Prémio Sakharov entregue perante duas cadeiras vazias

O presidente do Parlamento europeu pediu a libertação imediata do cineasta Jafar Panahi, que está em prisão domiciliária, e da advogada Nasrin Sotoudeh, presa na infame prisão de Evin. Ambos foram proibidos de fazer o seu trabalho durante 20 anos.

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Panahi em Teerão, meses antes de ser condenado Atta Kenare/AFP

Este ano, nenhum dos dois vencedores esteve no Parlamento Europeu para receber o prémio Sakharov. Esta já não é a primeira vez que o realizador Jafar Panahi vai ser representado por uma cadeira vazia (já aconteceu como membro do júri do festival de cinema de Berlim). E também não é a primeira vez que isto acontece a Nasrin Sotoudeh, advogada de direitos humanos; no ano passado venceu mesmo um prémio “cadeira vazia” para escritores (PEN Empty Chair, Canadá).

Na cerimónia de entrega do prémio, esta quarta-feira em Estrasburgo, o presidente do Parlamento Europeu, Martin Schulz, pediu a “libertação imediata” dos dois premiados, que elogiou “pelos seus esforços para o respeito das liberdades fundamentais e a evolução política no Irão”. Esta distinção continuou, deve ser interpretada como “uma homenagem ao povo iraniano”.

O prémio foi entregue a cinco representantes escolhidos pela advogada e pelo realizador para os representar na cerimónia. Panahi escolheu a sua filha, Solmaz, e dois representantes da Cinemateca Francesa, o presidente, Costa-Gavras, e o director-geral, Serge Toubiana. Sotoudeh encarregou Shirin Ebadi, Nobel da Paz em 2003 e Karim Lahidji, fundador da Associação Iraniana de Juristas e da Liga Iraniana para a Defesa dos Direitos Humanos, de receber o prémio em seu nome. 

Panahi, 52 anos, está em prisão domiciliária desde 2010, e foi condenado a não filmar durante 20 anos. O crime: fazer um filme sem autorização oficial. O seu último trabalho, o documentário Isto Não É Um Filme, foi levado clandestinamente do Irão para o Festival de Cannes numa pen escondida num bolo.

Premiado por filmes como O Círculo ou Offside em Cannes ou Veneza, foi também clandestinamente que Panahi fez chegar uma carta para ser lida no Festival de Berlim onde seria membro do júri na edição deste ano. Isabella Rossellini, a presidente do júri, leu a carta. “Condenaram-me a 20 anos de silêncio. Mas nos meus sonhos, grito por um tempo em que nos possamos tolerar, respeitas as opiniões uns dos outros, e viver uns para os outros”.

Na altura, o director do Festival, Dieter Kosslick, explicou que Panahi sabia que a leitura da carta “podia tornar as coisas mais difíceis” para si mas ainda assim insistiu na sua leitura. “Estas poderão ser as últimas palavras que ouvimos dele durante muito tempo”, comentou Kosslick.

Presa por denunciar repressão
Já Nasrin Sotoudeh está em isolamento na mais infame prisão iraniana, Evin. Desde que foi presa, em Setembro de 2010, passou ainda grandes períodos em greve de fome. Sotoudeh, 47 anos, mãe de dois filhos, representou activistas da oposição, detidos após as manifestações na altura das eleições contestadas de Junho de 2009. 

Também defendeu jovens enfrentando pena de morte (condenados enquanto menores, uma das práticas iranianas mais condenadas por organizações internacionais), e mulheres. Foi condenada a 11 anos de prisão e a 20 anos de proibição de exercer advocacia (um direito não muitas vezes conseguido por mulheres no Irão, pelo qual se tinha batido e obtido em 2000), pelo crime de “acções contra a segurança nacional e propaganda contra o regime” – deu entrevistas a jornalistas estrangeiros denunciando a repressão sofrida no país após as eleições de 2009.

A última greve de fome que fez foi para protestar o assédio à sua família; recentemente o marido e os filhos foram impedidos de a visitar; a prisão decidiu negar-lhe visitas por ela se recusar a usar o chador (que cobre a mulher da cabeça aos pés). A Amnistia Internacional, que tem feito campanha pela sua libertação, já veio dizer que se teme pelo seu estado de saúde.

No ano passado, o prémio Sakharov foi dado a representantes da chamada Primavera Árabe. Houve duas presenças: a egípcia Asmaa Mahfouz, o rosto jovem dos ciberactivistas do país, e o líbio Ahmed al-Sanussi, o prisioneiro de consciência que mais tempo passou nas prisões de Khadafi (31 anos). E três cadeiras vazias. A de dois sírios, da advogada e defensora dos direitos humanos Razan Zaitouneh e do cartoonista Ali Farzat. E a mais vazia de todas, a do tunisino Mohamed Bouaziz, que com a sua morte por imolação despertou a onda de protestos que mudou o mundo árabe.

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