A poluição luminosa causa milhões de mortes de aves todos os anos

As noites são cada vez mais iluminadas de forma artificial e isso pode confundir as aves (sobretudo as migratórias). Na Madeira estuda-se este impacto desde 2009 e já se aplicaram medidas para corrigir a iluminação da região.

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Gansos-do-canadá sobrevoam durante a noite Robert Couse-Baker

A poluição luminosa contribui todos os anos para a morte de milhões de aves e é preciso reduzir as luzes durante a noite para as ajudar, alerta um documento divulgado pelas Nações Unidas na quinta-feira. O perigo torna-se maior quando se sabe que as noites são cada vez menos escuras: os dados citados pelas Nações Unidas indicam que mais de 80% da população mundial vive sob céu iluminado – na Europa e na América do Norte, chega aos 99% – e esta percentagem tem vindo a aumentar nos últimos anos.

Os patos, os gansos, os pássaros canoros e aves marinhas (sobretudo as que migram à noite) são dos mais afectados pela poluição luminosa. A iluminação artificial pode atrair e confundir as aves: causa alterações nos seus relógios biológicos, faz com que interpretem a luz como sinal de que ainda é dia (o que pode fazer com que fiquem exaustos) e pode levar a que as aves comecem as suas migrações mais cedo do que é suposto. Muitas aves também morrem depois de colidirem com edifícios muito iluminados.

O documento das Nações Unidas redigido por Amy Fraenkel, secretária-geral da Convenção de Bona (sobre as espécies migratórias de animais selvagens) refere que a iluminação nocturna – que pode ser usada por motivos de segurança em estradas, residências e passeios, mas também para iluminar monumentos ou anúncios publicitários – tem impactos negativos em muitas espécies de animais. “Quando a luz artificial altera os padrões naturais de luz e escuridão nos ecossistemas, é conhecida como poluição luminosa”, explica, acrescentando que a escuridão natural tem um valor de conservação igual à de manter a água, o solo e o ar despoluídos.

Também a Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA) explica que as aves são das mais afectadas por esta luminosidade constante: “Quer durante a migração nocturna, em que os focos de luz artificial das cidades causam o encadeamento das aves; quer no caso dos juvenis de aves marinhas, atraindo-as para os centros das cidades onde, muitas vezes feridas, não conseguem chegar ao mar”. Mesmo quando a luz tem menor intensidade pode perturbar estes animais.

E o que se pode fazer? A SPEA ajuda: “Reduzir o número de fontes de luz artificiais em zonas costeiras, desligar as luzes durante as épocas de migração, utilizar temporizadores ou sensores de movimento, utilizar blindagem para direccionar a luz para onde é preciso, utilizar luminárias de baixa intensidade e de temperaturas quentes, diminuindo a difusão de luz artificial para a atmosfera”. Algumas destas medidas serão discutidas no 14.º encontro da Convenção de Bona, que deverá decorrer no Uzbequistão em Outubro de 2023.

A poluição luminosa é o tema do Dia Mundial das Aves Migratórias, que se celebra este sábado, 8 de Outubro (e também a 14 de Maio), com o intuito de alertar para as ameaças em torno das aves migratórias. Além da sensibilização, esta campanha das Nações Unidas tem como objectivo criar compromissos tangíveis entre países, cidades e organizações ou partes interessadas para reduzir os efeitos negativos da poluição luminosa.

Parte dessa acção tem acontecido na Madeira: a SPEA refere que tem estudado o impacto da poluição luminosa nas aves no arquipélago da Madeira desde 2009. “Esta nova consciência de que se trata de uma ameaça e que impacta não só a biodiversidade mas também a saúde humana tem contribuído para a implementação de medidas correctivas na rede de iluminação pública e privada da região”, explica em comunicado a coordenadora da SPEA Madeira, Cátia Gouveia, que é também coordenadora do projecto Life Natura@night.

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Poluição luminosa na Madeira Tânia Costa

Na Macaronésia, há já oito municípios que se comprometeram a alterar a sua iluminação pública para que seja “mais eficiente e menos prejudicial para a natureza”, diz Cátia Gouveia.

No Corvo, a ilha mais pequena dos Açores, foi lançado em Agosto um estudo pioneiro que consiste num apagão da iluminação pública dia sim, dia não, para avaliar se a poluição luminosa tem algum impacto nas visitas dos cagarros aos ninhos, no período em que alimentam as crias.

O mundo está cada vez mais iluminado e Portugal não é excepção. Um estudo publicado em Setembro de 2022 mostra que a transição para os LED não está a ajudar a diminuir a poluição luminosa presente em todo o planeta. O investigador Raul Cerveira Lima, do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (Universidade de Coimbra) dizia ao PÚBLICO em Setembro que “Portugal é dos países com maior índice de poluição luminosa na Europa, juntamente com Espanha e Itália. Emitimos quatro vezes mais luz por habitante do que a Alemanha”.

Já um estudo publicado na revista Journal of Environmental Management, com dados de 2019, mostrava que somos mesmo o pior país da Europa em poluição luminosa, no que respeita ao fluxo luminoso per capita e também em função do PIB. Ainda assim, Portugal não está entre os países com maior crescimento da luz emitida entre 2013 e 2020.

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