O que acontece quando o mundo perde o seu último motor
A quebra mais rápida do que o previsto da economia chinesa acentua os riscos de recessão mundial. Que resposta pode ser dada pelos governos e bancos centrais? Esta quinta-feira, Mario Draghi tem a palavra.
Os consumidores norte-americanos não voltaram a ser tão optimistas como eram antes da crise financeira, a Europa continua a registar as taxas de crescimento mais baixas do mundo desenvolvido e o Japão continua a sua batalha de mais de duas décadas contra a deflação. No meio deste cenário sombrio, tem sido o forte crescimento dos mercados emergentes e, em especial da China, que tem evitado nos últimos anos uma recessão mundial. Mas agora, mesmo essa ajuda parece estar a esgotar-se, dando ainda mais argumentos aos que avisam para um risco de estagnação secular e forçando os responsáveis dos bancos centrais e dos governos a ponderar, especialmente na Europa, uma reformulação da sua resposta.
A deterioração de expectativas tem vindo a ser assumida progressivamente pelas mais diversas instituições. Na semana passada, o Fundo Monetário Internacional fez a sua segunda revisão em baixa das previsões de crescimento mundial dos últimos seis meses, passado a apontar para um crescimento de 3,1% em 2015 e 3,6% em 2016, menos 0,4 pontos do que acreditava no passado mês de Abril.
Estes números aproximam-se perigosamente do nível (crescimento de 3%) que é normalmente utilizado como fronteira para definir se o mundo está ou não em recessão. E vários economistas avisam que as actuais previsões do FMI são feitas num cenário central em que, não só os bancos centrais mantêm as suas políticas expansionistas, como nos mercados emergentes a estabilidade financeira acaba por ser assegurada.
Em vários pontos do globo, o cenário é preocupante. Nos Estados Unidos, a explosão do consumo que no passado tantas vezes serviu de motor para a economia mundial, teima em não acontecer. É verdade que a economia norte-americana está bem mais sólida do que por exemplo a europeia, antecipando-se um crescimento de 2,6% este ano e 2,8%, mas, apesar de sete anos de taxas de juro a zero e outros estímulos monetários, um arranque definitivo da actividade económica não acontece e os riscos de pressões deflacionistas mantém-se.
Na zona euro, a retoma é ainda mais lenta. Com níveis de desemprego muito altos e uma taxa de inflação novamente em valores negativos, não pode deixar de ser decepcionante a forma como a economia está a conseguir aproveitar a conjuntura de taxas de juro nulas, compras de activos pelo banco central em larga escala e queda dos preços do petróleo. O FMI prevê um crescimento de 1,5% este ano e de 1,6% no próximo.
Tanto nos Estados Unidos como na Europa, as previsões do FMI – consideradas por alguns ainda como demasiado optimistas - apontam para a manutenção de taxas de crescimento que ficam abaixo da variação do PIB que se registava em média antes da crise.
Isto vem ao encontro dos que argumentam que, na verdade, aquilo que está a acontecer à economia mundial é bem mais do que uma dificuldade conjuntural em encontrar o caminho para o crescimento. O que se passa mesmo é a entrada numa nova era de crescimento lento.
O ex-secretário do Tesouro norte-americano e professor em Harvard, Larry Summers, é o mais famoso defensor da ideia de que a economia mundial está a passar por uma fase de “estagnação secular”, um estado em que, perante a persistência de taxas de juro reais e inflação baixas, os incentivos ao investimento são demasiado fracos e a economia cai numa situação em que, de forma permanente a procura fica aquém da oferta potencial. Uma situação semelhante à que tem vivido o Japão nas últimas décadas, mas desta vez vivida à escala mundial.
Se este cenário já era suficientemente preocupante há alguns meses atrás, agora que se tornou ainda mais evidente que os mercados emergentes estão a entrar muito rapidamente em crise, o sentimento de urgência começa a instalar-se.
Os problemas nos mercados emergentes surgem de várias frentes. Por um lado, este ambiente de crescimento lento na Europa e nos Estados Unidos contribui para que as exportações desses países não dêem o mesmo contributo que no passado para o crescimento, um fenómeno que é agravado pela queda dos preços das matérias primas, especialmente do petróleo.
Depois, muitas economias emergentes sofrem de forma muito visível com a apreciação do dólar face às suas divisas. É verdade que isso poderia contribuir para uma maior competitividade das suas exportações, mas perante a procura internacional adormecida, esse efeito é superado pelos problemas vividos pelas empresas que se endividaram em dólares.
Por fim, há a China. A maior das economias emergentes do planeta está a enfrentar os limites da sua impressionante expansão. Entre os investidores, está instalada a desconfiança em relação à existência de bolhas especulativas nos mercados financeiros e imobiliários, algo que os apoios do Estado não conseguem dissipar. E na economia, a passagem de um modelo baseado no investimento público e nas exportações, para outro sustentado numa procura interna saudável com muito investimento privado está a revelar-se difícil de concretizar sem sobressaltos.
A economia continua, de acordo com as autoridades estatísticas chinesas, a crescer próximo da meta de 7% estabelecida por Pequim, mas as previsões têm vindo a tornar-se cada vez mais pessimistas, algo que ainda afecta mais o desempenho de outras economias emergentes, algumas delas, como o Brasil, já em recessão profunda.
Larry Summers, o homem da “estagnação secular”, vê aqui mais um motivo para estar pessimista. “Isto aumenta o espectro de um ciclo vicioso global em que o crescimento lento nos países industrializados afecta os mercados emergentes que exportam capital, levando a que por sua vez o crescimento no Ocidente abrande ainda mais”, escreveu recentemente num artigo de opinião, em que avisava igualmente que “as economias industrializadas que estão a crescer ligeiramente acima do nível de estagnação não podem dar-se ao luxo de suportarem um choque global negativo”.
Este é contudo, o problema que têm realmente pela frente. Com a economia chinesa a dar sinais de esgotamento, a economia mundial prepara-se para perder a sua última fonte de crescimento forte. Ou como escreveu Martin Wolf, na sua última coluna no Financial Times, “o mundo ficou sem grandes economias preparadas e disponíveis para deixar o crédito e o consumo explodirem. Isto significa que a procura global pode ainda ser mais fraca durante os próximos anos”.
Que resposta pode ser dada? Neste momento, nos chamados países industrializados, a capacidade para responder a um desafio desta magnitude parece ser limitada.
Ao nível da política monetária, os instrumentos já estão a ser utilizados no limite há já vários anos. A Reserva Federal, que tem vindo a preparar o regresso das subidas das taxas de juro, ao fim de sete anos a zero, decidiu no mês passado, voltar a adiar essa decisão, dando exactamente como argumento os riscos e as incertezas trazidas pela instabilidade na China. Mas esse adiamento não esconde o facto de a Reserva Federal, tal como os outros bancos centrais, já não ter muito espaço de manobra para actuar se lhe for exigida uma intervenção em larga escala.
Na Europa, o problema é semelhante. Em Março, o Banco Central Europeu decidiu começar a comprar dívida pública no mercado secundário, uma injecção de liquidez na economia que tenta contrariar o ambiente de crescimento moderado e inflação muito baixa que se vive na Europa.
Com a conjuntura novamente a deteriorar-se e a inflação a cair outra vez em terreno negativo (afectada pelo preço do petróleo), aumenta a expectativa que o BCE se veja forçado a prolongar ou aumentar o seu programa de compras de activos. Há quem, como o economista Ashoka Mody, num artigo publicado na Bloomberg, apele a que Mario Draghi, na reunião que realiza esta quinta-feira em Malta, aproveite “a oportunidade de liderar em vez de seguir, expandindo o seu programa de compra de obrigações”. Mas também há quem, como próprio representante do banco central alemão no BCE, considere que as actuais medidas já vão mais longe do que aquilo que é suposto fazer um banco central. Perante estes dois apelos, Mario Draghi deverá manter a sua declaração de que o BCE está pronto para estender o seu programa, “caso seja necessário”.
Mas será esta actuação suficiente? Para quem acredita, como Larry Summers, que o Mundo enfrenta um problema de “estagnação secular”, a resposta tem de ir muito mais além do que um fortalecimento de políticas monetárias que já estão próximas do seu limite.
O que também é preciso, afirma, são políticas de expansionismo orçamental, aquelas que antes eram consideradas imprudentes mas que agora podem ser a solução para evitar o agravamento de um período de crescimento lento e de deflação à escala mundial. “As abordagens tradicionais de foco em finanças públicas saudáveis, aumento do potencial da oferta e a fuga à inflação podem ser um desastre”, escreveu, assinalando que, agora, que “aquilo que é visto convencionalmente como imprudente, é o único caminho prudente que nos é oferecido”.