Mapa traça o perfil do cultivo de transgénicos em Portugal
Organização não-governamental divulga dados oficiais obtidos após cinco acções judiciais.
Em dez anos, houve 1931 notificações de agricultores que declararam a intenção de semear o chamado milho-Bt – modificado artificialmente para produzir um insecticida contra a praga da broca.
Em 81% dos casos, a área cultivada foi inferior a 50 hectares. E em praticamente duas em cada cinco plantações (37%), o valor não chegou a dez hectares. Apenas 5% superaram os 100 hectares, numa década de milho-Bt em Portugal. A maior foi de 256 hectares, num empreendimento agrícola em Alvalade, Santiago do Cacém, em 2014.
Um mapa com os dados mais recentes, dos últimos dois anos, é publicado esta quinta-feira pela Plataforma Transgénicos Fora, que reúne várias organizações não-governamentais, como associações ambientalistas e de agricultores biológicos. Dele resulta que Santiago do Cacém é, de longe, o concelho com mais milho transgénico: cerca de 1200 hectares em 2014 e 1000 hectares em 2013. Coruche vem a seguir, com 850 e 870.
Não é apenas um mapa, mas uma base de dados com as informações individuais de cada exploração agrícola que plantou milho transgénico, incluindo o nome e a morada do agricultor.
“A opção de cultivo que cada empresário agrícola faz é uma opção económica que transcende a actividade privada. É como saber onde as empresas põem os seus resíduos”, argumenta Margarida Silva, da Plataforma Transgénicos Fora. “Não é uma perseguição aos agricultores. Acreditamos que esse cultivo implica riscos. E as pessoas têm de estar conscientes de onde está este risco. Estas informações não podem estar em segredo”, acrescenta.
O milho-Bt é a único organismo geneticamente modificado (OGM) cujo cultivo está autorizado na Europa. Passou pelo crivo da Agência Europeia de Segurança Alimentar e está regulamentado em Portugal. Para plantá-lo é preciso obedecer uma série de medidas, como manter distâncias mínimas de outras culturas, criar zonas de refúgio com milho convencional, notificar os vizinhos e fazer cursos de formação.
Tais medidas destinam-se a evitar riscos que a Plataforma Transgénicos Fora acredita que ainda assim existem, como alergias, impactos sobre outros insectos e a polinização de outras culturas.
A organização intentou cinco acções em tribunal, nos últimos anos, até conseguir ter acesso aos dados completos sobre as áreas cultivadas com transgénicos. O Governo recorreu de sucessivas decisões judiciais alegando, entre outras razões, o perigo de actos de vandalismo, como o que ocorreu em Silves, no Algarve, em 2007, quando cerca de cem pessoas destruíram uma plantação de um hectare.
Mesmo depois de todas as decisões judiciais em favor da divulgação completa dos dados, só parte da informação continua a ser disponibilizada no site do Ministério da Agricultura e do Mar (MAM). “Por forma a prevenir eventuais actos de vandalismo e ou de coacção, como sucedeu já na região do Algarve e em vários países da Europa, o MAM não procede à divulgação generalizada na Internet de outros elementos para além dos previstos na lei, e que incluem entre outros a identificação do agricultor e a sua morada”, explica o gabinete de imprensa do ministério, numa nota enviada ao PÚBLICO.
Segundo o ministério, as decisões judiciais não obrigaram à divulgação de todos os dados na Internet, “mas sim a possibilidade de consulta dessa informação por quem o solicite”. Qualquer um pode pedir esta informação, diz a nota.
Francisco Palma, presidente da Associação de Agricultores do Baixo Alentejo, diz que a publicidade da localização dos campos de milho-Bt já está garantida pela regulamentação existente no pais. “Quem planta transgénicos tem de informar os vizinhos todos de que o vai fazer e perguntar se alguém se opõe”, afirma.
Palma refere que os agricultores estão plenamente conscientes de que há um mercado para os transgénicos e outro para os não-transgénicos, por isso sabem que têm de seguir as normas de separação das culturas e do produto final. “Há regras muito apertadas”, diz. “Quem cultiva OGM não é nenhum bandido ou criminoso”, completa.
Ao longo de dez anos de cultivo no país, o milho transgénico conquistou a preferência de apenas uma pequena parte dos agricultores portugueses. A área cultivada numa década cobre pouco mais de um terço do plantio total de milho num único ano. Em 2014, o milho-Bt representou cerca de 6% da cultura de milho em Portugal.