Há 20 anos na cadeira de sonho

Quem não gostou de Championship Manager nunca irá gostar; quem gostou já não vive de outra forma – um treinador virtual escreve sobre o amor à primeira vista.

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PAULO PIMENTA

Algures durante o sétimo ano, enquanto esperava numa das intermináveis filas na cantina, ouço um diálogo intrigante:

- Peguei ontem na Lazio. O Nedved e o Crespo são máquinas; estou isolado no campeonato e cheguei nas calmas à segunda fase da Champions.

- Eu estou com o Leeds. Na primeira época fui logo campeão, mas tenho o Kewell lesionado nove meses e tenho agora de ir buscar alguém.

Mas de que é que estavam a falar? Jogar na Champions? Ter preocupações por causa da lesão da estrela da equipa? Esta foi a minha primeira experiência analógica com o ainda inexplorado mundo do Championship Manager. Os meus colegas veteranos do jogo explicaram-me muito resumidamente do que se tratava:

- Tomas conta de uma equipa e jogas como treinador. Escolhes tácticas, compras e vendes jogadores.

O marketing não era claramente a vocação destes colegas, mas isso não importava. Esta era aquela altura em que um miúdo de 13 anos respira futebol, seja através de cromos, de peladinhas nos intervalos, dos resumos da Liga Espanhola que passavam na TVI (ainda hoje sou assaltado por aquele paso doble que acompanhava os anúncios), ou o saudoso Virtua Striker, com aqueles gráficos que tornavam os jogadores numa espécie de zombies mal alimentados. Não sabia bem o que teria pela frente, mas era urgente experimentar.

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A capa do primeiro Championship Manager, lançado em 1992

Os recursos eram limitados naquele tempo, pelo que, no início, tive de me contentar com a versão demo, gratuita, do jogo. Era a edição da época 2000/01 e só dava acesso às ligas inglesas, com o jogo a durar apenas até ao Natal.

Foi amor à primeira vista. Escolhi o Leicester City, que naquela época tinha conseguido um lugar de acesso à Taça UEFA e por isso pareceu um desafio interessante. Lembro-me de escolher cuidadosamente o onze para o jogo inaugural da época, pois sabia que tinha de causar uma boa primeira impressão junto dos exigentes adeptos.

Partimos rumo ao jogo e ouve-se o apito inicial, seguido de um bruá gravado e constante que irá acompanhar as partidas. E o que eram estes jogos? Muito simplesmente tratava-se de um relato escrito das principais jogadas, sobre um fundo com as cores da equipa que atacava. Neste ponto, os menos poéticos questionam qual o interesse de um videojogo de futebol em que não se vê nem um jogador nem uma bola.

Todos nós que nos vimos capturados pelo universo CM já ouvimos este tipo de comentário. Ao início ainda se tenta explicar, mostrar que é essa simplicidade, diria até austeridade, que tornaram o jogo tão apelativo. Mas a tarefa é inglória. Quase vinte anos de CM mostraram-me que quem não gostou nunca irá gostar; quem gostou já não vive de outra forma.

Como explicar os batimentos cardíacos acelerados, à medida que os 90 minutos se aproximam e estamos a perder na primeira final da Liga dos Campeões a que conseguimos chegar com o Beira-Mar? E, de repente, as letras no centro do ecrã explodem num piscar frenético aurinegro: é o dramático golo do empate tardio.

Conto já 17 anos de treino virtual, em que acompanho a evolução da saga, mas com frequentes regressos às versões mais antigas. Nestes anos, as horas de euforia seguiam-se às de drama. Qualquer jogador de CM tem o seu panteão pessoal das super-estrelas virtuais, quase sempre sem qualquer ligação com a vida real. Nomes como Tó Madeira, Maxim Tsigalko, Kim Kallstrom, Cherno Samba ou Sergey Nikiforenko despertam ecos de golos e vitórias em todos nós. Se pensar bem, não deve haver assim tanta coisa que me acompanhe de forma tão consistente e há tanto tempo como o CM.

Um quarto de século

Foi há precisamente 25 anos, a 1 de Setembro de 1992, que os irmãos Collyer decidiram lançar o “simulador mais realista de treino de futebol de sempre”, como se apregoava na capa original do jogo. A febre espalhou-se, a saga cresceu, o jogo foi aperfeiçoado. Pelo meio, em 2004, a Sports Interactive, fundada pelos Collyer, desentendeu-se com a Eidos e renomeou a série como Football Manager, nome que se mantém até hoje.

Milhões de cópias foram vendidas – muitas mais pirateadas – mas é a influência que a saga CM/FM exerce sobre cada jogador que mais atesta sobre a sua relevância. Há estudos académicos sobre o “culto” em torno do jogo e, segundo o livro Football Manager Stole My Life (que conta várias histórias de obsessões), o CM foi invocado em mais de 35 casos de divórcio no Reino Unido. Há várias notícias de fãs que fizeram milhares de quilómetros para conhecer os clubes e os jogadores que tantas alegrias lhes deram virtualmente.

Não tenho histórias tão extremas, tirando os tais batimentos cardíacos acelerados, ou aquela vez em que eu e o meu irmão obrigámos o meu pai a conduzir até Alcains numa tarde tórrida de calor apenas por causa da nossa fixação pelo clube que tínhamos treinado na Segunda B e levado à glória. Não façam perguntas difíceis.

Alguém resumiu o CM a qualquer coisa como “a apresentação de PowerPoint mais bem-sucedida da história”. Eu chamar-lhe-ia um amor à primeira vista que dura há 25 anos.

Há 20 anos na cadeira de sonho é uma de duas crónicas a propósito dos 25 anos de Championship Manager. Pode ler a outra aqui.

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