Viagem com Natureza

Sabah, Bornéu
O APELO DA SELVA

Flores do tamanho de um pneu de camião, veados anões, plantas carnívoras capazes de albergar um rato, árvores com mais de cem metros de altura, cobras e lagartos voadores... Bem-vindo ao Bornéu, paraíso da biodiversidade onde, a cada momento, se encontram diferentes formas de vida - em 2006 o WWF (Wildlife Fund for Nature) anunciou que desde 1994 tinham sido ali descobertas 400 novas espécies, entre plantas, répteis, peixes e até um mamífero semelhante a uma raposa. Situada entre o sudeste asiático e a Austrália, a terceira maior ilha do planeta está politicamente dividida pela província indonésia de Kalimantan, o sultanato de Brunei e os estados malaios de Sarawak e Sabah. Foi este último território que percorremos durante três semanas, embrenhados numa floresta com mais de dez milhões de anos.
"Não é exactamente o Hilton". A frase, encontrada num livro de visitantes, revelava o espírito de quem tinha passado alguns dias num acampamento na selva,. Na verdade, as condições desafiavam qualquer tipo de classificação. O alojamento fazia-se em plataformas elevadas onde repousava um fino colchão de espuma protegido por um mosquiteiro com buracos suficientemente largos para deixar passar um exército de formigas. Um telhado suportado por três paredes protegia da chuva, e a ausência de porta garantia uma visão desafogada de troncos imersos numa água barrenta, garantindo um despertar natural quando os primeiros raios de luz davam o mote para que a constante cacofonia da floresta aumentasse de volume.
O termo de responsabilidade assinado antes de embarcar para a viagem de duas horas que nos levaria, rio abaixo, até ao coração da selva, não só ilibava o responsável pelo acampamento de qualquer coisa que pudesse acontecer, como deixava entrever o que aguardava o viajante. Além de questões práticas como o horário das refeições, a lista de quatro páginas incluía dicas de como agir no caso de dar de caras com um grande mamífero ("não corra e, sobretudo, não grite") e aconselhava a não caminhar muito perto das raízes de grandes árvores ("covil habitual de cobras").
Cada um ficava por sua conta, com canoas à disposição para explorar os meandros do rio e uma rede de trilhos com indicação do que já tinha sido avistado em cada um deles. De elefantes a calaus, de crocodilos a aves-do-paraíso e diversos tipos de macacos, o rol era o sonho de qualquer naturalista. Porém, conseguir vê-los não é tarefa simples. Oitenta por cento das espécies existentes nesta selva habita a copa das árvores que, no Bornéu, são excepcionalmente altas. Mesmo primatas tão grandes como os orangotangos só raramente descem ao solo, dormindo e alimentando-se muitos metros acima das nossas cabeças. O mesmo fazem as aves, os anfíbios, e até alguns mamíferos e répteis que desenvolveram pregas de pele para poderem planar entre os troncos esguios. Há todo um universo bizarro lá no cimo que não conseguimos vislumbrar. No chão deambulam os raros rinocerontes-de-Sumatra, veados pouco maiores que um coelho, pangolins e a maior concentração de elefantes da ilha, que chegam a andar em manadas de 40 indivíduos. Um par de javalis visita-nos ao fim da tarde, aparecendo por trás da cozinha improvisada, à espera de alguma sobra. As civetas, de hábitos nocturnos, preferem lutar pelos restos quando já todos dormem. Acordados pelo som de uma luta felina, só na manhã seguinte vimos as suas pegadas impressas na lama. Quando os candeeiros a petróleo se acendem, ao anoitecer, a mesa de jantar é invadida por centenas de insectos. Folhas verdes e translúcidas, folhas acastanhadas meio roídas, paus voadores, enormes mariposas - a maior parte tem formas extravagantes, impossíveis de descortinar durante o dia, no meio da folhagem.
Noite escura. Jumaat propõe-nos uma saída. Selva adentro, guiados por um rapaz descalço, olhos e ouvidos alerta, um pânico inconfessável ao mínimo restolhar. Mais ainda quando pede para desligarmos as lanternas. É então que ele levanta um ramo iluminado por cogumelos fosforescentes... Há sempre algo novo que nunca vimos ou ouvimos falar, segredos que a selva guarda para os profundos conhecedores. No último dia conseguimos ainda avistar um grupo de macacos probóscides, empoleirados numa figueira nas margens do rio. Com um nariz sobredimensionado e uma barriga dilatada, estes primatas são ainda chamados pelos locais de "orang belanda" - Homem Holandês -, pelas suas semelhanças com os colonizadores europeus.

A raflésia não é uma flor que se queira ver num "bouquet". Os exemplares maiores chegam a atingir um metro de diâmetro e nove quilos de peso e, além disso, exalam um cheiro fétido de carne em putrefacção, que apenas atrai as moscas que a polinizam. Apesar disso é sempre com alegria que se descobre um botão florido, acontecimento que dura apenas três dias, depois de 9 meses de crescimento lento. Os botânicos que ocorrem ao Parque Nacional do Monte Kinabalu, classificado em 2000 pela UNESCO como Património da Humanidade, procuram, com ajuda de guias locais, presenciar o milagre de ver a maior flor do mundo em todo o seu esplendor. Se isso não acontecer, não lhes falta matéria de deslumbre: 70 espécies de carvalhos, 80 tipos de figueiras, cerca de 1200 espécies de orquídeas (algumas tão minúsculas que só se podem ver com uma lupa), musgos com um metro de altura.
Para observar muitas destas plantas é preciso ascender ao colosso que domina a paisagem. Com 4101 metros de altitude, o Monte Kinabalu é a montanha mais alta do Sudeste asiático. O percurso de dois dias começa em plena selva, entre majestosas dipterocarpias, para ascender em patamares até à "floresta das nuvens" envolta numa névoa constante, onde crescem fetos gigantescos e cachos de orquídeas se debruçam de troncos musgosos. Os bosques de bambu dão lugar a arbustos de rododendros. Quando o solo se torna pobre em nutrientes, surgem então as plantas carnívoras como a
Nepenthes rajah, que chega a atingir trinta centímetros de diâmetro. A partir do 3300 metros, a vegetação desaparece quase completamente. Nos punhados de terra entre a rocha nua só sobrevivem diminutas plantas alpinas.
Estamos no cume às seis da manhã, a tempo de assistir ao nascer do Sol sobre o imenso oceano verde que se estende aos nossos pés. Ali, numa das regiões mais selvagens do globo, há um orangotango a acordar para mais um dia na selva.

Texto: Ana Pedrosa
Fotos: António Sá

COMO IR
Terá que viajar até Kuala Lumpur, capital da Malásia. A KLM (www.klm.com) oferece as melhores ligações com tarifas que a partir de 860? para o percurso de ida e volta, a partir de Lisboa e com paragem em Amsterdão. De Kuala Lumpur para Kota Kinabalu, capital do estado de Sabah, existem numerosos voos da Malaysia Airlines - http://www.malaysiaairlines.com - por cerca de 40 ?, ida e volta.

QUANDO IR
A Malásia tem o típico clima tropical: quente e húmido durante todo o ano, com temperaturas entre os 20º e os 30º, o que significa que pode andar sempre com vestuário leve e fresco. No entanto, se planeia subir ao Monte Kinabalu tenha em atenção que, no cume, a temperatura matinal desce aos 0º. Em Sabah, a estação das chuvas decorre entre os meses de Outubro e Fevereiro.

ONDE FICAR
Apesar das condições de alojamento muito básicas, a estadia no acampamento da selva Uncle Tan é uma experiência memorável. O programa básico de 3 dias, que inclui duas noites de alojamento, transporte por estrada e barco até ao acampamento, todas as refeições e safaris com guias locais, custa 77 ? por pessoa. O preço de cada noite adicional é de 16?. Mais informações em http://www.uncletan.com/wildlifetour.html
O Borneo Rainforest Lodge oferece alojamento bem mais confortável, no vale do rio Danum onde também podem se encontram algumas das espécies emblemáticas do Bornéu. Safaris nocturnos e um passeio numa ponte suspensa a 30 metros de altura são actividades a não perder. Aqui a estadia de duas noites, com transporte, refeições e visitas guiadas custa 525 ? por pessoa, em quarto duplo. Pode saber mais em www.borneorainforestlodge.com
Junto à sede do Parque Nacional do Monte Kinabalu encontra diversos tipos de alojamento, desde camaratas para 8 pessoas a bungalows luxuosos. Em qualquer deste casos as reservas fazem através do mail infor@suterasanctuarylodges.com
No site do Turismo Oficial do Sabah - www.sabahtourism.com - encontra diversos tipos de alojamento no estado, dos melhores resorts de praia a hostels para viajantes independentes.

SEPILOK, O LAR DOS ORANGOTANGOS

Localizada junto à cidade de Sandakan, Sepilok é uma reserva de 4000 hectares, criada em 1964 com o objectivo de reintroduzir no habitat natural os orangotangos órfãos encontrados na selva pelos madeireiros ou descobertos nas alfândegas de todo o mundo, vítimas de um tráfico tristemente comum. Neste centro de reabilitação os animais são acolhidos, tratados e ensinados a viver na floresta por pessoas dedicadas que, aos poucos, procuram libertá-los dos traumas do cativeiro.
Um passadiço de madeira embrenha-se na vegetação tropical até uma plataforma onde, duas vezes por dias, os tratadores vêm trazer leite e bananas, complemento dos alimentos que os jovens orangotangos conseguem encontrar na floresta. Os visitantes da reserva podem vir até aqui, para observar este ritual quotidiano e as brincadeiras das crias.
A cerca de meia hora dali uma outra plataforma acolhe os exemplares adultos. Aqui o alimento proporcionado pelos tratadores é mais escasso para que, aos poucos, os animais de vão habituando a prover-se de forma independente, até que o contacto humano seja reduzido ao mínimo para assegurar o regresso à selva.
Pouco sociáveis e extremamente silenciosos, os orangotangos raramente se deixam observar em liberdade, pelo que esta é uma oportunidade única para ver de perto estes animais extraordinários que os povos locais apelidaram de Orang Hutan - o homem da floresta.

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