Normandia dá uma oportunidade à paz entre a Ucrânia e a Rússia

Primeiro encontro entre Vladimir Putin e Petro Poroshenko serviu para reconhecer que é preciso parar o conflito no Leste ucraniano. "Posso dizer que as negociações estão a começar", disse o Presidente ucraniano.

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François Hollande manteve Barack Obama e Vladimir Pustin distantes Kevin Lamarque/Reuters

As imagens captadas pelas câmaras de televisão mostram um encontro informal, que não durou mais de 15 minutos, com Poroshenko a manter um semblante carregado enquanto ouvia as palavras da mediadora improvisada, a chanceler alemã, Angela Merkel. No final da conversa, as agências noticiosas citaram fontes anónimas do Palácio do Eliseu, que avançaram a disponibilidade de Putin e Poroshenko para promoverem conversações com vista a um cessar-fogo no Leste do país.

A ser verdade, este seria o primeiro grande passo no sentido de uma possível resolução pacífica para o conflito, mas significaria também que Kiev e Moscovo teriam de ultrapassar importantes barreiras, a começar pelo reconhecimento da legitimidade do novo Presidente ucraniano por parte de Vladimir Putin.

Segundo uma fonte da Presidência francesa não identificada, citada pela BBC, foi isso mesmo que dominou a conversa entre os dois chefes de Estado e a chanceler alemã: "Eles conversaram sobre possíveis medidas para aliviar [a crise no Leste da Ucrânia], incluindo de que forma a Rússia poderia reconhecer a eleição de Poroshenko."

Mais tarde, o Presidente eleito da Ucrânia, que toma posse neste sábado, revelou-se satisfeito com o resultado do breve encontro com Vladimir Putin. "Como é natural, o tom geral do encontro foi muito tenso. No entanto, o aspecto positivo é que o diálogo finalmente começou. Posso dizer que as negociações estão a começar", declarou Petro Poroshenko.

A versão oficial do Kremlin, transmitida pelo porta-voz Dmitri Peskov, não incluiu a expressão "cessar-fogo", mas o responsável referiu-se à necessidade de se "travar rapidamente o derramamento de sangue no Sudeste da Ucrânia, bem como os combates de ambas as partes". "Confirmou-se que não há nenhuma alternativa a uma resolução pacífica e política neste conflito", afirmou Dmitri Peskov.

Não é ainda possível perceber se a referência russa ao fim dos "combates de ambas as partes" será aceite, pelo menos nestes termos, pelas autoridades ucranianas, que se referem à operação que lançaram contra os separatistas como uma "operação antiterrorista" – poucos dias depois de ter sido eleito, a 25 de Maio, Petro Poroshenko disse mesmo que a insurgência das milícias pró-russas, a quem chamou "bandidos", seria derrotada "numa questão de horas".

Numa confirmação de que as divergências de fundo não se moveram um milímetro, o Presidente russo disse mais tarde que, apesar de receber com agrado a proposta de Petro Poroshenko com vista ao fim do conflito, o Governo ucraniano deve parar a operação militar "punitiva" contra os separatistas no Leste da Ucrânia, e avisou que irá aprovar "medidas protecionistas" se Kiev assinar um acordo de associação com a União Europeia.

Obama e Putin também falaram
Mais resguardados dos olhares públicos, os Presidentes da Rússia e dos Estados Unidos também trocaram impressões, já no interior do castelo de Bénouville.

O primeiro encontro imediato entre Barack Obama e Vladimir Putin desde a anexação da Crimeia pela Rússia, em Março, não durou mais do que 15 minutos. No final, o vice-conselheiro da Casa Branca para a Segurança Nacional, Benjamin Rhodes, disse que o Presidente norte-americano reforçou o que já tinha transmitido na quinta-feira.

"O Presidente Obama deixou claro que o alívio da tensão depende de a Rússia reconhecer o Presidente eleito [da Ucrânia] Poroshenko como o líder legítimo da Ucrânia; de pôr fim ao apoio aos separatistas no Leste da Ucrânia; e de parar o fornecimento de armas e equipamento através da fronteira", disse Benjamin Rhodes.

Vladimir Putin negou sempre estar a apoiar com soldados ou equipamento as milícias separatistas pró-russas. Para a Rússia e para os rebeldes da autoproclamada República Popular de Donetsk, os russos que chegam ao Leste da Ucrânia são voluntários, e não combatentes ao serviço de Moscovo.

Mas a exigência fundamental, para já, é só uma: que Putin aceite Poroshenko como Presidente da Ucrânia. O resto – espera Washington – será construído passo a passo. "Se a Rússia aproveitar a oportunidade de reconhecer e trabalhar com o novo Governo de Kiev, o Presidente Obama indicou que poderá haver abertura para reduzir a tensão", disse o vice-conselheiro da Casa Branca para a Segurança Nacional.

O porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, disse que os dois chefes de Estado "concordaram com a necessidade de se pôr fim à violência" no Leste da Ucrânia. "É um passo modesto, mas ainda assim positivo", admitiu Peskov, citado pelo The New York Times, acrescentando que a conversa decorreu num tom cordial e que não foram feitos planos para um novo encontro, formal ou informal.

A conversa entre Barack Obama e Vladimir Putin teve lugar depois da fotografia de grupo dos líderes mundiais que marcaram presença nas comemorações do 70.º aniversário do Desembarque na Normandia.

Numa situação normal, o anfitrião das comemorações, o Presidente François Hollande, talvez tivesse posado para a fotografia ladeado por Barack Obama e Vladimir Putin, mas a crise na Ucrânia levou-o a adoptar uma estratégia para evitar que os dois líderes ficassem tão próximos um do outro que seria difícil escaparem a um aperto de mão.

Com a rainha de Inglaterra ao seu lado direito e a rainha da Dinamarca ao seu lado esquerdo, Hollande conseguiu afastar um pouco mais os líderes dos Estados Unidos e da Rússia, que assim evitaram trocar palavras, e até olhares em público.

Separatistas abatem avião
Enquanto Vladimir Putin e Petro Poroshenko conversavam na Normandia, os ventos na Ucrânia eram de tudo, menos de mudança.

Em Slaviansk, na província de Donetsk, os separatistas abateram um avião Antonov An-30 das forças ucranianas, de reconhecimento, e mataram pelo menos um elemento das forças especiais do Ministério do Interior.

"O avião foi abatido no centro da cidade. Aconteceu tudo perante os meus olhos. Foi uma visão maravilhosa. Os habitantes que viram aplaudiram", disse à agência Reuters Viacheslav Ponomariov, autoproclamado presidente da Câmara de Donetsk.

 

 

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