Aflições do Presidente
O nosso Presidente precisa de se acalmar.
Primeiro, a distância entre o parlamento e o governo de um lado, e do outro a indiferença dos portugueses pelo regime aumenta dia a dia. Segundo, os grandes partidos (o PS e o PSD) não têm uma “cultura de compromisso” e não se querem, ou não se podem entender. Estabelecido isto, o dr. Cavaco evita cuidadosamente avançar com qualquer solução, porque essa audácia excederia os poderes que a Constituição lhe concede. Os portugueses ficaram assim um pouco embasbacados e foram como de costume à sua vida.
Ninguém explicou ao nosso excelso Presidente que uma parte apreciável do país detesta e teme o que ele considera uma virtude salvífica. Muito bom cidadão não vê qualquer diferença entre o PS e o PSD – teórica, programática ou metodológica – excepto uma franja radical, que vive ainda por volta de 1930. O descrédito dos partidos está mais no facto de eles não se distinguirem do que no facto de se odiarem por causa do monopólio ou da ausência do que o Estado lhes dá ou eles prestimosamente roubam ao Estado. Este arranjo das coisas durou 60 anos na lamentável história da nossa liberdade, talvez não seja familiar ao dr. Cavaco, mas nada o impede de se informar, mesmo que esse dificultoso exercício o obrigue de quando em quando a ler um livro.
Quanto à famosa “aproximação” entre as personagens que pastoreiam a Pátria e o nobre povo que nós sempre somos, há uma pequena dificuldade. Os mecanismos que se inventaram para se chegar a esse paraíso de cidadania falharam sempre. O círculo uninominal acabou por se tornar um feudo do deputado do círculo e corromper a própria população: o voto era invariavelmente comprado ou coagido, o recenseamento feito e refeito com o simpático voto dos defuntos (o PS de Braga não inventou nada) e as contagens falsificadas. A famigerada “lista nacional” provou à saciedade ser um óptimo caminho para a ditadura. E a mistura destas várias subtilezas (sobretudo se metiam também a representação proporcional) produziram rapidamente a pulverização dos parlamentos. O nosso Presidente precisa de se acalmar.