"As mulheres que paguem a crise"
Os dados já divulgados mostram que a média dos países da União Europeia em 2011 é a de que as mulheres ganharam menos 16,2 % do que os homens, uma diferença que se traduz no facto de as mulheres terem trabalhado de graça 59 dias, de acordo com os padrões salariais auferidos pelos homens. Esta diferença média na União Europeia é idêntica à de 2010, contra 17,2% em 2009 e 17,3% em 2007, existindo assim uma diminuição de 1,1% em quatro anos.
A tendência de diminuição da União não se verifica, contudo, em Portugal. Em 2007, a diferença salarial entre mulheres e homens era de menos 8,5%, subindo para 9,2% em 2008, para 10% em 2009, para 12,8% em 2010 e para 12,5% em 2011 – ou seja, ainda que entre 2010 e 2011 tenha havido uma diminuição de 0,3%, o que é facto é que, entre 2007 e 2011, há um aumento de 4% de diferença salarial de género.
Estes números encaixam na janela temporal da crise económica e social que se iniciou em 2008, o que pode ser um indicador importante de análise do modo como a austeridade e o empobrecimento afectam mais as mulheres do que os homens. E mostra como a erosão salarial, provocada pela política de austeridade em Portugal, passa pela maior perda de massa salarial pelas mulheres.
A conclusão de que as mulheres têm sido mais penalizadas pela crise entronca noutros dados sobre Portugal. Recorde-se que o perfil do desemprego em Portugal sofreu no segundo trimestre de 2012 uma inversão histórica. Pela primeira vez, nas estatísticas portuguesas, havia mais homens do que mulheres desempregados (PÚBLICO 24/08/2012). Uma mudança que podia então já ser indiciadora de que as mulheres eram poupadas ao desemprego por receber salários mais baixos.
A diferença salarial entre mulheres e homens é um dos problemas que se têm revelado de difícil combate em Portugal e no resto da União Europeia. As orientações da Comissão Europeia existem. Mas a própria Comissão Europeia sublinha no seu relatório este aspecto, salientando até alguns obstáculos a nível europeu: falta de transparência dos sistemas de remuneração, ausência de padrões precisos em matéria de igualdade de salários e inexistência de informações claras destinadas aos trabalhadores que são alvo de desigualdades.
E reconhece que se mantém uma situação para a qual contribuem problemas como “a discriminação no local de trabalho, a diferenciação do valor do trabalho nos sectores em que ambos os géneros laboram, práticas no local de trabalho e sistemas de pagamento, a subvalorização do trabalho e competências das mulheres, o facto de haver menos mulheres em posições de liderança, o peso da tradição no papel da mulher e a articulação entre responsabilidade familiar e profissional” (PÚBLICO 10/12/2013).
Em Portugal o assunto tem sido abordado por mais de um governo, através de estudos e de orientações assumidas por responsáveis. Já com o actual Governo, em 2012, a propósito do Dia Internacional da Mulher, o ex-ministro Miguel Relvas e a secretária de Estado Teresa Morais prometeram que o executivo iria actuar por forma a dar indicações às empresas através da Concertação Social. Miguel Relvas falou genericamente em igualdade no local de trabalho. Teresa Morais foi específica a apontar o tema da diferença salarial de género.
O que terá acontecido a estas intenções? É verdade que este não é um problema que se resolva por decreto. Assim como é verdade que a liberdade de negociação das condições de emprego e de remuneração deve ser respeitada. Mas há orientações que são já dadas e legalmente enquadradas sobre condições laborais. E a mudança da realidade pode ser estimulada através de incentivos e de campanhas de persuasão e de explicação das razões por que se deve combater e acabar com esta discriminação de género, tal como acontece, por exemplo, em relação à violência doméstica.
Há uma dimensão que não se compreende por que não é usada, a da Concertação Social. Por que razão as organizações laborais e as patronais não assumem as questões da igualdade de género como centrais dos seus acordos e das indicações que enviam para as empresas e para os sindicatos? Será que os critérios de combate à crise podem admitir o agravamento das discriminações de género? Será que o machismo se mantém assim tão incrustado na mentalidade das elites representativas da sociedade portuguesa? Será que a Concertação Social adoptou como lema a frase: “As mulheres que paguem a crise”?<_o3a_p>