Sobre a importância de uma directiva europeia
“Um estudo da Agência dos Direitos Fundamentais, que inquiriu ciganos em 11 países (entre os quais Portugal), mostra que 90% dos inquiridos vivem abaixo do limiar de pobreza, um terço está desempregado e, em média, apenas uma em cada duas crianças ciganas frequenta a educação pré-escolar ou o jardim-de-infância”, relata Andreia Sanches no PÚBLICO de terça-feira. E acrescenta: “Cerca de 45% dos ciganos vivem em habitações que não têm pelo menos uma das seguintes instalações básicas: cozinha, casa de banho, chuveiro ou banheira no interior da habitação e electricidade, revelou ainda o estudo publicado no ano passado.”
Em Portugal, a Estratégia Nacional para a Integração das Comunidades Ciganas (ENICC), que responde a anteriores indicações europeias, prevê que verbas do Fundo Social Europeu (FSE) comparticipem em 80% um investimento de mais 347 milhões de euros. Destes, quase 371 mil euros destinam-se à educação com o objectivo de que 60% das crianças ciganas terminem a escolaridade obrigatória e que 2% dos jovens concluam a universidade. Já perto de 332 milhões de euros têm como fim a qualificação da habitação e realojamento (PÚBLICO, 10/12/2013).
Inclusão não é anulação do que são as especificidades do património cultural cigano. É tão-só a integração da diversidade de um povo que tem vivido abaixo dos limiares de dignidade de vida que constituem os valores da Europa. Têm mesmo, na maioria dos casos, vivido abaixo dos patamares da vida humana. Os ciganos não são bichos. São pessoas e como pessoas devem ser tratados pelo Estado e pela sociedade. Deixar os ciganos permanecer num submundo, sem um esforço de inclusão, é desistir do princípio de que as pessoas, todas as pessoas, têm direito a uma vida justa e digna. Deixar os ciganos permanecer remetidos a espécie de “Lumpen” social, é assumir que há pessoas de primeira e pessoas de segunda.
É certo que, para que haja integração, é preciso que os ciganos o queiram. Perpetuar os mitos de que os ciganos resistem aos que são diferentes, de que os ciganos são todos traficantes de droga ou ladrões, de que os ciganos não querem trabalhar é ceder ao fácil e ser conivente com o segregacionismo social, é concordar com a ideia de que há “raças menores” ou até “raças malditas”.
É verdade que a maioria dos ciganos vive em habitações com condições pré-modernas. E que, num primeiro momento, podem resistir à mudança para casas com condições de saneamento básico e as comodidades modernas. Mas a integração já feita mostra que essa resistência é inicial. A adaptação faz-se sem grandes sobressaltos, pelo menos não maiores do que em outras comunidades. E a integração habitacional já feita tem potenciado o ingresso de crianças no ensino.
O estudo que citámos mostra que metade das crianças ciganas não frequenta ainda a escola. Mas, além da melhoria das condições de habitabilidade, há outras formas de tentar potenciar a inserção escolar, se as instituições estiverem atentas e levarem a cabo programas específicos. É claro que haverá abandono escolar, mas ele é uma realidade também, em menor ou maior grau consoante os países, entre todas as crianças e jovens europeus. Lembremos que em Portugal o abandono escolar foi em Portugal de 20,8% contra 12,8% em média na União Europeia, segundo a Pordata.
É certo que na comunidade cigana a violência sobre as mulheres, o casamento forçado e todas as formas de discriminação das mulheres atingem hoje patamares inauditos para o que são os padrões de vida ocidentais. Mas também, por isso mesmo, deve investir-se em relação à inclusão dos ciganos. E adoptar programas contra a discriminação de género como tem sido feito para outros públicos específicos na Europa, desde os jovens aos idosos, passando, por exemplo, pelas comunidades de imigrantes ou pelas populações rurais.
Se ficarmos pelo comodismo social e cívico de que os ciganos não mudam porque não querem, se nos acantonarmos na arrogância de uma falsa superioridade de quem olha para os outros negando-lhes o estatuto de pessoas, estamos, no fundo, a desistir do que são os valores e a vivência do paradigma humanista que está na base do sermos europeus.
P.S. – Ao contrário do que escrevi a semana passada, o ensino obrigatório passou a ser de seis anos em 1964, sob o ministério de Inocêncio Galvão Teles, cabendo a Veiga Simão a estruturação e o impulso do ensino inclusivo neste e noutros aspectos.