A casa dos peixes atlânticos

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Um escritório com mobiliário do século XIX com vista para janelas onde desfilam tubarões, corredores que parecem submarinos, focas em piscinas banhadas pelas marés. Ana Pedrosa (texto) e António Sá (fotos) fizeram uma visita com sabor a aventura ao Aquarium Finnisterrae, na Corunha, dedicado em especial às espécies que habitam o Oceano Atlântico. Foi assim que, numa manhã de nevoeiro, encontraram Nemo

Últimos dias de férias passadas na costa galega. Já havíamos conjugado todas as formas possíveis de diversão na praia, desde piqueniques ao crepúsculo à exploração de poças de maré, de mergulhos em apneia a pescarias em tardes de morrinha, passeios pelos areais, descoberta de lagoas costeiras. Mas o garoto, cujo filme favorito é À procura de Nemo e diz que um dia há-de ser biológo marinho, ouviu-nos numa conversa com um casal de espanhóis que aconselhava vivamente a visita ao Aquário Finisterrae, repetindo "a los niños, les encanta".

E assim o que era apenas uma hipótese passou a plano definitivo quando as previsões meteorológicas avisaram céus nublados para a manhã seguinte.

Cerca de uma hora de caminho até à Corunha, faz-se bem em auto-estrada. Se estivéssemos em Sanxenxo acrescentaríamos uns quarenta minutos, um pouco mais ou menos conforme o sítio escolhido para descanso estival. De qualquer forma, uma distância razoável para uma saída de um dia, que pode ser complementada com visitas ao planetário da Casa das Ciências e ao Domus, museu inteiramente dedicado à evolução e genética do ser humano.

Quanto a nós, adivinhávamos já que a duração média de duas horas prevista para a visita do Aquário Finisterrae seria estendida para mais do dobro, à conta de crianças que gostam de investigar tudo até ao tutano, das exposições temporárias de fotografia dedicada à temática marinha ao jardim botânico com espécies do litoral galego, não esquecendo as brincadeiras na enorme âncora pousada no terraço.

Peixes, peixões, peixitos

A excitação dos muitos "já chegamos?" e a corrida para a bilheteira dá lugar à observação atenta assim que nos aproximamos dos primeiros reservatórios, dando razão aos que afirmam ser o azul uma cor relaxante. Ou então é o vaivém hipnótico dos cardumes que os obrigam a atentar nas espécies distintas, ajudados por painéis informativos com os seus nomes em várias línguas. Há sardinhas e peixes-rei, bodiões e corvinas, douradas e linguados camuflados no fundo arenoso. O desfile continua ao longo de cinco tanques com enormes congros e sinuosas moreias a rivalizarem no misto de fascínio e medo que provocam às crianças. O que aqui não existem são animais de longitudes exóticas. A sala Maremagnum, que ocupa grande parte do primeiro piso, é inteiramente dedicada às espécies do Atlântico, com especial incidência nos ecossistemas marinhos da Galiza. Por isso, um dos tanques mostra peixes a nadarem entre cachos de mexilhões, tal como acontece nas rias galegas, de onde sai a maior produção mundial destes bivalves.

A sala estende-se agora para uma zona multifacetada onde os grupos se espalham. Os miúdos dividem-se entre os jogos, os aquários de medusas que admiram de olhos arregalados e a Poça das Carícias. Cautelosos no início, tacteiam as estrelas-do-mar, as carapaças dos caranguejos e os picos dos ouriços. Quando algum catraio se torna mais audaz e os afagos se transformam em apertos, os monitores chamam--no para ver à lupa os camarões mais pequenos ou os detalhes das anémonas.

Dali a nada já estão entretidos noutra secção, chamada "pezqueñices", um viveiro com crias de tubarões, enguias, rodovalhos e minúsculos peixes-agulha. Mas aquilo que lhes arranca as maiores expressões de espanto são os ovos de raia e tubarão, colocados num expositor iluminado de forma a podermos observar os movimentos dos irrequietos embriões. Ao lado, um painel mostra os recordes das maiores posturas (continuamos a falar apenas dos peixes do Atlântico); ali aprendemos que uma única sardinha produz ao longo da sua vida entre 50 a 60 mil ovos, uma ninharia se comparados com a média de três a oito milhões que uma fêmea de congro desova.

Apesar do tanto que já vimos e aprendemos, ainda a visita não vai a metade. Depois da vitrina dos fósseis, dos complexos nós de marinheiros, da fila de frascos com areia das várias praias galegas (aprendi que a de Laxe, uma das minhas preferidas, é a que tem a areia mais fina) e do recanto das baleias, ainda regressámos aos barcos telecomandados para uma corrida em família. Quem venceu? A fome, que começava a apertar...

Ao encontro de Nemo

A pausa para almoço é aproveitada para os deixar brincar um pouco no terraço, à sombra da Torre de Hércules, o mais antigo farol de origem romana ainda em uso, recentemente acrescentado à lista da UNESCO como Património da Humanidade. Como a Casa de los Peces (nome por que também é conhecido o Aquário) foi construída sobre os rochedos costeiros, dali só vemos um horizonte marinho, como se estivéssemos na proa de um navio a tentar perscrutar bandos de golfinhos. Entretanto chega a altura de irmos, literalmente, à procura de Nemo.

A busca ganha contornos de aventura ao atravessamos um corredor em tudo semelhante ao interior de um submarino, com as paredes em metal, instrumentos para medir a profundidade e a pressão e portas estanques.

O mistério adensa-se quando, ao descermos por uma escadaria de madeira, se começa a ouvir música sinfónica. Logo descobrimos que estamos no Nautilus, mais concretamente no escritório de Nemo, o capitão de Vinte Mil Léguas Submarinas. O cenário segue à risca a descrição do livro de Júlio Verne. Os armários do século XIX guardam louça em porcelana e colecções de conchas, há cartas marítimas espalhadas, velhos mapas emoldurados, cadeirões sobre tapeçarias e uma mesa com entalhes dourados na penumbra. Atrás, rente ao vidro da janela, desfila um tubarão-touro, seguido por um cardume de robalos. Estamos no centro de um tanque com mais de quatro milhões de litros de água, que alberga uma trintena de espécies de peixes, de peixes-lua a rodovalhos. Poderia ser apenas mais um aquário, mas este ambiente de fantasia dá-lhe um toque mágico, que fascina tanto os adultos como as crianças.

Ao regressarmos à superfície, os olhos têm de se habituar à luz para atinar com o acesso para a piscina das focas, situada numa zona banhada pelas marés. Quando julgávamos que as emoções tinham terminado, ainda há este bailado dos dorsos cinzentos a rodopiar na água, espreitando de quando em vez a reacção dos espectadores de palmo e meio. Estes depressa se esquecem como tinham ficado desapontados por falharem a hora da alimentação.

Lara, Paula e Vega, três das fêmeas, continuam nas suas acrobacias quando partimos. Não tem nome a que trouxemos connosco e ainda hoje, com a sua macieza de peluche, embala os sonos de um menino que sonha com o mar.

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