Ciclovia da Avenida Almirante Reis vai ser alterada

Espaço para a circulação de bicicletas vai aumentar e os automóveis reconquistam parte da via ascendente, mas perdem na descendente. “É um bocadinho para agradar a gregos e a troianos”, comenta a associação Mubi. Grupo Vizinhos de Arroios admite ir para tribunal.

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Nuno Ferreira Santos

A ciclovia da Avenida Almirante Reis vai ser alterada. A actual pista com dois sentidos que ocupa uma via de trânsito será substituída por duas pistas com sentido único, uma de cada lado do separador central. Os trabalhos deverão arrancar até ao fim do ano no troço da avenida sem ciclovia, entre o Areeiro e a Alameda, seguindo-se a intervenção na restante artéria.

A decisão da Câmara de Lisboa surge depois de quase meio ano em que defensores e opositores da ciclovia se envolveram num animado debate e em que os partidos da oposição pediram para ver estudos sobre os planos da autarquia para a rede ciclável.

Com o novo desenho proposto, em que cada via para bicicletas tem 1,70 metros de largura, aumenta globalmente o espaço para velocípedes, mas também o de circulação automóvel no sentido ascendente da avenida. No sentido descendente, que até aqui mantinha duas vias de tráfego, a área para carros vai estreitar.

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A nova proposta para a ciclovia, segundo um documento dos serviços de Mobilidade DR

Miguel Gaspar, vereador da Mobilidade, diz que “esta solução traz flexibilidade” porque “se houver qualquer perturbação no trânsito vai ser possível um carro contornar”. Refere-se, por exemplo, a uma avaria que ocorra no meio da estrada ou a um autocarro que pare para recolher passageiros. Actualmente, os automóveis que sobem têm de invadir a ciclovia para seguir em frente se encontrarem um obstáculo. No futuro, explica o vereador, haverá espaço suficiente para um carro o circundar sem pôr em perigo quem circula de bicicleta.

O coordenador do grupo Vizinhos de Arroios, que é um dos núcleos que compõem a associação de moradores Vizinhos em Lisboa, diz que a câmara não mediu a avenida correctamente e que esta solução ainda virá agravar mais o congestionamento automóvel. “As vias não têm 6,20 metros, como diz a câmara, só têm seis metros. Ou seja, com a ciclovia de 1,70 metros, ficam 4,30 metros”, diz Luís Castro. No seu entender, é falso que um carro consiga ultrapassar outro sem entrar na ciclovia – e a situação piora se se tratar de um autocarro ou camião.

Por ter levado à assembleia municipal uma petição com 1148 assinaturas que pede “uma melhor ciclovia para a Almirante Reis”, o grupo foi chamado a dar parecer à proposta da câmara e participou em reuniões com Fernando Medina e Margarida Martins, presidente da Junta de Arroios. “Demos parecer desfavorável. Se nós já estamos a congestionar o trânsito no sentido Sul-Norte, agora vamos condicionar também o outro”, considera Luís Castro.

O vereador assegura que o novo desenho da ciclovia “foi testado pelos bombeiros e pela Polícia Municipal, que até o preferem ao que lá está hoje”. E contraria a ideia de que o trânsito piorou na avenida: “Antes da ciclovia, a Almirante Reis já tinha tráfego compacto e congestionado às 17h.”

Câmara promete “grande debate”

“Isto é um bocadinho para agradar a gregos e a troianos”, comenta Pedro Sanches, dirigente da Mubi – Associação pela Mobilidade Urbana em Bicicleta. “Como esta solução vai alargar a via de trânsito, ou é muito bem controlada ou é muito fácil verificarem-se velocidades elevadas dos automóveis”, alerta.

Sem querer alongar-se muito sobre a proposta concreta, porque “mais do que soluções técnicas é importante falar-se de soluções estruturantes”, Pedro Sanches diz que “o que tem de acontecer de forma clara é a redução de sensação de perigo para os utilizadores”. E que isso se faz, sobretudo, com uma diminuição da velocidade dos carros e com mais protecção para as bicicletas nas intersecções.

Miguel Gaspar acredita que o novo desenho, aliado à substituição dos pilaretes plásticos por separadores mais rígidos (chamados ziclas), vai tornar o percurso “mais protegido para utilizadores inexperientes”. O vereador diz, aliás, que a ciclovia se traduziu num “aumento global da segurança” para os utilizadores e que a prová-lo está, por exemplo, o aumento do número de mulheres a percorrer a avenida de bicicleta.

Luís Castro não concorda, referindo que a actual ciclovia não cumpre um artigo do Regulamento Municipal de Urbanização e Edificação de Lisboa (RMUEL), segundo o qual as pistas cicláveis bidireccionais devem ter 2,20 metros de largura. E que isso a torna insegura para ciclistas e automobilistas. A câmara diz que a pista da Almirante Reis tem 2,80 metros, já incluída a zona onde estão os pilaretes.

O coordenador dos Vizinhos de Arroios queixa-se igualmente do aumento da poluição atmosférica, sonora e térmica e de prejuízo para os passageiros da Carris. “O 708 demora mais 45 minutos a fazer o percurso.”

“A nossa solução era que a via mais à direita de cada sentido passasse a ter um limite de velocidade de 30 km/h e se tornasse numa via de coexistência”, propõe Luís Castro. Na parte da avenida com linha de eléctrico, a via da direita seria mais larga do que a da esquerda.

Pedro Sanches diz que “isso não é solução” porque a Almirante Reis está classificada no Plano Director Municipal como via de nível 3, onde é obrigatório que a circulação de peões e velocípedes seja segregada da dos carros. “Foi muito importante ter-se conquistado aquele espaço. Gostaríamos de ter a certeza que num futuro não muito longínquo a ciclovia terá um projecto de raiz, que crie condições de segurança definitivas”, afirma o dirigente da Mubi.

Apesar da alteração que agora vai ser introduzida, esta continuará a ser uma ciclovia provisória, dita pop-up, e por isso Miguel Gaspar assumiu o compromisso, na assembleia municipal, de a câmara lançar “um grande debate público sobre a Almirante Reis” e de “fazer um estudo prévio de reformulação total da avenida” até ao fim do mandato. Pedro Sanches lamenta que a Zona de Emissões Reduzidas (ZER) da Baixa Chiado tenha sido adiada, porque essa era “uma intervenção estruturante” que teria “uma influência directa” na Almirante Reis.

Antevendo que a circulação na avenida “vai ser completamente impossível”, Luís Castro admite recorrer à Justiça. “Nós não queremos ir para tribunal, mas é uma das soluções que está em cima da mesa.”

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