Tribunal absolve accionista do BCP que acusou banco de "enganar o povo"

BCP processou pequeno investidor que se vestiu de Cristo para protestar contra campanha de venda de acções do banco. A Relação absolveu-o e considerou legítimas as críticas.

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Manuel Nogueira em 2008 à entrada para uma assembleia de accionistas do BCP no Porto Paulo Pimenta

Um pequeno accionista do BCP que foi para a porta das instalações do banco protestar com cartazes onde acusava a instituição de “enganar o povo” acaba de ser absolvido do crime de ofensa a pessoa colectiva pelo Tribunal da Relação do Porto e não vai ter que pagar a indemnização que a instituição reclamava.

Os bancos devem considerar “atípicas as manifestações públicas de cidadãos que, no exercício do seu direito de liberdade de expressão, divulgam situações que podem ser enquadradas num comportamento de bullying banks [assédio dos bancos aos clientes]”, justificam os desembargadores da Relação do Porto.

O pequeno investidor de Fafe, que actualmente está a receber subsídio de desemprego, já tinha sido absolvido na primeira instância, mas os responsáveis do BCP decidiram recorrer da sentença. Manuel Nogueira ficou conhecido como o “Senhor dos Passos” por se postar à porta de vários edifícios do BCP vestido de Jesus Cristo, carregando uma cruz. Objectivo: vingar-se do banco por lhe ter transformado a vida num “calvário”.

Para os desembargadores da Relação, é legítima a “atitude crítica do cidadão comum” na denúncia daquilo que” vulgarmente se apelida de bullying banks”. Podem então os bancos praticar bullying? Tudo indica que sim. Fazem-no quando, através dos seus colaboradores, realizam “actos, intencionais e repetidos, com o objectivo de vender os seus produtos e serviços, colocando o consumidor numa atitude de acentuada vulnerabilidade decisória, designadamente por omitir a necessária informação para que seja tomada uma opção consciente”, especifica o acórdão da Relação.

Terá sido isso o que aconteceu com Manuel Nogueira, cliente antigo do BCP que, em 2000, decidiu gastar mais de 500 mil euros na compra de acções do banco, em seu nome e no de mais 27 familiares e amigos. Alegadamente aconselhado por funcionários, que lhe terão garantido a valorização das acções, pediu um empréstimo ao próprio banco e arriscou. Ao preço de mais de cinco euros cada, as acções acabariam por cair a pique, deixando-o numa situação aflitiva.

“Não tenho medo”
O pequeno investidor foi um entre muitos clientes do BCP que adquiriram acções nos aumentos de capital do banco, entre 200 e 2001, com crédito concedido pela instituição. Não foi o único a reclamar. Vários outros encenaram ruidosos protestos dentro e fora das assembleias gerais de accionistas, interpuseram processos em tribunal e apresentaram queixas à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), exigindo uma solução para os seus casos. Defendiam que tinham sido levados a comprar os títulos pelo banco — que, depois, quis executar os créditos que eles não conseguiam pagar, devido à desvalorização das acções.

Mas Manuel Nogueira foi seguramente o cliente que mais deu nas vistas. Em 2009, surgiu na entrada do edifício da Alfândega do Porto, onde se realizava uma assembleia de accionistas, de roupas roxas, peruca e barba postiças, carregando uma imponente cruz. No ano seguinte, voltou à assembleia de accionistas, com um cartaz exibindo uma capa do Diário Económico intitulada “CMVM segura de crime no BCP”. Dizia então Manuel Nogueira, citado pelos jornais: “Não tenho medo. Daqui a 20 anos, estarei cá com a mesma vitalidade”.

Em Novembro de 2010 cumpriu a promessa e voltou, desta vez para a porta das instalações do banco, no Porto, onde ficou posicionado horas a fio, durante dois dias, munido de um banco e, mais uma vez, de uma cruz de madeira e vários cartazes. “Se me deixarem viver estes crimes não vão esquecer”, “Fui enganado! Não posso ficar calado!”, “Enganaram o povo com as suas acções p´ra levar no bolso mais uns milhões”, proclamava.

Apesar de considerarem que a linguagem usada é “dura e abstractamente insultuosa”, os desembargadores da Relação defendem que não ficou provado serem falsos os factos e as afirmações contidas nos cartazes. Quando as acções do BCP começaram a subir, Manuel Nogueira ainda as tentou vender, “no que foi impedido pelos funcionários que lhe garantiram que iam subir” ainda mais, lembram, notando que a “agressividade da campanha” levou este e outros clientes a sentirem-se enganados.
 

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