As linhas "persas" de Leila Sadeghi, empreendedora imigrante do ano

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Sadeghi começou a trabalhar em centros de estética e beleza há dois anos SÉRGIO AZENHA

Em 2005 deixou o Irão para se instalar em Coimbra. Hoje tem um salão de beleza onde usa técnicas invulgares em Portugal. E sente-se em casa

As mãos de Leila Sadeghi, de 29 anos, estão entrelaçadas em linhas de algodão branco e é debruçada sobre o rosto da cliente que vai desenhando uma curva perfeita ao longo das sobrancelhas. "Isto é que é a depilação com linha", diz, enquanto aplica a técnica no salão de beleza que tem em Coimbra. Foi há cerca de uma semana que, por telefone, ficou a saber que era uma das vencedoras do prémio Empreendedor Imigrante de 2010. O prémio, da Plataforma Imigração, é entregue hoje, ex aequo, à empresária iraniana e a Ana Pérez, uma imigrante venezuelana, que fundou um coro gregoriano em Penafiel.

Leila Sadeghi soube do prémio "quase por acaso", na página da Fundação Gulbenkian. Leu as histórias dos anteriores vencedores e reconheceu-se nelas: a de Elisabeta Necker, a imigrante romena, empregada de contabilidade e tradutora, que criou associações de apoio a imigrantes e que venceu o prémio em 2007; ou a de Mariana Serpinina, a vencedora de 2008, natural da Rússia, que imigrou para Portugal com o 9.º ano de escolaridade, fez um curso de Gestão e fundou uma empresa; ou o caso de Oleksandr Ostapenko, o ucraniano que venceu o prémio no ano passado, e que por ter sentido dificuldades em comunicar decidiu desenvolver cursos áudio de Português para imigrantes.

Tudo começou em Madrid

Foi em 2005 que Leila Sadeghi deixou a capital iraniana, Teerão, onde vivia, e chegou a Coimbra com o marido. Mas tudo começou em Madrid. "O meu marido foi lá fazer uma conferência sobre engenharia robótica e, depois, surgiu um convite da Universidade de Coimbra para que ele viesse fazer doutoramento para aqui", recorda.

A mudança entusiasmou-a, despertou-lhe a curiosidade. Sentiu dificuldade com a língua, mas o inglês que aperfeiçoou na licenciatura em Literatura Inglesa, no Irão, foi-lhe útil em Portugal. "É claro que não me conseguia fazer entender em persa, mas em inglês sim. E foi assim que fui aprendendo as primeiras palavras em português", conta.

Começou a trabalhar em centros de estética e beleza e, há dois anos, quando já frequentava um mestrado de Línguas e Relações Empresariais, em Aveiro, decidiu abrir um salão próprio, em Coimbra, para oferecer tratamentos de beleza raros em Portugal. "Quando cheguei, por exemplo, praticamente não havia depilação com linha. Mas no Irão é um método tradicional e muito comum", diz.

Mãos que fazem milagres

Na sala de entrada do salão Face Studio há quatro cadeiras e, a um canto, em cima de uma mesa, um samovar, um recipiente em metal usado na cultura persa para servir chá. Ouve-se a água a ferver. A sala está cheia de clientes. Quando uma delas espirra, Leila Sadeghi diz de imediato: "Santinho!" Toda a gente se ri.

Dizem as clientes que as mãos de Leila Sadeghi fazem milagres no rosto das mulheres. No Irão, além da licenciatura em Literatura Inglesa, foi fazendo cursos de estética e chegou a trabalhar como caracterizadora numa agência de modelos. "Em Teerão há muito dinamismo na indústria da moda e nos serviços de beleza para mulheres, sobretudo nos centros de estética apenas dedicados ao rosto", conta Leila Sadeghi. Não é por acaso: se muitas mulheres iranianas, por preceito religioso, cobrem o cabelo e grande parte do corpo, é ao rosto, que permanece destapado, que dão mais atenção. "É fundamental. Quando cheguei a Portugal, uma das diferenças que notei é que as mulheres portuguesas maquilham-se pouco em relação às iranianas."

Apesar das diferenças culturais, vai-se habituando aos rituais da nova cultura. Deseja feliz Natal a todas as clientes, ainda que não o festeje. Faz votos de bom ano, ainda que no Irão o ano novo - o Noruz - seja só celebrado no primeiro dia da Primavera, a 21 de Março.

Mas, na forma como os portugueses olham para o Irão, Leila Sadeghi também já se deparou com ideias difíceis de desmontar. "Não nos diferenciam de todos os países árabes e do mundo muçulmano. Pensam que somos um país muito religioso. Mas, tal como noutros países, há praticantes e não praticantes e, em muitos aspectos, somos completamente diferentes do resto do mundo árabe", diz.

Quando pode, doa parte dos rendimentos a favor de instituições de solidariedade, como a Unicef ou a Sol e, apesar de o marido já ter terminado o doutoramento, não se vê ainda a marcar a viagem de regresso ao Irão. "Sinto que sempre vivi aqui. Não me sinto como uma estrangeira. Sinto-me mesmo integrada", conta. Tem como projecto lançar uma loja de produtos de beleza orientais online. O prémio de 20 mil euros atribuído pela Plataforma Imigração pode já ter destino.

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