O retrato de uma crise inacabada, agora em cronologia

Projecto de observatório do CES revisita cronologicamente factos e declarações marcantes da crise europeia e portuguesa. A linha do tempo começa em 2007. O ponto final ainda é uma incógnita.

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Manuel Carvalho da Silva, José Castro Caldas e João Ramos de Almeida, os principais envolvidos no projecto “Cronologia das Crises” Daniel Rocha

Estas são duas das mais de 600 entradas de vídeo, texto, imagens e documentos oficiais que o Observatório sobre Crises e Alternativas seleccionou e reuniu numa única cronologia online onde constrói uma linha do tempo dos principais acontecimentos políticos e económicos da zona euro e de Portugal nos últimos anos.

Confrontar de forma mais ágil declarações de actuais e anteriores responsáveis políticos é uma das ferramentas do projecto “Cronologia das Crises”, que este laboratório associado do Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra lançou nesta quarta-feira. Mas não só. É um retrato de uma crise inacabada aquele que o laboratório do CES, coordenado por Manuel Carvalho da Silva, faz do actual momento político e económico.

O projecto, a correr no site do observatório, compila cronologicamente declarações, informação factual ou documentos específicos que têm marcado a crise portuguesa e europeia – desde o primeiro PEC do Governo de José Sócrates, aos últimos Orçamentos de Estado portugueses, passando pelos sucessivos memorados de entendimento da troika ou as decisões que envolveram os resgates da Grécia.

Ao todo, são 639 entradas de informação. A linha do tempo percorre acontecimentos-chave da crise financeira internacional a partir de Março de 2007, antes da queda do Lehman Brothers. E centra-se, desde que Portugal está sob intervenção da troika, na catadupa de decisões (e intenções de decisão) anunciadas no quadro do programa de medidas económicas e financeiras que acompanha o resgate financeiro de 78 mil milhões de euros.

Não são esquecidas as frases que lançaram o debate na opinião pública, decisões mais ou menos polémicas que motivaram manifestações na rua, as últimas greves gerais ou declarações aparentemente esquecidas de actuais governantes.

Numa linguagem próxima da leitura jornalística, os factos que a cronologia passa em revista vão desde a muito mediatizada frase do presidente do BPI, Fernando Ulrich sobre a aplicação de mais austeridade (“Ai aguenta, aguenta”) ao episódio em que o ex-ministro das Finanças, Vítor Gaspar, antecipava o dia 23 de Setembro de 2013 como o momento crucial para o regresso de Portugal aos mercados financeiros.

O projecto vem, de certa forma, preencher no espaço público um vazio do ponto de vista da sistematização e confrontação de factos recentes da vida política portuguesa e da resposta europeia à crise, nomeadamente no caso da Grécia.

O projecto é da responsabilidade de Manuel Carvalho da Silva (coordenador do Observatório das Crises e Alternativas), do economista José Castro Caldas e do jornalista João Ramos de Almeida, da equipa do observatório.

A cronologia começa em Março de 2007, tem entradas até aos primeiros dias de Outubro e vai continuar a ser actualizada. Se o retrato é subjectivo e inacabado, é ao mesmo tempo uma montra de algumas evidências do “tempo que estamos a viver”, enfatizou Manuel Carvalho da Silva, que, com Castro Caldas e Ramos de Almeida, apresentou o projecto nesta quarta-feira no CES Lisboa.

Para Carvalho da Silva, ex-secretário-geral da CGTP, a ideia é que a plataforma funcione como ponto de partida de reflexão para se falar “mais das alternativas às crises que se vão somando umas às outras”, evidenciando a “repetição contínua de cenários” de crise e expondo “novas metamorfoses” dessa crise.

Os acontecimentos escolhidos funcionam, por isso, como “pontos de sustentação” para contar uma parte da história recente, completou Castro Caldas. E é também uma forma de “refrescar a memória”.

No caso de relatórios oficiais disponibilizados na cronologia, o projecto é ao mesmo tempo uma chamada de atenção para a “importância da relativização de alguns documentos do presente, face ao que se passou no passado em relação a outros documentos”, sublinhou João Ramos de Almeida, referindo como exemplo o facto de um relatório entregue pelo actual Governo aos parceiros sociais em Julho de 2011 desvalorizar o impacto de um corte na taxa social única às empresas, quando em Setembro do ano seguinte o executivo acaba por propor (e depois deixar cair) uma descida da TSU.

O observatório está na fase final de produção do primeiro relatório sobre a situação do país no contexto de inserção mundial, em que um dos seis grandes tópicos da análise é precisamente o mapeamento político da resposta à crise.
 
 
 

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