A Net uniu esta Bíblia que estava partida em quatro

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A British Library comprou a maior parte das partes soltas da Bíblia mais antiga do mundo Kieran Doherty/Reuters

"É um dos manuscritos mais importantes da Bíblia", comenta o padre Armindo Vaz, que nas suas aulas na Católica já vinha anunciando aos alunos a colocação do códice na Internet. Opinião confirmada pelo director de manuscritos ocidentais da biblioteca britânica, Scot McKendrick: "O Codex Sinaiticus é um dos maiores tesouros escritos do mundo."

Tem "uma enorme importância para a história da fixação do cânone bíblico", acrescenta Armindo Vaz. Isto quer dizer que, nos primeiros anos do século IV, o Códice Sinaítico, como pode ser designado em português, já continha todos os livros que viriam a ficar na Bíblia cristã: todos os do Antigo Testamento na versão dos Septuaginta (ou dos Setenta, utilizada pelos judeus da diáspora, em que se incluíam mais sete livros que na utilizada em Israel) e todo o Novo Testamento tal como o conhecemos hoje.

Mas o Codex Sinaiticus continha ainda dois outros livros, que acabaram por não ganhar o direito a ficar no cânone bíblico tal como hoje o conhecemos: O Pastor, de Hermes, um livro apocalíptico (do qual existe já uma versão em português, editada pela Universidade Católica/Livraria Alcalá), e a Carta de Barnabé.

A inclusão destes dois textos no códice significa que outros livros "andaram por dentro do cânone", até este ser fixado - durante o século IV ele ganha forma quase definitiva, mas só na época da Reforma protestante, há cinco séculos, fica definitivamente estabelecido. A Igreja Católica assumiria os sete deuterocanónicos, assim chamados (Tobias, Judite, Macabeus I e II, Sabedoria, Eclesiástico e Baruc), os protestantes não os incluiriam, enquanto a Bíblia utilizada pelos ortodoxos contém ainda mais alguns.

Uma longa aventura

A importância do Codex Sinaiticus traduz-se ainda no facto de ele demonstrar que as comunidades cristãs dos primeiros séculos utilizavam essa versão dos Septuaginta como favorita.

A possibilidade de consultar agora na Internet (http://www.codex-sinaiticus.net/en/) o manuscrito deste códice põe fim a uma longa aventura das folhas por vários cantos da Europa. O filólogo e arqueólogo alemão Constantin von Tischendorf descobriu, em 1859, o manuscrito no Mosteiro de Santa Catarina, no Monte Sinai (Egipto). Estando à procura de manuscritos, ao serviço do czar russo, Tischendorf convenceu os monges a deixarem-no levar a Bíblia, para ser copiada em São Petersburgo.

O arqueólogo depositou uma parte do manuscrito na Biblioteca de Leipzig (Alemanha) e outra na de São Petersburgo (Rússia). A maior parte do códice seria, já em 1953, adquirida pela British Library. No Egipto, os monges descobriram entretanto, em 1975, mais uma dúzia de fólios, soterrados em escombros de paredes antigas.

Há quatro anos, as quatro instituições que guardavam partes do códice resolveram juntar-se para restaurar o manuscrito, digitalizar todas as 800 páginas ainda recuperáveis (entre as 1460 originais) e disponibilizá-las online. O Mosteiro de Santa Catarina ainda hesitou, explica-se no site do manuscrito, mas acabou por aderir ao projecto.

O texto foi escrito em grego, por vários escribas, que utilizaram pergaminho de pele de boi, em folhas que medem 40 centímetros por 35. "É um dos mais antigos tesouros escritos do mundo", afirmou ontem Scot McKendrick, citado pela Reuters.

O outro códice contemporâneo deste é o Codex Vaticanus, que data da mesma época e está desde 1475 guardado nos arquivos da Santa Sé, e que contém também praticamente os mesmos textos.

A British Library tem patente uma exposição sobre o manuscrito, a propósito do lançamento do site, e que inclui vários artefactos históricos relacionados com o códice.

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