Alcaide de Olivença retira carga bélica à recriação da Guerra das Laranjas

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Olivença preserva, nas suas ruas e em cada esquina, traços da presença portuguesa de seis séculos paulo ricca

Peça de teatro sobre a anexação do território português pelo exército espanhol, em 1801, foi transformada numa história de amor entre um jovem oliventino e uma moça de Badajoz

A recriação histórica da Guerra das Laranjas, que se propunha realçar o episódio bélico da anexação de Olivença em 1801, durante a 1.ª Invasão Francesa, foi transformada numa peça intitulada Sentimentos históricos, que tem no seu epílogo a ligação amorosa entre um jovem oliventino e uma rapariga de Badajoz.

Uma intervenção "discreta" do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) português junto do alcaide de Olivença, Píriz Bernardino, terá sido determinante nas alterações verificadas na encenação teatral, admite o historiador Carlos Luna, acérrimo defensor da devolução do território ocupado a Portugal. O PÚBLICO tentou ontem confirmar esta versão junto do MNE, mas sem sucesso. Também a posição manifestada em Março passado por um grupo de deputados socialistas portugueses, junto do Governo, advertindo-o de que o "assunto" de Olivença poderia "ferir susceptibilidades históricas e nacionais", pode ter surtido efeito.

A iniciativa promovida por Píriz Bernardino mereceu o repúdio dos presidentes de câmara de Elvas, Vila Viçosa e Campo Maior, que se manifestaram contrários à recriação histórica da ocupação de Olivença. Os autarcas advertiram para os riscos de recordar um acontecimento dramático que "deixou feridas abertas" na comunidade oliventina até hoje.

Mal-estar dos dois lados

O mal-estar causado pelo anúncio da recriação do evento militar estendeu-se a boa parte da população de Olivença, "incluindo aqueles mais espanholistas", considera Carlos Luna, que garante ter escutado, em diversas deslocações à localidade, a "indignação" de muitos elementos da comunidade local. "Ninguém, excepto os oliventinos, tiveram a ideia de celebrar a guerra que os derrotou e comemorar a conquista, que matou tantos dos seus antepassados", destacou, por sua vez, o historiador espanhol Ramon de la Torre, num artigo de opinião no diário Hoy, que se publica na região da Extremadura.

Quando se pensava que a memória da presença portuguesa se circunscrevia a alguns elementos da população mais velha, a decisão do alcaide "desconfortou" boa parte da comunidade, que "não gostou da iniciativa", constata Carlos Luna. Esta posição veio igualmente provocar muitas interrogações, e o resultado está expresso "num recuo no sentido das comemorações" idealizadas pelo jovem alcaide eleito pelo Partido Popular espanhol, observa Gonçalo Couceiro Feio, vice-presidente do Grupo dos Amigos de Olivença. As informações que recolheu da realização da peça teatral dizem-lhe que "foi muito mais pequena" em figurantes e tempo de representação do inicialmente programado.

A leitura que é possível fazer da peça teatral da autoria do dramaturgo extremenho Isidro Leyva, poucas horas após ter terminado, revela uma acentuada mitigação do enredo associado à Guerra das Laranjas. O alcaide explicou ao PÚBLICO que as referências à componente bélica se reduzem a um curto período temporal. Passou a destacar o período da história de Olivença entre 1282, quando passou a fazer parte da coroa portuguesa - através do Tratado de Alcanizes, que restabeleceu a paz entre Portugal e o reino de Castela e fixou os limites fronteiriços entre os dois reinos -, e 1801, quando foi consumada a anexação, na sequência da Guerra das Laranjas, que se mantém até hoje.

O alcaide de Olivença assume que, "após a polémica causada por membros do Partido Socialista Operário Espanhol e por deputados socialistas portugueses", o mal-estar "terminou". Píriz Bernardino acredita que os laços com Portugal "saíram reforçados" com a reposição histórica dos 600 anos da presença portuguesa em Olivença.

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