O valor da água não pode ser analisado apenas em função da tarifa

Qualquer análise aos serviços de água deve ser feita de forma responsável e abrangente, para evitar interpretações erradas que podem provocar contestação pública e consequentes graves problemas para as entidades gestoras, sejam públicas ou privadas.

A água é um dos temas centrais da próxima Presidência Portuguesa da União Europeia. As diretivas da Comissão Europeia obrigam à sustentabilidade das Entidades Gestoras dos Serviços de Água (EG), no entanto, Portugal está em incumprimento, já que a maioria das EG públicas tem custos superiores aos proveitos, sendo fortemente subsidiadas. Se se comparar as tarifas praticadas pelas EG privadas com os valores resultantes da soma das tarifas e dos subsídios às EG públicas, concluiu-se que as EG privadas praticam preços mais baixos, porque em média são mais eficientes.

Entendo que não faz qualquer sentido comparar tarifas de água, numa ótica exclusiva de dualidade público/privado, porque este é um exercício demagógico de desinformação que não contextualiza, para cada EG, a subsidiação das tarifas, a sustentabilidade ambiental e económica, os investimentos, a qualidade do serviço, a eficiência hídrica, as outras tarifas como as de saneamento, ou o custo da água em alta.

Não se podem comparar tarifas de entidades EG privadas – que, obrigatoriamente, através da tarifa têm de cobrir todos os custos, quer por razões de solvabilidade, quer para cumprir as diretivas comunitárias transpostas para a legislação nacional – com certas EG públicas que subsidiam fortemente a tarifa, à custa dos impostos e dos orçamentos municipais, não cumprindo, assim, o princípio obrigatório do utilizador-pagador, consubstanciando um agravamento insustentável das finanças públicas.

Quando se refere, numa postura ideológica de ataque ao setor privado, que a nível nacional, a tarifa mais cara – que corresponde a uma EG privada – é seis vezes superior à tarifa mais barata – que corresponde a uma EG pública –, nesse contexto de comparações devia referir-se também que há entidades públicas com tarifas cerca de cinco vezes superiores às de outras entidades públicas, e que há entidades públicas com tarifas cerca de 40% superiores a algumas entidades privadas, ou ainda que, nesse ranking absurdo de tarifas, nas 25 EG com tarifas mais altas nove são públicas.

É importante referir que nas concessionárias privadas nunca há aumentos tarifários não previstos no contrato, já que são as únicas EG onde existe uma total previsibilidade tarifária, sendo os ajustamentos tarifários em geral indexados à inflação e aos valores da água em alta. Aliás, a trajetória tarifária é uma das condições obrigatórias nos processos de concurso internacional para estes contratos. Acresce que as concessionárias privadas são as únicas EG que são sujeitas à concorrência em concurso público e, em diversos casos, as empresas privadas apresentaram diminuição das tarifas, comparando com as anteriormente praticadas pelos municípios, apesar dos elevados investimentos que se comprometeram a realizar. Há que reconhecer o mérito dos municípios que optaram por concessionar os serviços de água a privados, que lhes permitiu efetuar os investimentos necessários para garantir a cobertura dos serviços de água e saneamento às suas populações e assegurar uma qualidade de serviço reconhecida pela ERSAR (regulador).

Numa concessionária privada nunca podem ocorrer aumentos tarifários exponenciais, como aconteceram recentemente em diversos municípios, que se juntaram em entidades públicas agregadas – nalguns casos com aumentos da ordem dos 100% –, e muito se estranha que esses casos sejam, com frequência, referenciados como se tratassem de empresas privadas, quando são EG públicas.

Existem rankings de indicadores de desempenho, publicados anualmente pela ERSAR, que são objetivos e que traduzem a qualidade do serviço. Sistematicamente, os prémios de qualidade de serviço concedidos pela ERSAR são maioritariamente atribuídos às EG privadas.

É ainda pertinente salientar as principais conclusões do estudo [1] realizado pelo Instituto Superior Técnico que, após análise exaustiva dos indicadores publicados pela ERSAR, conclui: “Atendendo às hipóteses elencadas, foi possível comprovar que os factos em Portugal parecem evidenciar que os operadores privados revelam maior eficácia ao nível da realização dos investimentos, prestam uma melhor qualidade de serviço e, em condições equiparáveis, praticam tarifas e encargos mais módicos.” Já com base nos últimos dados publicados pela ERSAR, referentes ao ano de 2018 (RASARP 2019), salientam-se, a título de exemplo, dois dos indicadores mais relevantes:

Cobertura de gastos dos serviços de água (sustentabilidade económica das EG)

Das 214 EG que gerem em simultâneo serviços de água e de saneamento, 143 têm proveitos inferiores aos custos, verificando-se uma grave situação de falta de sustentabilidade, suportada pelos impostos dos contribuintes. Acresce que, das 25 entidades com piores resultados económicos, todas são públicas e todas têm receitas tarifárias inferiores a 46% dos custos, e a entidade com menor cobertura de custos é subsidiada em 75%.

Por outro lado, das 25 entidades que têm melhores resultados económicos (proveitos superiores aos custos), apenas oito são entidades privadas e as dez entidades com maior excedente são todas públicas. Desmistifica-se, assim, a falsa tese das alegadas elevadas tarifas praticados pelo setor privado.

Perdas de água – eficiência hídrica

Das 25 EG que registam maiores perdas de água todas são públicas, sendo que a EG mais ineficiente tem o valor de 82% de água perdida, enquanto que das 25 EG com menores perdas 15 são privadas, e a EG privada mais eficiente apresenta apenas 8% de perdas de água. No final de 2018, as 30 concessões privadas atingiram um volume médio de 16% de água não faturada. No mesmo período, o conjunto das EG do setor público registaram, em média, uma percentagem de água não faturada da ordem dos 34%.

Em termos de perdas reais de água, verifica-se um valor anual de cerca de 170 Mm3, ou seja, cerca de 19 mil m3/hora, o equivalente a 13 piscinas olímpicas por hora. Melhorando a eficiência hídrica dos sistemas, para uma média nacional equivalente à que se regista atualmente nas EG privadas, alcançar-se-ia um ganho económico nacional de mais de 100 milhões de euros, por ano.

Em conclusão, qualquer análise aos serviços de água deve ser feita de forma responsável e abrangente, para evitar interpretações erradas que podem provocar contestação pública e consequentes graves problemas para as EG, sejam públicas ou privadas. Os serviços de água não podem ser analisados de forma simplista, em função apenas de tarifas, mas sim em função da globalidade do serviço. A água é um bem público essencial que deve ser universal, e, numa sociedade moderna e democrática, deve pautar-se pelos mais elevados padrões de qualidade, também na perspetiva da sustentabilidade ambiental e da racionalidade da utilização dos recursos. 

[1] “Análise do Desempenho dos Operadores Privados e Públicos no Setor da Água em Portugal”, página 95

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

Sugerir correcção