A Internet mudou a nossa vida

Gutenberg foi o inventor da prensa móvel. A sua invenção verdadeiramente célebre foi a combinação de vários elementos num sistema prático que permitiu a produção em massa de livros impressos, o que se tornou economicamente rentável para gráficas e leitores. Depois de Gutenberg tudo mudou: milhares de livros foram depressa impressos e a leitura generalizou-se.

Há quem sustente que a Internet desencadeou uma nova "revolução", comparável à mudança da era de Gutenberg. É indesmentível como mudou as nossas vidas. Em primeiro lugar, pela democratização do conhecimento que implica: qualquer pessoa pode aceder com rapidez à informação e ao conhecimento a partir de uma simples pesquisa num computador, acessível em muitas casas e locais públicos. Depois, pela mudança na nossa forma de comunicar, à distância e na proximidade.

O semanário Expresso informava, na semana passada, que 55% dos portugueses utilizam a Internet, o que corresponde a 6 milhões de pessoas; e quase metade da população (4,7 milhões de portugueses) circula pelo Facebook. É sabido como muitos portugueses emigrantes comunicam para Portugal pelo Skype: famílias inteiras juntam-se à volta do computador para falar com os seus familiares que residem e trabalham no estrangeiro, namorados comunicam o seu amor pelo iPad, às vezes a partir de uma rede livre que captam num recanto da rua.

As gerações mais novas não escrevem cartas de amor, como os seus avós, nem consultam jornais, como os seus pais. As próprias mensagens do telemóvel são agora, algumas vezes, substituídas por um contacto rápido no Facebook. Trabalhos científicos ou matrizes para testes escolares convivem lado a lado nas redes sociais, numa impressionante rede comunicacional. O próprio conceito de "virtual" carece de discussão, porque a comunicação por via electrónica se torna cada vez mais "real": ao contrário do que se pensava no início, os jovens comunicam pelo Facebook com os mesmos amigos com quem acabaram de estar  na escola, porque "falar" no computador é quase tão importante como trocar impressões no intervalo das aulas.

Em casa, muitos pais criticam os filhos pelas longas horas passadas no computador, mas esquecem-se que eles mesmos não largam o Facebook ou o jogo electrónico favorito. Dizem que os filhos não lêem, mas há muito que não pegam num romance ou num pequeno ensaio. E continuará assim: a imprensa escrita será lida por cada vez menos pessoas e os romances tirão tiragens cada vez menores, se não se pensar na leitura e na escrita de uma forma diferente.

O incentivo à leitura não se poderá continuar a fazer com palestras tradicionais, feitas por pessoas que gostam de ler, para outras que não têm esse hábito; ou pela propaganda de livros carimbados com Ler+, em selecção discutível. O caminho passa por leituras partilhadas, na família e na escola, a partir de suportes digitais, que devem incluir sons e imagens que estimulem a fixação da atenção, tornada agora mais volátil pela estimulação permanente.

No campo moral, a computação pode mudar hábitos e valores, numa dimensão ainda desconhecida: que pensar de uma máquina com capacidade de substituir o homem e decidir por ele?
Em Portugal, pouco se fala deste tema. Pouco se fala de tudo.    

Esta crónica foi publicada na Revista 2, edição de domingo 12 de Janeiro de 2014 

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