Refer silencia caso de corrupção com empreiteiro na linha do Douro

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A Refer tem um inquérito parado sobre factura de obras na linha do Douro que apresentava valores impossíveis de justificar Paulo Ricca/PÚBLICO (arquivo)

A Refer tem conhecimento do assunto e diz que instalou um inquérito que está há dois anos parado. O caso aconteceu em Dezembro de 2000, quando um desabamento de terras ao quilómetro 85 da linha do Douro, perto da estação de Ermidas (concelho de Mesão Frio), provocou um descarrilamento do qual resultaria a morte do maquinista do comboio.

A Refer avançou de imediato com trabalhos de emergência para desimpedir a linha, dando luz verde a dois empreiteiros que estavam a trabalhar nas imediações para iniciarem a remoção de rochas caídas na via férrea.

A linha é reaberta à circulação alguns dias depois, mas os trabalhos decorrem entre 16 e 31 de Dezembro para consolidar as barreiras e evitar novos desabamentos.

Em Abril de 2001 a Sociedade de Empreitadas Ferroviárias (SEF), que é um dos principais empreiteiros da Refer na região norte, apresenta a factura n.º 30/2001, no valor de 386.909 euros referente a "serviços prestados resultantes das intempéries do ano 2000 na linha do Douro aos km 85,100 na zona do acidente de Ermidas conforme requisição de serviços em anexo".

A referida requisição discrimina um conjunto de equipamentos - giratória, camião, compressor, auto betoneira, retro-escavadora - que terão trabalhado ininterruptamente entre 500 a 800 horas.

Dias de 80 horas

De acordo com o mesmo documento, feitas as contas ao trabalho alegadamente realizado por aquelas máquinas, um dia teria de ter 85 horas para poder contemplar os transportes em camião que a empresa diz ter feito. O mesmo acontece com a auto betoneira, cuja quantidade de trabalho realizado só seria possível se um dia tivesse 80,8 horas, situação que se repete noutras máquinas.

No referente à mão-de-obra, para que a factura apresentada correspondesse à verdade teria sido necessário que 60 operários tivessem trabalhado ininterruptamente durante dez dias em três turnos de oito horas.

Ora o PÚBLICO apurou que a SEF só contribuiu com um número diminuto de meios na empreitada do km 85 da linha do Douro. De resto, dada a exiguidade do local, entre uma encosta e o rio que quase toca os carris, seria impossível concentrar ali uma tão grande quantidade de meios.

Em Setembro de 2004, quando confrontado com estes e outros factos (ver caixa), o então presidente da empresa, Brancaamp Sobral, assegurou que desconhecia o assunto e que mandaria instaurar de imediato um inquérito para apurar responsabilidades.

Poucos dias depois, um director da região norte era suspenso de funções, tendo-se reformado voluntariamente alguns meses mais tarde.

As consequências do km 85 terão ficado por aqui e até hoje a empresa pública Refer não foi ressarcida por ter pago indevidamente, com a conivência de técnicos da empresa, trabalhos que não terão sido realizados.

Meses de silêncio

Com a entrada de Luís Pardal na administração da Refer (em Outubro de 2005), o PÚBLICO voltou a questionar a empresa sobre o andamento do inquérito. Em 1 de Fevereiro deste ano, a Refer respondia que "a comissão de inquérito concluiu que, a nível de análise técnica, a quantidade de meios envolvidos não é ajustada à natureza da prestação do serviço e à exiguidade do espaço disponível para a execução".

A mesma resposta, enviada por escrito, dizia ainda que foram "apuradas responsabilidades a nível de procedimentos internos" e que a Refer tinha desencadeado as "competentes acções judiciais para demandar os trabalhadores no que concerne ao ressarcimento da empresa pelos danos sofridos".

Nos últimos meses, apesar da insistência do PÚBLICO, a Refer nada disse sobre este assunto.

No entretanto, a empresa continuou a adjudicar empreitadas à SEF, apesar das conhecidas histórias deste empreiteiro que a tem ludibriado (ver caixa). Recentemente, no Entroncamento, descobriu-se que camiões da O2 (uma empresa do mesmo grupo da SEF) estavam carregados com terra debaixo das travessas de madeira que transportavam, por forma a aumentar o peso da carga e poder, assim, cobrar mais à Refer.

Questionada sobre este assunto, a gestora de infra-estruturas ferroviárias também não respondeu. A SEF também não se mostrou disponível para prestar declarações.

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