O cinema português à procura do futuro perfeito no festival de Berlim

Rita Azevedo Gomes, Carlos Conceição e Jorge Jácome são os nomes portugueses a seguir na edição 2019 do certame alemão, que começa nesta quinta-feira.

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O cinema português volta a marcar presença na Berlinale. Na 69.ª edição que arranca nesta quinta-feira e se prolonga até 17 de Fevereiro, temos uma nova curta a concurso na selecção oficial Berlinale Shorts e novos filmes a começarem carreira no certame alemão, com uma presença significativa no Forum, a secção paralela não competitiva onde se concentram muitas das descobertas do festival. Este ano, Rita Azevedo Gomes, Susana de Sousa Dias, Carlos Conceição e Jorge Jácome juntam-se a Leonor Teles, Salomé Lamas, Diogo Costa Amarante, Ivo Ferreira, João Salaviza, João Viana ou Miguel Gomes no rol de cineastas portugueses que o festival de Berlim tem recebido ao longo da última década.

Da comitiva lusa deste ano, o único título em secção competitiva é a curta Past Perfect, de Jorge Jácome, em estreia mundial na Berlinale Shorts — a secção que deu por três vezes o Urso de Ouro a cineastas portugueses. Jácome (n. 1988) chega ao festival ajudado pela fortíssima presença internacional da sua curta anterior, Flores, estreada no IndieLisboa de 2017 — um filme mais narrativo e menos abstracto, “muito acessível”, muito diferente de Past Perfect em “termos formais”. Ao PÚBLICO, Jácome define a sua presença em Berlim como “muito inesperada” — “Quando comecei a trabalhar nele nem tinha a certeza se seria um filme, porque as imagens não tinham sido pensadas para uma curta. Decidi tornar o projecto um filme quando percebi que tinha uma ligação muito directa com todos os filmes que fiz anteriormente.”

Past Perfect, produção de autor escrita com Pedro Penim, é uma curta “sobre a melancolia, explicando a diferença entre melancolia e nostalgia, mostrando como a nostalgia pode ser muito perigosa”, mas não é um filme “experimental”, “no sentido de deixar o espectador à toa”. “Acontece apenas que é um filme bastante acessível que não sabemos situar se é uma ficção ou um documentário.” Sem expectativas quanto a prémios — “há sempre esta coisa de querer que se ganhe de novo!”, ri-se — Past Perfect terá cinco exibições no festival, a primeira na tarde de domingo, dia 10 de Fevereiro.

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ADAM BERRY/ LUSA

O formato curto será ainda representado em Berlim na secção Forum Expanded, que sai fora das salas tradicionais de cinema para explorar diálogos multidisciplinares. Fordlandia Malaise, de Susana de Sousa Dias (produção Kintop), peça de 40 minutos sobre a cidade industrial que Henry Ford criou na Amazónia, terá uma exibição no recinto multidisciplinar Silent Green e outra na sala Arsenal; A Story from Africa (Divina Comédia), instalação de vídeo do americano Billy Woodberry sobre a ocupação colonial portuguesa em Angola no início do século XX, estará em exibição permanente na Galerie Ebensperger Rhomberg.

Serão forçosamente as longas — ambas exibidas no programa do Forum — que vão concentrar as atenções. Nenhuma mais do que A Portuguesa, de Rita Azevedo Gomes, adaptação por Agustina Bessa-Luís de um conto escrito em 1924 por Robert Musil. Embora não se trate de uma estreia mundial — o filme teve estreia no festival de Mar de la Plata em Novembro passado —, este vai ser o “pontapé de saída” para a Europa. O que agrada sobremaneira à realizadora (n. 1952), cujos dois filmes anteriores, A Vingança de Uma Mulher e Correspondências, receberam rasgados elogios da crítica internacional, e que produziu ela própria A Portuguesa através da sua Basilisco Filmes.

Interpretado por Clara Riedenstein, Marcello Urgeghe e Ingrid Caven, A Portuguesa é um projecto que a realizadora transporta há cerca de uma década: “Na sequência de A Conquista de Faro, que fiz em 2005, [e] para o qual Agustina escreveu o guião, falei com ela algumas vezes a propósito deste conto de Musil. Quando lhe perguntei, um dia, se gostaria de fazer uma adaptação para cinema, ela aceitou logo. Desde essa altura, por razões várias, o argumento ficou à espera até estarem reunidas as condições para avançar.” A Portuguesa tem já previsão de estreia em sala em Portugal a 28 de Fevereiro, e a primeira de quatro sessões públicas em Berlim (esta sexta-feira, dia 8 de Fevereiro) encontra-se já esgotada.

Serpentário é uma estreia mundial — e também a revelação de um projecto em que Carlos Conceição (n. 1979) trabalhava há vários anos. Rodado em Angola em 2015-2016, é o primeiro projecto de longa duração do cineasta, seguindo-se à selecção da curta Coelho Mau para a Semana da Crítica de Cannes em 2017. E é também a sua estreia em Berlim, onde nunca teve um filme mas participou no programa Berlinale Talents (onde este ano estarão presentes a programadora Susana Sousa Rodrigues, o actor Mauro Soares e o realizador Gonçalo Almeida).

Apesar do longo processo de “decantação” desta primeira longa-metragem feita em produção de autor, Conceição explica, numa curta conversa com o PÚBLICO, que Serpentário, viagem onírica pela Angola natural do cineasta, nada tem que ver com obras como Boa Noite Cinderela, Versailles ou Coelho Mau. “Gosto da ideia de que filmes possam ter origens e processos diferentes”, diz. “Há filmes que têm outro tipo de mecânica — o Serpentário só podia ter sido feito da maneira como o rodei, só eu e o actor, o João Arrais, viajando por Angola.”

Algum do material dessa altura surgiu na curta de 2015 Acorda, Leviatã, mas Conceição avisa que este é um filme diferente, que não repete material. E a selecção para Berlim foi uma enorme surpresa, dado que, ao contrário do habitual, o filme não foi inscrito mas sim convidado pela organização. “Há toda uma certeza que o filme está a estrear entre amigos, pessoas que estão ali porque gostam de cinema. E agrada-me mais um filme passar fora de competição.” Serpentário é exibido quatro vezes, a primeira das quais já no sábado.

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