China corta 300 mil militares no exército e centra a política de defesa no mar
A festa dos 70 anos do fim da guerra foi planeada antes da queda da bolsa, que fez o país perder poder e Xi perder brilho. A parada militar de Tiananmen aconteceu, mas a China não saiu dela como um país agregador e confiável.
O anuncio oficial foi feito por Xi Jinping, o Presidente que falou aos convidados e às tropas a partir de um automóvel chinês estacionado praticamente debaixo do enorme retrato de Mao Tsétung que preside à praça no centro de Pequim. Para a ocasião, Xi abdicou do seu habitual fato e gravata, escolhendo um traje igualzinho ao que Mao veste na imagem.
Não houve, pois, pormenores descurados na festa com que os responsáveis chineses quiseram lembrar ao mundo o sacrifício que o exército e o povo chineses fizeram quando ajudaram o mundo a derrotar o “fascismo” e a “escuridão” — palavras de Xi —, em 1945. Ou talvez houvesse um, justificado com a diferença entre a historiografia chinesa e a dos restantes envolvidos no conflito mundial, com a última a frisar que o exército nacionalista de Chiang Kai-shek (que, derrotado por Mao, partiu para Taiwan) foi mais fundamental na derrota dos japoneses do que o exército do povo de Mao Tsétung. Mas num sinal de que o nacionalismo chinês está mais abrangente — e de que é maior a sua vontade de unificar o território —, pela primeira vez foram convidados para a celebração do fim da guerra veteranos nacionalistas.
Agora como há 70 anos, o “inimigo” —mais do que a ideia do fim da guerra, em Pequim celebrou-se a derrota do Japão — não foi poupado. “A guerra de resistência do povo chinês contra a agressão japonesa e a guerra anti-fascista foram batalhas decisivas entre a justiça e o mal, entre a luz e a escuridão, entre o progresso e o reacionarismo”, disse Xi. “A China nunca procurará expandir-se e nunca provocará a outra nação o sofrimento a que foi submetido”, prosseguiu.
Pouco depois das cerimónias, o Governo japonês reagia às palavras de Xi. “Tóquio tinha pedido que a celebração não se tornasse um acontecimento anti-Japão, contendo em vez disso elementos de reaproximação entre o Japão e a China”, disse um porta-voz do executivo de Tóquio, Yoshihide Suga, citado pela revista The Diplomat. Porém, acrescentou, “foi decepcionante que esses elementos não estivessem no discurso do Presidente Xi Jinping”.
Obama não foi
Xi desenhou toda a celebração como uma oferta de paz a um mundo em risco. “A guerra é uma espada de Demócles que continua sobre a cabeça da humanidade”, disse, oferecendo o esforço chinês para um planeta pacífico.
Mas as referências ao Japão, a vontade de hegemonia marítima — que as reivindicações territoriais em ilhas oficialmente de outros países mostram —, a demonstração de força e a ausências de convidados refrearam os planos do Presidente chinês.
Xi planeara (antes da crise da bolsa, que lançou uma nuvem de desconfiança sobre a China e lhe retirou brilho e poder) uma festa de escala planetária, com a presença de todos os grandes líderes. Compareceram muitos convidados: os chefes de Estado russo e venezuelano, Vladimir Putin e Nicolás Maduro, a Presidente sul-coreana, Park Geun-hye, líderes da Ásia Central, o primeiro-ministro sérvio, Aleksandar Vucic, e o secretário-geral das Nações Unidas, o sul-coreano Ban Ki-moon, cuja presença foi criticada pelo Japão que considerou que a organização devia manter a sua “neutralidade”. Moon respondeu. Citado pelo The Guardian, disse que “a contribuição e sacrifício da China durante a II Guerra Mundial são reconhecidos”.
A maior parte dos dirigentes ocidentais, porém, declinou o convite — por exemplo o Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, a chanceler alemã Angela Merkel, e o Presidente francês, François Hollande. Abe também não foi, mas um japonês assistiu ao desfile das novas armas chinesas — o país onde o simbolismo é tão valorizado como na China enviou o ex-primeiro-ministro Tomiichi Murayama, autor da Declaração de Murayama, que no 50.º aniversário do fim da guerra pediu desculpa pelo sofrimento causado pelo Japão.
As ausência foram explicadas pelos analistas precisamente com o carácter militarista e nacionalista da celebração — acrescido do factor Tiananmen, a praça onde aconteceu a repressão do movimento democrático de 1989.
Se tivesse ido a Pequim, Obama teria visto passar, no meio da parada de 12 mil tropas (algumas de países convidados), a nova arma chinesa, o Dongfeng-21-D que, disseram unanimemente os analistas, foi concebida para, nesta nova política de defesa virada para o mar e para as novas tecnologias — factores na base da reforma das Forças Armadas e da diminuição de efectivos —, aniquilar o equipamento mais crucial para a estratégia de defesa dos EUA na Ásia Pacífico, os porta-aviões.
“Como um míssil anti-balístico intercontinental, [o Donfeng-21D] foi criado para entrar em órbita, mas após a reentrada na atmosfera tem capacidade para ser dirigido até ao alvo, fazendo com que, teoricamente, a ogiva possa atingir um navio em movimento ou que o impacto seja muito próximo dele. A China tem capacidade para construir cerca de 1200 deles ao preço de um caça”, lia-se no jornal Financial Times. “Há mais simbolismo neste míssil do que em qualquer outra arma chinesa”, disse a este jornal Ashley Townshend, do departamento de estudos estratégicos da Universidade de Sydney, na Austrália. “Este é o míssil que potencialmente perturba a capacidade dos EUA aproximarem o seu poder militar da costa chinesa”.
Xi queria mostrá-lo a Obama antes de chegar a Washington, que visita oficialmente antes do final de Setembro, mas o Presidente americano não lhe deu essa oportunidade.