Ex-gestores dos CTT respondem por danos de 13,5 milhões de euros

MP fala de gestão danosa. No centro do caso está um prédio em Coimbra que num só dia foi vendido por 14,8 milhões de euros e revendido por 20 milhões

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Carlos Horta e Costa, antigo secretário-geral do PSD (aqui, numa imagem de Março de 2010 nas eleições do PSD) Rui Gaudêncio

Quase uma década depois dos factos e três anos após a acusação, três ex-administradores dos Correios e outros oito arguidos começam hoje a ser julgados no Tribunal de Coimbra, acusados de participação económica em negócio e gestão danosa. Além dos antigos administradores dos então CTT há também, entre os outros arguidos, figuras ligadas ao PSD. Alguns estão acusados por actos de corrupção.

Na acusação, o Ministério Público (MP) calcula que aquela empresa pública terá sido lesada em cerca de 13,5 milhões de euros em função de cinco actos de gestão, que vão desde a alienação de imóveis à contratação de serviços de consultoria e de formação até à extinção do Banco Postal. 

Todos estes actos foram concretizados no mandato da equipa de gestão presidida pelo antigo secretário-geral do PSD Carlos Horta e Costa, que decorreu entre 2002 e 2005, abrangendo os governos liderados por Durão Barroso e Santana Lopes. Horta e Costa é um dos acusados, tal como outros dois administradores: Manuel Batista e Gonçalo Rocha.

Entre aqueles negócios avulta a venda do edifício central dos Correios de Coimbra, transacção que no mesmo dia proporcionou aos compradores uma mais-valia a rondar os 5,2 milhões de euros. Além de não ter havido qualquer concurso ou anúncio público sobre a intenção de venda por parte dos Correios, os mesmos compradores viriam meses depois a adquirir um outro prédio aos Correios, na Av. da República, em Lisboa, por 12,5 milhões. 

Neste caso, o pagamento foi feito com um cheque que se verificou não ter provisão, isto, apesar de ter sido aceite com uma data de cinco dias após a assinatura da escritura. O "incidente" foi ultrapassado com um acordo em que os CTT exigiam apenas receber metade do montante que o comprador obtivesse com a venda do imóvel acima dos 12,5 milhões da compra. 

Outras das particularidades deste negócio reside no facto de ele se ter concretizado antes de obtida a necessária autorização do Ministério das Finanças, então tutelado por Manuela Ferreira Leite. A escritura teve lugar a 30 de Dezembro de 2003 e só no dia seguinte é que seria emitida aquela autorização. 

É, no entanto, no caso de Coimbra que entronca o grosso da acusação, o que terá, de resto, justificado que o processo tenha sido remetido para o tribunal desta cidade. A investigação teve origem numa denúncia anónima em 2005, mas o caso acabou por ter um impulso definitivo com os relatórios das averiguações da inspecção do Ministério das Obras Públicas e da Inspecção de Finanças, desencadeados após a tomada de posse do primeiro Governo de José Sócrates.

Além dos responsáveis pela administração dos Correios, a investigação da Polícia Judiciária apontou para o envolvimento de vários intermediários, neles se incluindo destacados militantes do PSD de Coimbra. Por um lado, era preciso assegurar o negócio de compra e, por outro, a imediata revenda a uma empresa do universo do Banco Espírito Santo, a ESAF, Espírito Santo Activos Financeiros, SA. Isso implicava garantia de rentabilidade, ou seja, de que haveria clientes para o arrendamento dos espaços, o que seria feito através de serviços e organismos públicos sediados na cidade.

O negócio concretizou-se a 20 de Março de 2003, com os CTT a venderem o prédio de Coimbra por pouco mais de 14,8 milhões de euros à empresa Demagre, que logo a seguir o revendeu à ESAF por 20 milhões. As escrituras foram feitas uma a seguir à outra no Cartório Notarial de Alcobaça e, logo a seguir, no mesmo dia, os gerentes da Demagre levantaram um milhão de euros em notas de 500 no banco ao lado, que os investigadores concluíram terem sido para luvas. 

Outra singularidade do caso: a Demagre ser detida por empresas registadas no paraíso fiscal das Ilhas Virgens Britânicas que só nesse mesmo dia foi adquirida pelos dois protagonistas do negócio. O seu capital social era de cinco mil euros.

Suspeitas de corrupção

Apesar de a Polícia Judiciária (PJ) ter encontrado documentos sugerindo o pagamento de luvas e comissões a vários intervenientes, o Ministério Público não conseguiu acusar muitos deles pelo crime de corrupção por não haver provas de que tenham recebido as verbas. Sintomático é o caso do milhão levantado em notas de 500 no banco em Alcobaça no dia das escrituras. O comprador, sócio da Demagre, foi obrigado a deixar no banco uma declaração dizendo que era para "pagamento de comissão de intermediação", tendo-lhe sido apreendida também uma lista com os supostos destinatários. Uma semana depois foram levantados da mesma conta, agora em Lisboa, mais 600 mil euros em 12 molhos de 50 mil, correspondendo a uma outra lista de seis destinatários com "dois molhos para cada".

No caso do milhão de Alcobaça, o empresário disse à PJ que o dinheiro foi logo ali entregue numa pasta ao seu advogado que estaria encarregado da distribuição. Este confirmou ter recebido a pasta, mas disse que se deslocou de imediato para o escritório do mesmo empresário, em Lisboa, onde a depositou. A PJ não encontrou, no entanto, quaisquer vestígios de passagem da viatura do advogado nesse dia pelas portagens da A1. Já quanto aos 600 mil euros em pacotes de 50 mil, os investigadores acabariam por encontrar alguns depósitos de 50 mil nas contas de parte dos destinatários da lista apreendida ao sócio da Demagre. Tudo isto acontece no âmbito de uma conta condicionada autorizada pelos máximos responsáveis do BCP, aberta pelos sócios da empresa compradora com vista ao negócio - ou seja, foi autorizado o levantamento daquele milhão e a emissão do cheque de 14,8 milhões, por antecipação à entrada do cheque de 20 milhões que a ESAF haveria de depositar para a compra do edifício de Coimbra.

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