A filha de Sarah Palin é um mau exemplo?

A irmã de Britney Spears foi mãe aos 17.
A filha adolescente de Sarah Palin está grávida.
Num liceu de Massachusetts, 18 alunas fizeram
um pacto e engravidaram. A culpa, dizem alguns, é dos conservadores, que encaram a maternidade adolescente como uma declaração ética contra o aborto

a Que a candidata a vice-presidente republicana Sarah Palin é uma mulher conservadora já todos os norte-americanos sabiam. Que é contra o aborto e feroz apoiante dos programas que promovem a abstinência sexual até ao casamento, também. Por isso, o anúncio de que a sua filha de 17 anos está grávida dificilmente seria notícia de rodapé. E, apesar do travão que o próprio Barack Obama quis colocar no assunto (não nos esqueçamos de que também ele é filho de uma mãe adolescente), os jornais e as televisões dos Estados Unidos da América apressaram-se a recuperar para a actualidade um problema que andava esquecido: os EUA são campeões no que toca à taxa de gravidezes adolescentes, muito à frente de qualquer país da Europa, com uma média de 750 mil por ano. Num país em que a direita conservadora se tem esforçado para que as mães adolescentes sejam olhadas com orgulho, espécie de declaração ética contra o aborto, o método anticoncepcional mais eficaz parece ser... um programa de televisão, o polémico Show Baby Borrowers, da NBC, em que casais de namorados sub-20 são convidados a mudar fraldas, dar biberões e a cuidar de bebés em carne e osso. Já lá iremos.
Por agora, registe-se que o mais recente relatório do Centers for Disease Control and Prevention (CDC), a maior agência governamental de saúde norte-americana, mostrou que, em 2006, a taxa de gravidezes adolescentes aumentou, pela primeira vez, em quinze anos. A verdade é que nunca chegou a estar baixa. Números: em cada mil adolescentes entre os 15 e os 19 anos de idade, 44 engravidam. É uma taxa bastante acima da britânica, que se fica pelas 27 gravidezes por cada mil adolescentes naquela faixa etária (Portugal aparece imediatamente a seguir, com 22/1000).
Na discussão sobre as razões para tão elevada taxa de gravidez entre as adolescentes tem vingado o argumento daqueles para quem o problema se combate promovendo a abstinência sexual entre os teen. A Administração norte-americana continua a investir milhões de dólares para levar às escolas públicas a mensagem de que os jovens ganham em retardar o início da sua vida sexual até ao casamento. Sarah Palin é uma feroz apoiante destes programas e, enquanto governadora do Alasca, garantiu por várias vezes que jamais apoiaria programas que incluíssem educação sexual e informações sobre contraceptivos ou sexo seguro.
Entre as organizações que, como a National Campaign to Prevent Teen and Unplanned Pregancy (NCPTUP - Campanha Nacional para Prevenir as Gravidezes Adolescentes e Não Planeadas), se têm esforçado por promover o uso de anticoncepcionais, o receio é que casos como o de Bristol Palin convençam a generalidade das adolescentes de que a gravidez é algo fácil e com glamour. Percebe-se a preocupação. Em Junho, Jamie Lynn Spears, a irmã mais nova da cantora Britney Spears, com apenas 17 anos, apareceu nas revistas cor-de-rosa com a sua bebé acabada de nascer. Voltou a soar alto o alarme quanto a uma possível subida da taxa de gravidezes em miúdas. "Atenção, que os bebés são cansativos e saem caro, e os namorados que garantem que jamais vos abandonarão quase sempre acabam por sair das vossas vidas", alertou Sarah Brown, directora executiva da NCPTUP. Não era uma preocupação exagerada. Pouco tempo depois, os jornais e as televisões noticiavam que 18 adolescentes do liceu de Gloucester, no Massachusetts, engravidaram praticamente ao mesmo tempo. Nenhuma tinha mais do que 16 anos. A revista Time disse que as adolescentes fizeram um pacto para engravidar e criar os filhos todas juntas. Esta alegação nunca foi provada e, em declarações ao P2, Bill Albert, porta-voz da NCPTUP, prefere desdramatizar o efeito que casos como o de Jamie Spears e Bristol Palin têm sobre as adolescentes comuns. "Algumas adolescentes poderão olhar para estes casos e ficar com a ideia de que engravidar é uma coisa boa, mas, e até porque esta geração está a crescer muito alheada dos media, não creio que possamos exagerar a influência e o impacto que aqueles casos têm na realidade", comentou, falando ao telefone desde Washington.
O facto é que os estudos feitos pelo CDC mostram que nove em cada dez gravidezes adolescentes não foram planeadas. E por isso é que Bill refere insistentemente a necessidade de os pais aproveitarem os casos Spears e Palin para conversar com os seus filhos. "Espero sinceramente que os pais aproveitem para esclarecer os seus filhos sobre relações, sexo, gravidez e contraceptivos", diz, congratulando-se com o facto de os programas que promovem a abstinência sexual entre os adolescentes estarem a arredar caminho.
Estes programas foram lançados nos finais dos anos 90, durante a Administração Clinton. Mas ganharam uma expressão muito maior com a chegada de George W. Bush à Casa Branca. "Uma quantia significativa das verbas federais foi desviada para que os estados implementassem nas escolas públicas a promoção da abstinência sexual. No início, os 50 estados assumiram estes programas, nos quais vários grupos religiosos tiveram muita influência. Mas, muitos anos depois, continua a não haver provas de que eles funcionem. E, há pouco tempo, 26 estados saltaram fora. Por várias razões, mas, em primeiro lugar, pela ausência de resultados", afirmou Bill Albert. Que interpreta assim este recuo: "De uma maneira geral, os norte-americanos não reagem mal a uma mensagem que encoraje os jovens a retardar o início da vida sexual, mas eles também exigem que os seus filhos recebam informação sobre contraceptivos e sexo seguro."
No tocante à NCPTUP, nada contra os programas que promovem a abstinência. Desde que estes incluam também formação sobre anticoncepcionais e sexo seguro. "Estas duas estratégias não deviam competir entre si, mas complementar-se", sustenta Bill, para quem o desafio maior é conseguir lançar um anátema sobre as gravidezes adolescentes. "Olha-se para os estudos mais recentes e o que se observa é uma indiferença enorme relativamente à gravidez na adolescência. Ao contrário do que se passa na Europa, em que as pessoas encaram a adolescência como um período de formação, nos Estados Unidos essa norma social não é tão clara."
O jornal britânico The Guardian escrevia há dias que nos Estados Unidos a gravidez adolescente parece ter-se tornado "num motivo de orgulho, uma espécie de medalha de honra, preferível à prática do aborto". E, de facto, quando a candidata a vice-presidente de John McCain anunciou que a sua filha estava à espera de um filho o Partido Republicano subiu quatro pontos percentuais nas sondagens. Palin disse que a gravidez da filha a obrigaria "a crescer mais depressa do que o planeado". Mas não escondeu o orgulho pelo facto de Bristol ter decidido "assumir as responsabilidades da idade adulta". Isso bate certo com as campanhas dos conservadores para que a maternidade na adolescência seja encarada como uma opção responsável mais do que como uma lamentável consequência de um lamentável erro. Posto de outro modo: as raparigas que escolheram ser mães fizeram uma escolha ética, longe de serem vítimas da ignorância ou da falta de informação.
Num cenário como este, o prestigiado New York Times referia-se recentemente ao polémico programa Baby Borrowers como "a medida anticoncepcional mais eficaz dos últimos tempos". À margem das acesas críticas que choveram de todas as direcções acerca da irresponsabilidade dos verdadeiros pais que puserem os seus bebés à disposição dos concorrentes, as adolescentes que participam no programa e que tiveram que aprender a cuidar de bebés em velocidade fast forward perceberam rapidamente as agruras da maternidade. Em blogues e nas caixas de comentários do canal, milhares de adolescentes parece terem percebido a mensagem: "Não engravides." Sobretudo quando ainda se tem idade para brincar com ursos de pelúcia.

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