Fukushima não é Tchernobil

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Cálculos aproximados indicam que a fuga será, no máximo, equivalente a dez por cento da de Tchernobil

A magnitude do recente terramoto no Japão foi superior à do terramoto de Lisboa de 1755. Os dois foram os maiores de sempre nos respectivos países, mas o do Japão entrou para o quarto lugar da lista dos maiores terramotos mundiais, empurrando o de Lisboa para fora do top ten. Além do enorme poder devastador, tiveram em comum o modo como ele se manifestou: primeiro o forte abalo com epicentro no mar, depois um gigantesco tsunami e depois ainda focos de incêndio. A terra, a água e o fogo criaram o caos. Mostrando o enorme progresso ocorrido na prevenção sísmica, o número de mortos é bem menor: estima-se em cerca de 27.000 no Japão, um país densamente povoado, dos quais apenas 11.258 confirmados até à data, e cerca de 50.000 em Portugal. Aprendemos com o terramoto de Lisboa a defender-nos das fúrias da terra. Foi na capital lusa onde, pela primeira vez, se reconstruiu uma grande urbe arrasada por forças naturais.

No Japão, está, contudo, a ocorrer uma desgraça outrora inimaginável. Com efeito, foi no início do século passado que o casal Curie descobriu que um só grama de rádio, um elemento presente em minérios de urânio, dava para aquecer numa hora um grama e pouco de água desde o ponto de gelo ao ponto de vapor. Era cem vezes mais calor do que o fornecido por um grama de carvão, com a vantagem de que este se consumia, enquanto o rádio podia continuar a aquecer água. Pois agora, em Fukushima, dada a inusitada amplitude do abalo, quatro reactores, que usavam a descoberta dos Curie, foram danificados. A situação é grave, mais grave do que em Three Mile Island, em 1979, onde a radioactividade não se espalhou, mas, felizmente, não tão grave como em Tchernobil, em 1986, onde se difundiu a grande distância uma nuvem radiante.

Os reactores não resistiram ao tsunami, que inutilizou os sistemas de refrigeração. Mantendo-se o combustível nuclear muito quente e não havendo circulação da água onde ele está imerso, as coisas não podiam correr bem. Tornou-se necessário colocar mais água de fora, o que foi feito e continua a ser feito por várias maneiras. A má notícia é a libertação de isótopos radioactivos. Não é uma fuga em massa e repentina como em Tchernobil, mas sim pequena e continuada. Cálculos aproximados indicam que a fuga será, no máximo, equivalente a dez por cento da de Tchernobil. É mau, mas muito longe da tragédia que alastrou na Europa oriental e na Escandinávia. Há um morto em Fukushima contra cerca de 4000 em Tchernobil. O evento é local, sendo a notícia da chegada de uma nuvem aos Açores um disparate completo, já que ninguém detectou aí radioactividade adicional. Os engenheiros e operários japoneses estão, num esforço sobre-humano, a atacar o problema. Tem sido um trabalho de Sísifo: a água entra por cima e uma parte aparece contaminada por baixo. A luta pelo arrefecimento e contra o derrame poderá durar, não se sabe quanto tempo. Planeia-se colocar robôs-bombeiros e aplicar uma resina sintética que fixe as partículas radioactivas. Os japoneses têm mais meios que os soviéticos...

Pierre Curie, ao profetizar que "a humanidade tirará mais bem do que mal das novas descobertas", acertou. Apesar do mal sofrido na pele pelas populações de Hiroxima e Nagasáqui, a utilização pacífica da energia nuclear prevaleceu. Hoje cerca de 15 por cento da electricidade mundial é gerada em centrais nucleares e a cura de doenças graves é feita em todo o lado com a ajuda da Física Nuclear. Como ninguém quer regressar ao século XVIII, será impossível abdicar a curto e médio prazo do nuclear. As centrais a carvão poluem e provocam mais vítimas do que as nucleares, se levarmos em conta as doenças que dizimam os mineiros. Por sua vez, o petróleo é uma matéria-prima escassa, estando o seu preço em subida galopante. As energias renováveis são, por ora, muito caras e pouco eficientes. De modo que não há outro remédio a não ser reforçar a segurança das centrais nucleares. Nada de novo, pois foi, afinal, o que se fez com a construção mais segura após o desastre de Lisboa. Professor universitário (tcarlos@uc.pt)

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