Reviravolta no caso Padre Max
O processo relativo ao assassinato, em 2 de Abril de 1976, do padre Maximino de Sousa e da estudante Maria de Lurdes, na Cumieira (Vila Real), registou ontem inesperados desenvolvimentos que podem dar um novo rumo ao caso. Quando se esperava que a audiência no Tribunal de Vila Real fosse dedicada exclusivamente à leitura dos depoimentos feitos durante a fase de instrução pelo ex-editor Paradela de Abreu, a acusação requereu a inquirição de Hugo Castro Lopo, industrial de Chaves que estará disposto a contar pormenores comprometedores para o seu irmão, Rui Castro Lopo, um dos quatro arguidos do processo (os outros réus são Alcides Pereira, Válter dos Santos e Alfredo Vitorino).Segundo o advogado dos familiares das vítimas, Brochado Coelho, foi o próprio Hugo Lopo que, em Outubro de 1997, sem se identificar, telefonou para o escritório do causídico dizendo-se "testemunha dos factos imputados nestes autos ao arguido Rui Castro Lopo". Posteriormente, Brochado Coelho telefonou ao industrial, que lhe manifestou o desejo de "ter uma reunião [com o advogado] a fim de poder contar tudo quanto sabia sobre as actividades do citado arguido, nomeadamente no referente à sua participação no assassinato do padre Maximino de Sousa e da jovem Maria de Lurdes".O encontro acabou por ter lugar em Vila Real, no dia 15 de Dezembro, e, na ocasião, Hugo Castro Lopo "mostrou-se disponível" para prestar declarações em tribunal, explicando que "hesitara muito em tomar tal atitude, mas que recentes acontecimentos familiares o levaram a decidir-se". Nesse encontro, informou Brochado Coelho, o industrial relatou conversas directas que teve sobre o duplo assassínio com "o arguido Rui Castro Lopo, o Paixão [outro dos acusados da autoria do crime, mas que não chegou a ir a julgamento, porque o Tribunal nunca conseguiu notificá-lo], o Alpoim Calvão, o Francisco Pessoas, o arguido Válter, o Mota Freitas, etc. [tudo figuras ligadas ao ex-Movimento Democrático de Libertação de Portugal-MDLP]".A pedido do advogado, Hugo Castro Lopo terá aceite relatar também tudo o que sabia ao representante do Ministério Público, mas esse encontro não chegou a realizar-se, porque, entretanto, o industrial sofreu uma trombose, que o deixou em estado crítico. Porém, segundo Brochado Coelho, o irmão de Rui Castro Lopo já recuperou e está em condições de testemunhar.O colectivo de juízes acabou por deferir o pedido da acusação e Hugo Castro Lopo vai agora ser notificado para ser ouvido em audiência, que será retomada no próximo dia 11 de Fevereiro. A decisão do Tribunal não mereceu qualquer comentário por parte de Rui Castro Lopo, mas o seu advogado vai apresentar recurso.A defesa irá também recorrer da decisão do colectivo de, a pedido igualmente da acusação, solicitar a comparência em julgamento da jornalista da Visão Paula Serra e do antigo chefe de pesquisa da Divisão de Informações Militares (DINFO), Pedro Serradas Duarte. A jornalista publicou recentemente um livro, "DINFO - Histórias Secretas do Serviço de Informações Militares", que tem por base o relato de Serradas Duarte, também autor do prefácio. No livro é dito que "na véspera da extinção oficial do MDLP, a 29 de Abril de 1976, os chamados 'homens do Norte' continuavam a não querer dar tréguas ao novo regime. Assim, o mês de Abril de 1976 fica retido na história precisamente graças a alguns dos mais mortíferos atentados terroristas da extrema direita. O dramático assassinato do padre Maximino de Sousa e da sua acompanhante Maria de Lurdes ocorre a 2 de Abril, na Cumieira, Vila Real" (....).Paula Serra escreve também que "a extrema direita portuguesa denotava alguns aspectos mercenários, uma militância extremamente diminuta, uma capacidade organizativa perto do zero, convicções ideológicas pouco marcadas e insuficientes para resistirem a situações de 'stress' ou de violência". Para Brochado Coelho, estas e outras referências confirmam a tese da acusação, segundo a qual foi um 'homem do Norte', Rui Castro Lopo, figura de proa do MDLP em Trás-os-Montes, quem recrutou os operacionais que, a troco de uma compensação monetária, perpetraram o atentado bombista que vitimou Max e Maria de Lurdes. E contrariam também as respostas que os ministérios da Administração Interna e da Defesa sempre deram sobre os elementos coligidos pela DINFO a propósito do caso padre Max, segundo as quais [na posse dos serviços] "só havia uma pequena listagem de atentados bombistas, todos anteriores ao 25 de Novembro de 1975". Na opinião do advogado, "esta atitude revelava apenas a escandalosa persistência na fuga à verdade e na ocultação de dados por parte de organismos do Estado cuja obrigação legal e moral era e é diametralmente oposta".