É melhor pensar duas vezes antes de carregar no botão de retweet

Milhares de utilizadores do Twitter poderão vir a responder em tribunal por difamação no caso que envolveu o político britânico Alistair McAlpine num caso de abuso sexual de menores.

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Os utilizadores com menos de 500 seguidores podem escapar ao tribunal com um pedido de desculpas Justin Sullivan/Getty Images/AFP

Se o político conservador britânico Alistair McAlpine tivesse uma conta no Twitter, esta poderia ser uma das suas mais recentes mensagens: "Antes de escrever ou partilhar um tweet, pense dois segundos." Pelo menos é esta a ideia que fica depois de McAlpine ter avançado com um processo judicial contra milhares de pessoas cujas mensagens no Twitter relacionaram o seu nome com um escândalo de abuso sexual de menores no Reino Unido investigado em finais da década de 1990.

O caso começou com a transmissão de uma reportagem do programa Newsnight, da BBC2, no início do mês. Apesar de o antigo tesoureiro do Partido Conservador na era Thatcher não ter sido identificado no programa da estação britânica, a associação tornou-se evidente para muitos – o nome McAlpine fora denunciado às autoridades em 1997 por Steve Messham, a mesma vítima de abusos sexuais que contou aos jornalistas do programa Newsnight que o abusador foi uma destacada figura do Partido Conservador durante a governação de Margaret Thatcher.

O primeiro problema é que no processo de 1997 Steve Messham nunca foi além de um único nome: McAlpine; o segundo problema é que havia pelo menos dois outros familiares de McAlpine na área onde foram cometidos os abusos, cujos nomes constam do processo de 1997; e o terceiro problema é que milhares de britânicos juntaram dois mais dois após a transmissão do programa da BBC e a conta final não deu quatro.

Depois de uma investigação do jornal The Guardian, que apontou as falhas no trabalho do programa Newsnight, Alistair McAlpine afirmou que as alegações são "completamente falsas e difamatórias" e a BBC pediu desculpas e concordou em pagar quase 230 mil euros ao político conservador. Por essa altura, já o Twitter tinha sido inundado de mensagens que ligavam Alistair McAlpine ao escândalo de abusos sexuais no Reino Unido. Para além de milhares de cidadãos comuns, vários nomes conhecidos no país apanharam boleia da onda de especulações, como o escritor e colunista do The Guardian George Monboit – que apagou os tweets comprometedores e, mais tarde, pediu desculpas públicas a McAlpine – e Sally Bercow, mulher do speaker da Câmara dos Comuns, John Bercow.

O primeiro indício de que Alistair McAlpine iria avançar para os tribunais surgiu logo no texto em que afirmou estar a ser vítima de difamação, divulgado no dia 9 de Novembro: "Termino lembrando a todos os que me difamaram ou que tiveram a intenção de o fazer que com esta declaração não estou a abdicar do meu direito de obter uma compensação legal e reafirmo os meus direitos de tomar todas as medidas que eu e os meus advogados considerarmos necessárias para proteger os meus interesses."

Duas semanas depois, os advogados de McAlpine começaram a bater à porta dos correios electrónicos de milhares de utilizadores do Twitter. Num texto publicado no site do escritório de advogados RMPI, lê-se que o político britânico abriu um processo contra "as falsas alegações feitas recentemente sobre ele nas redes sociais e nos media tradicionais". E são tantos os alvos que McAlpine decidiu dividir os utilizadores do Twitter em dois grupos: os que têm até 500 seguidores podem preencher um formulário e enviar um pedido de desculpas, ficando depois a aguardar para saberem o valor que terão de pagar à instituição de caridade Children in Need, da BBC; e os utilizadores do Twitter mais populares poderão ter a vida mais dificultada. "Pode preencher o formulário, se o seu número de seguidores ultrapassar os 500, mas nesta fase ainda não decidimos qual será a nossa abordagem", lê-se no site do escritório de advogados.

A advogada Ruth Collard, da empresa londrina Carter-Ruck, explicou ao site Bloomberg BusineesWeek por que é que o processo de McAlpine contra os utilizadores do Twitter – e não contra o Twitter – pode representar um momento de viragem no discurso nas redes sociais: "No Twitter, e na generalidade da Internet, as pessoas pensam que a realidade é diferente da de um jornal, de um livro ou de uma revista, mas os autores têm sempre de assumir as suas responsabilidades. Dizer que não se sabia [das consequências] não serve de desculpa."

Este não será o primeiro processo contra utilizadores do Twitter no Reino Unido, mas até hoje só um caso chegou a tribunal, e não foi por difamação. Em Novembro de 2010, o cidadão britânico Paul Chambers foi condenado a pagar uma multa por ter escrito no Twitter que iria fazer explodir o Aeroporto Robin Hood, em Doncaster, se a pista não estivesse sem neve, quando fosse visitar a sua namorada. Ao fim de uma condenação e de três recursos, o Supremo Tribunal de Londres decidiu em Julho deste ano ilibar Chambers da acusação de “publicar uma mensagem electrónica de carácter ameaçador, contrária à Lei das Comunicações de 2003”.
 
 

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