grupo dos Comunistas Afastados. Libertado em 1946, tenta aderir, sem ser aceite, ao republicano Partido Socialista Português e estará, mais tarde, na fundação do Partido Socialista e Operário. Faleceu em 1967.Bento Gonçalves, nascido em 1902, é o segundo secretário-geral do PCP e o primeiro líder comunista que, em coordenação com as orientações da Internacional Comunista, lança as bases da organização do PCP de acordo com os métodos e as teses político-ideológicas irradiadas pela Internacional Comunista (IC). Operário do Arsenal da Marinha, Bento Gonçalves é o típico autodidacta da primeira metade do século e um teórico. É visto como o primeiro doutrinador do leninismo em Portugal. Isto embora o seu real papel e dimensão seja subestimado na historiografia oficial e oficiosa do PCP em função do espaço dado ao culto da personalidade de Álvaro Cunhal.Ascende no sindicalismo através do sindicato do pessoal do Arsenal da Marinha, um dos núcleos da Comissão Intersindical. Em 1927, participa no I Congresso dos Amigos da URSS. Um ano depois já como militante comunista envolve-se na reorganização do partido, que lidera com o acordo da IC. Na conferência de militante, realizada em Abril 1929, é eleito para comissão provisória (na prática o Secretariado) com José de Sousa e Manuel Pilar.É com Bento Gonçalves que o PCP começa a aderir ao modelo leninista. Ao nível organizativo são adoptadas as células. A propaganda como meio de doutrinação é intensificada. Nascem o "Avante!" e o "Militante". Os jovens são reorganizados na Federação das Juventudes Comunistas Portuguesas. Bento Gonçalves lidera também o combate ao anarquismo e ao uso de meios terroristas e aos golpes do chamado "reviralho". Será esta nova atitude que o levará a classificar o 18 de Janeiro de 1934, onde estiveram comunistas, de "anarqueirada".Preso em 1930, é enviado para os Açores e libertado em 1932. Em 1933 mergulha na clandestinidade. Em 1935, lidera a delegação portuguesa ao VII Congresso da IC, Cunhal está presente no VI Congresso da Internacional Comunista da Juventude. Bento é o principal responsável pela adopção das posições que levam ao fim do sindicalismo clandestino.Dias depois de chegar de Moscovo, é preso com José de Sousa e com Júlio Fogaça em 1935, à porta do Hotel Avis em Lisboa, numa reunião para os informar dos resultados do VI Congresso da IC. É condenado a seis anos de prisão e deportado para Angra. Em 1936, integra o grupo de presos que inaugura o Campo do Tarrafal. Lidera a Organização Comunista Prisional do Tarrafal.À frente desta organização e como secretário-geral do PCP defende a "Política Nova". Ou seja, uma política frentista de combate aos alemães e de alinhamento franco-inglês. Em Agosto de 1939, Bento Gonçalves em nome da OCPT e do PCP entrega ao director do campo um documento em que os comunistas se propõem dar tréguas ao regime se o Governo de Salazar se aliar aos ingleses e franceses e combater a Alemanha. Pouco depois é assinado o Pacto Germano Soviético, Bento Gonçalves arrepia caminho e aceita o Pacto. Pacheco Pereira defende, contudo, que esta aceitação é táctica e que Bento Gonçalves continua fiel à "Política Nova" até morrer, de doença e por falta de tratamento adequado, em 1942, no Tarrafal. No campo prisional de Cabo Verde, escreve em sacos de cimento o livro "Duas Palavras" sobre a história do movimento operário e "Palavras Necessárias" sobre o PCP.Francisco Paula de Oliveira, nascido em 1908 e conhecido pelo seu pseudónimo, Pável, é a mais proeminente figura do PCP vítima dos processos de Moscovo. Depois de ter ascendido ao topo e integrado o coração do sistema comunista - representou o PCP na Internacional Comunista (IC), em Moscovo -, é julgado pela IC, expulso e proscrito em Paris e acaba por ter de fugir para o México com passaporte e nome falso de António Rodrigues.Pável era uma espécie de personagem romanesca, que conciliava a capacidade intelectual com uma enorme determinação e com uma coragem física e uma capacidade de risco notáveis. Era, por exemplo, especialista em "comícios-relâmpago". Conhecido de Bento Gonçalves desde novo trabalhava também no Arsenal da Marinha. Em 1929 ingressa no Socorro Vermelho Internacional. Autodidacta, estudou os clássicos do marxismo-leninismo quando, devido a uma tuberculose, esteve internado no Sanatório do Caramulo, em 1930. Decide então aderir ao PCP e funda, logo ali, uma célula no Caramulo.De volta ao Arsenal, em 1931, organiza-se na Federação das Juventudes Comunistas Portuguesas e um ano depois é eleito secretário-geral tendo assento no Secretariado do PCP. Faz então a sua primeira saída, a Espanha. Recebe instruções da IC e de volta ao país tenta virar a FJCP para a política de massas. Em 1932 com a prisão de José de Sousa - Bento Gonçalves está em Angra - assume a direcção do PCP e da Comissão Intersindical. Preso, pela primeira vez, em 1933, supostamente por denúncia da mãe do seu filho mais velho, foge do Sanatório da Ajuda. Em 1934, segue para Espanha, França e por fim vai para a URSS. Ingressa na Escola Leninista de quadros e representa com carácter permanente o PCP na Comissão Executiva da IC, contactando directamente com o responsável pelo PCP, Manuilsky. Volta a casar, agora com uma russa e tem um segundo filho. Em 1935, recebe em Moscovo Bento Gonçalves com quem participa no VII Congresso da IC e Álvaro Cunhal no VI Congresso da Internacional Comunista da Juventude.Um ano depois é alvo de uma primeira investigação no seio da IC, porque, enquanto responsável pelo PCP, não participara à IC uma falha conspirativa de um outro militante. Por intervenção de Manuilsky, Pável é reabilitado e vem para Portugal preencher o vazio criado pelas prisões do Secretariado. Entre 1937 e 38 está à frente do PCP e tenta implementar a política frentista de Dimitrov, secretário-geral da IC, e aprovada no VII Congresso. Tem para isso contactos com alguns sectores republicanos e com a Maçonaria. É no momento um quadro formado em Moscovo e procura impor a linha justa estalinista ao desleixado e diletante PCP, um exercício falhado anteriormente por Bento Gonçalves e que só será conseguido nos anos 40 por Júlio Fogaça e Álvaro Cunhal. Pável aumenta a tiragem do "Avante!". Extingue a FJCP que será reactivada em 1938 por Cunhal quando liberto da primeira prisão. A PVDE considerava Pável o responsável pela criação de uma estrutura armada que viria a transformar-se na Organização Revolucionária da Armada.É de novo preso, em 1938, em sua casa, na Rua da Beneficência, em Lisboa, onde tinha os arquivos do PCP. Quando se apercebe da situação lança fogo aos papéis e resiste a tiro às investidas da polícia e dos bombeiros para que haja tempo de queimar a documentação. Transferido para a enfermaria do Aljube, foge a 23 de Maio de 38, com outro comunista e um guarda-enfermeiro, a trabalhar para a PVDE mas que fora das juventudes comunistas. A fuga é apoiada do exterior por Manuel Domingos, Inácio Fiadeiro e a sua mulher, Stela Bicker. Foge para Paris.O objectivo era a URSS, mas em Setembro de 1938, a Secção de Quadros da IC delibera afastar Pável e "tomar medidas mais rigorosas em relação a toda a direcção deste partido" - o PCP permanecerá afastado do movimento comunista internacional até 1948. A decisão é comunicada a Pável por Codovilla, um quadro argentino da IC que integra a comissão de inquérito às falhas conspirativas e às suspeitas que a paranóia das purgas estalinistas via, por exemplo, no facto de Pável ter fugido com um guarda. É imposto o corte de relações. Pável fica sozinho em Paris. Sem apoio, sem dinheiro, sem documentos e sujeito à extradição e entrega à PVDE pela polícia francesa. Em 1939, contactado com republicanos espanhóis fugidos da queda de Barcelona, Pável consegue um passaporte de um soldado espanhol morto, António Rodrigues, a sua identidade no futuro. E foge para o México, levando consigo o PVDE que o ajudou a fugir do Aljube. No México, foi jornalista, escritor e professor. Voltou a Portugal em 1976 e em 1988. Faleceu em 1993.Carolina Loff é uma das personagens mais romanescas do PCP nos anos 30. Pacheco Pereira que revelou a dimensão real e até agora inédita desta mulher afirma que ela é uma das "personagens fundamentais do PCP nos anos 30". E, segundo ele, toda a documentação consultada aponta que Carolina Loff pertenceu à Orquestra Vermelha - organização de espionagem soviética dirigida por Trepper a partir da Bélgica durante a II Guerra Mundial -, depois de ter funcionado como agente o NKVD - Comissariado do Povo para os Assuntos Internos, a polícia política soviética.Carolina Loff faz parte da primeira célula feminina do PCP e de várias estruturas da FCJP. Presa em 1932, a colar propaganda, é libertada um ano depois. Em 1935, a convite de Pável vai para a URSS com uma filha recém-nascida. Frequenta a escola de quadros. Trabalha nas Edições Operárias como tradutora e intérprete. A filha é colocada numa escola para os filhos dos funcionários do Comintern.Em 1936, por proposta directa de Manuilsky, responsável pelo PCP na Internacional Comunista, Carolina Loff vai para Espanha como tradutora da Embaixada Soviética e com a missão de instalar uma emissora. Segue por um périplo que incluiu Polónia, Checoslováquia, Áustria, Suíça e França, onde recebe através do Comintern passaporte belga em nome de Berthe Mouchet. A rádio passa a emitir diariamente dos arredores de Madrid e os estúdios funcionam na sede do PCE.É ela que faz a ligação com os portugueses em Espanha e mantém-se próxima da direcção do PCE. Integra a UAPRE - União Antifascista dos Portugueses Residentes em Espanha. Com a queda dos republicanos é presa na sede do PCE em Valência. Identifica-se como jornalista belga. Sob tortura não revela a identidade. É, porém, libertada na fronteira portuguesa sem que a PVDE seja avisada. Terá entrado em Portugal acompanhada de um agente soviético, referido como um jornalista húngaro na documentação revelada por Pacheco Pereira. O PCP tinha sido afastado da IC em 1938, mas Corolina Loff manteve os seus contactos com o Comintern De volta a Lisboa, reintegra a direcção do PCP na clandestinidade. Fica encarregada de elaborar os documentos dentro da linha justa da IC entre 1939 e 40. É uma peça chave, com Cansado Gonçalves e sobretudo Álvaro Cunhal, no trabalho de doutrinação para a aceitação do Pacto Germano-Soviético.É presa com Cunhal, em 30 de Maio de 1940, pela brigada de José Gonçalves. De início nega a sua história depois acaba por assumir a estada na URSS, mas não revela a verdadeira identidade de quem com ela entrou em Portugal. Na prisão, Carolina Loff apaixona-se por um agente da PIDE, Júlio Almeida, com quem viverá. A paixão por um PIDE será a pedra de toque da sua expulsão do PCP.Nos anos 50, Carolina Loff foi classificada pela CIA como agente da Orquestra Vermelha, desde a sua criação por Trepper, em 1940, e antes, desde 1936, agente dos serviços secretos soviéticos. O seu companheiro, Júlio Almeida, será também olhado como um agente conquistado pelos soviéticos.Vasco de Carvalho integrou diversos secretariados nos anos 30, acabando por ser alvo de uma espécie de processo de Moscovo à portuguesa e acusado de "falta de actividade revolucionária". No Secretariado foi, ao longo, dos anos 30 o responsável pelo Socorro Vermelho Internacional. Viveu longos períodos na clandestinidade sem ser preso.Em 1939, por influência de Francisco Miguel que se instalou na sua casa clandestina, é alvo de um processo interno. Foi julgado e acusa de "trabalho de desagregação", de "mentir" ao partido e de causar "prejuízo de aproximadamente 50$00". É também acusado de preguiça e de desleixo no trabalho conspirativo. De acordo com a pesquisa de Pacheco Pereira, Francisco Miguel chegou a acusá-lo de se levantar uma hora mais tarde do que ele e de ler em cima da cama. É castigado pelo Secretariado e afastado da direcção.No final desse ano, devido às prisões de Ludgero Pinto Basto e de Francisco Miguel, Vasco de Carvalho é recuperado para o Secretariado. É contra este Secretariado, que ficou para a história como o "grupelho provocatório" ou o "grupo do Rossio" - que é feita a refundação de 40-41 e a tomada do poder partidário pelo grupo dos amnistiados liderado por Júlio Fogaça e que constituirá um Secretariado paralelo integrado por Fogaça, Manuel Guedes e Militão Ribeiro.Cansado Gonçalves, nascido em 1903, foi um dos principais dirigentes do PCP na década de 30, integrando inúmeros secretariados. É uma das figuras de proa do conjunto de dirigentes que ficou conhecido como "grupelho provocatório" ou "grupo do Rossio". Ainda que estivesse afastado do Secretariado quando se dá a tomada de poder pelo grupo dos amnistiados liderados por Júlio Fogaça que vão proceder à refundação do PCP em 1940.Cansado Gonçalves foi presidente da Associação de Estudantes da Faculdade de Letras de Lisboa, em 1931, época em que adere ao PCP. Amigo de Avelino Cunhal e foi através de Cansado Gonçalves que Álvaro Cunhal teve os primeiros contactos com o PCP na Faculdade de Direito de Lisboa. Com Cunhal participa em vários grupos de acção estudantil. É ele que, com Carolina Loff, está ao lado de Álvaro Cunhal na doutrinação a favor do Pacto Germano Soviético. Em 1939, ainda antes da reorganização de Fogaça, é afastado do Secretariado por "gastos indevidos e falta de confiança". Já nos 60 embarca para Moçambique onde lecciona história num Liceu de Lourenço Marques. Após o 25 de Abril regressa a Lisboa, onde morre em 1985. Velez Grilo era médico ginecologista. Integrava a direcção que ficou conhecida como "grupelho provocatório" ou "grupo do Rossio". Ou seja a direcção que foi deposta pela reorganização dos anos 40 liderada por Júlio Fogaça, Manuel Guedes e Militão Ribeiro.Pertenceu à direcção comunista nos anos 30. Em 1931, é eleito para o Senado Universitário, em representação da Faculdade de Medicina de Lisboa. Adere então à Federação da Juventudes Comunistas Portuguesas. É preso e faz o exame de medicina na prisão - é um dos dois primeiros a recorrer ao exame de fim de curso na cadeia política, o outro foi Fernando Lopes Graça que aí termina o Conservatório.Assim como Cansado Gonçalves rumou a Moçambique, onde faleceu.Júlio de Melo Fogaça, nascido em 1907, foi o principal responsável pela reorganização de 40 e até à sua expulsão do PCP, em 1961, disputa com Álvaro Cunhal o protagonismo na determinação da linha política e ideológica do PCP. Acaba por perder para Cunhal, mas é, no grupo de dirigentes comunista da época, o único com capacidade intelectual idêntica à de Cunhal e com uma origem social que também não se confinava ao operariado e à pequena burguesia - era de uma família proprietários agrícolas do Cadaval.Tendo sido já apontado como um precursor do eurocomunismo, Fogaça nunca põe em causa o partido leninista com uma estrutura de tipo militar, antes é sob a sua direcção que o PCP consegue finalmente no início dos anos 40 adaptar-se ao modelo irradiado de Moscovo. Mas tem uma leitura do papel do PCP no combate ao nazismo e ao fascismo, em que o PCP não surge como o pólo aglutinador e condutor das massas, mas cumpre este papel em pé de igualdade com os outros movimentos e partidos.Fogaça ascende à direcção com Bento Gonçalves e é com este preso, assim como José de Sousa, em 1935, à porta do Hotel Avis em Lisboa, numa reunião clandestina em que o secretário-geral do PCP informava os dois camaradas do Secretariado sobre as decisões do VII Congresso da Internacional Comunista. Fogaça não era conhecido da PVDE e em tribunal é apenas condenado a uma multa. Mas é enviado com os outros dois dirigentes para Angra, seguindo em 1936, para o Tarrafal.Em 1940, Fogaça foi amnistiado com uma série de dirigentes comunistas. Dirige então um grupo de figuras que tomam de assalto o poder dentro do PCP: Álvaro Cunhal, Francisco Miguel, José Gregório, Pedro Soares, Pires Jorge, Sérgio Vilarigues, Manuel Guedes e Militão Ribeiro - os dois últimos formam com Fogaça o Secretariado. Esta refundação partidária conquista o PCP à direcção que ficou para a história como o "grupelho provocatório" ou o "grupo do Rossio". Até 1945, vão existir dois comités centrais e dois secretariados, bem como dois "Avante!".Fogaça é de novo preso em 1942, ano da morte de Bento Gonçalves, e volta a ser enviado para o Tarrafal. Nesse ano, são também presos Pires Jorge, Pedro Soares e Militão Ribeiro e ao Secretariado sobem Cunhal, Gregório e Guedes, que organizam e dominam o III Congresso, contra a oposição de Fogaça que no Tarrafal está à frente da Organização Comunista dos Presos no Tarrafal. E de Cabo Verde defende em cartas para Lisboa a "Política de Transição" que descende da "Política Nova" de Bento Gonçalves, mas também se baseia em teses internacionais como o brodwerismo que defendia a dissolução da primazia comunista a bem da unidade - Eric Brodwer, líder do PC dos Estados Unidos, chegou a dissolver o partido. Numa das cartas de Fogaça é mesmo proposto a abolição da foice e do martelo e da frase "Proletários de todos os países, uni-vos!" no cabeçalho do "Avante!".Ora esta linha política entra em confronto com o vanguardismo marxista-leninista de Cunhal e em 1946, Fogaça sai de novo derrotado no VI Congresso do PCP, onde participa depois de ter sido libertado em 1945. Permanece no Comité Central e nos meados dos anos 50 ascende a protagonista da direcção, num momento em que Cunhal está preso (1949-60). Apanhando a boleia da história, Fogaça beneficia da dessestalinização feita, em 1956, na União Soviética, por Nikita Krushov, no XX Congresso do PCUS. E em 1957, no V Congresso do PCP, Fogaça lidera o Secretariado onde se sentam Pires Jorge, Dias Lourenço, Sérgio Villarigues e Octávio Pato. O novo programa é de Fogaça, que retoma a política de alianças e uma "política de greves pacíficas", agora sob o lema da "Transição Pacífica" e abandona a insurreição armada de Cunhal. O PCP passa também a apoiar os movimentos de libertação das colónias. Álvaro Cunhal foge de Peniche em Janeiro de 1960 e inicia o "grande debate ideológico" para a correcção do "desvio de direita" ou "desvio anarco-liberal" e será eleito secretário-geral em Março de 1961. Um caminho que lhe é facilitado pelo facto de Fogaça, que era homossexual, ter sido preso na Nazaré com um amante em Agosto de 1960. A PIDE de início nem se apercebe de que se trata de Fogaça e pensa que é um vulgar caso de costumes. Na ficha da PIDE será inscrito: "Julgado em 6-4-962 pelo Tribunal de Execução de Penas, tendo sido classificado de pederasta passivo e habitual na prática de vícios contra a natureza".Ficará preso até 1970, mas antes da condenação já Fogaça fora afastado. Em "O Militante" de Julho de 1961 é publicada a resolução do CC que diz: "Não estando esclarecidos aspectos da conduta de Júlio Fogaça que, embora não digam respeito ao seu comportamento ante o inimigo, revestem gravidade, o Comité Central resolve suspender Júlio Fogaça do Partido até apuramento de factos e resolução posterior." A resolução do Comité Central do PCP foi publicada na revista clandestina do PCP "O Militante", em Julho de 1961. E a 4 de Dezembro de 61, Fogaça não é incluído na fuga do carro de Salazar que tirou de Caxias Francisco Miguel, José Magro, Guilherme da Costa Carvalho, António Gervásio, Domingos Abrantes e Ilídio Esteves.Posto em liberdade condicional em 1970, Fogaça dedica-se à exploração agrícola na propriedade da sua família e frequenta os meios da oposição. Após o 25 de Abril é candidato independente à Assembleia Municipal do Cadaval nas listas do PCP, mas é praticamente ignorado no livro sobre os 60 anos do partido, publicado há vinte anos e um ano depois de Fogaça falecer, em 1980.Ainda hoje, o destino de Manuel Domingues permanece um mistério. Militante e dirigente comunista com algum peso a partir dos anos 30, apareceu morto no Pinhal e Belas a 5 de Maio de 1951, sem que a autoria da sua morte jamais tivesse sido reivindicada ou apurada. Ainda hoje, são sussurradas acusações tanto à PIDE como ao aparelho clandestino do PCP.Manuel Domingues aderiu ao PCP em 1934 e é já como militante que participa no 18 de Janeiro de 1934. Foge para Espanha e junta-se a Pires Jorge, acompanhado de outros fugitivos à onda de repressão que se seguiu à Greve Geral Revolucionária da Marinha Grande: Lyon de Castro, José Gregório e Armando Magalhães.Ao entrar em Espanha, Manuel Domingues e José Gregório são presos em Orense mas libertados por influência de associações operárias. Domingues integra a UAPRE (União Antifascista dos Portugueses Residentes em Espanha). A situação é de penúria até que são ajudados pelo Socorro Vermelho Internacional.Em Março de 1935, vai para Moscovo. Frequenta a Escola Leninista de quadros, onde o seu comportamento classificado de pouco activo será usado no momento da sua expulsão. De volta a Portugal, em 1936, funciona como ligação entre Pável, no Secretariado, e as estruturas do partido. Acaba por integrar o Secretariado, em 1937 e 38. Quando Pável é preso fica com Cansado Gonçalves à frente do PCP. Depois segue para Paris. Durante a II Guerra Mundial está em França e em Espanha.Foi alvo de um processo interno e afastado do Comité Central em 1949. "O Militante" acusou-o de ter denunciado a casa onde moravam clandestinos no Luso Álvaro Cunhal, Militão Ribeiro e Sofia Ferreira, quando estes três dirigentes foram presos, a 25 de Março de 1949, pela PIDE e apanhado parte do arquivo do partido. E a 5 de Maio de 1952 é encontrado morto a tiro na nuca no Pinhal de Belas.Fernando Piteira Santos foi, depois da dupla Cunhal-Fogaça, o mais importante intelectual da direcção do PCP nos anos 30 e 40.Nascido em 1918, aderiu ao PCP nos anos 30. Em 1938, ano em que é preso pela primeira vez, integra o movimento neo-realista no lançamento de "O Diabo". No início dos anos 40, é líder estudantil na Faculdade de Letras de Lisboa, onde se licenciou em Histórico-Filosóficas. Participa na reorganização de 40, liderada por Júlio Fogaça, e mergulha na clandestinidade com Cândida Ventura, sua companheira à época. É eleito para o Comité Central como suplente em 1943, no III Congresso e aí ficará até ao conclave seguinte, em 1946. É responsável pelas lutas juvenis e pelo aparelho militar do PCP e pelas políticas de unidade. Com Álvaro Cunhal toma assento no Comité Executivo do Munaf.É preso na Baixa de Lisboa em 1945. Na prisão, coloca-se ao lado da "Política de Transição" defendida por Fogaça no Tarrafal. É acusado de aderir ao browderismo. No final dos anos 40 é alvo de um processo interno e é expulso, sob acusações de titismo e de revisionismo mas também sob a acusação de ter denunciado à PIDE os nomes reais de alguns dos membros do Secretariado.Volta a ser preso, por subscrever o Programa para a Democratização da República, em 1961. No ano seguinte, é um dos principais responsáveis pelo assalto ao quartel de Beja e passa de seguida à clandestinidade indo para a Argélia. Em Argel dirige a Rádio Voz da Liberdade e funda a Frente Patriótica de Libertação Nacional, movimento que rompe com o PCP no início dos anos 70. É um dos estrategas da aproximação falhada entre o PCP e Humberto Delgado.Regressa a Portugal após o 25 de Abril. Lecciona no Departamento de História da Faculdade de Letras de Lisboa e depois também na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova. Foi, durante anos, chefe de redacção do "Diário de Lisboa", onde intervinha em artigos de opinião.No âmbito da história e antes de 1974, é autor de "Geografia e Economia da revolução de 1920" e, sob o pseudónimo de Artur Taylor, traduz "As Grandes Doutrinas Económicas", isto num período em que está ligado à Editora Europa-América, de Francisco Lyon de Castro. Depois de 1979, publicou "Raul Proença e Alma Nacional". Faleceu em 1992.Francisco Martins Rodrigues é o "pai" do maoísmo e da extrema-esquerda em Portugal. Foi ele que protagonizou o segundo grande conflito ideológico com Álvaro Cunhal e é outros dos nomes que o PCP riscou da sua história.Nascido em 1927, Martins Rodrigues adere ao PCP em 1953. Pertenceu à Comissão Executiva do MUD. Foge de Peniche com Álvaro Cunhal em Janeiro de 1960, na histórica fuga que envolve também Carlos Costa, Francisco Miguel, Guilherme da Costa Carvalho, Jaime Serra, Joaquim Gomes, José Carlos, Pedro Soares, Rogério de Carvalho e o guarda nacional republicano José Alves. É um dos apoios de Cunhal no regresso ao poder partidário e no combate ao "desvio de direita" de Júlio Fogaça. Logo no CC de Março de 1961 quando Cunhal é eleito secretário-geral pelo Comité Central, Martins Rodrigues é cooptado por este órgão. Em Maio de 1962, sempre na clandestinidade, prossegue a sua ascensão na direcção comunista e integra o Comissão Executiva do CC, passando de seguida a efectivo do CC.No início da querela ideológica entre o PC Chinês e o PCUS, Martins Rodrigues apoia os maoístas e entra em choque com Cunhal, alinhado com os soviéticos. Abandona o PCP, mas depois é oficialmente expulso sob a acusação de ter roubado uma máquina de escrever. Em 1963, Martins Rodrigues escreve a "Luta pacífica e a luta armada no nosso movimento". Cunhal responderá, em 1964, no "Rumo à Vitória" e mais tarde escreve o "Radicalismo Pequeno Burguês". Martins Rodrigues funda, em Janeiro de 1964, no exterior, a Frente de Acção Popular e, em Abril desse ano, lança o Comité Marxista-Leninista Português. Em 1966, é preso pela PIDE e condenado a 19 anos. É libertado pelo 25 de Abril. Dirige, há quinze anos, a revista "Política Operária". Sobre o PCP e a clandestinidade escreveu "Elementos de História do Movimento Operário Português e do Partido Comunista".