Governo propõe duplicar taxa anual paga pelos operadores de TV por subscrição

Alteração à Lei do Cinema prevê que encargo de empresas como a Meo, a Vodafone e a Nos passe de dois para quatro euros por subscritor. Medida deverá gerar receita de dez milhões de euros para o Estado. Instituto do Cinema e do Audiovisual passa a dividir receita com RTP.

Foto
SEBASTIAO ALMEIDA

A proposta de Orçamento do Estado para 2022 prevê que os operadores de serviços de televisão por assinatura como a Meo, a Nos, a Vodafone ou a Nowo passem a pagar uma taxa semestral de dois euros por subscritor, que se traduzirá numa taxa anual de quatro euros  a concretizar-se, o valor da chamada “taxa anual” duplica em 2022. A subida da taxa de subscrição de TV está integrada nas principais medidas de política orçamental para o próximo ano e traduzir-se-á, segundo a proposta do Governo, num encaixe de dez milhões de euros.

“Os operadores de serviços de televisão por subscrição encontram-se sujeitos ao pagamento de uma taxa semestral de dois euros por cada subscrição de acesso a serviços de televisão, a qual constitui um encargo dos operadores”, lê-se na proposta de lei do Orçamento do Estado para 2022 (OE2022) que o Governo entregou no Parlamento na noite de segunda-feira.

Esta medida enquadra-se numa alteração à Lei n.º 55/2012, a Lei do Cinema, que estabelece “os princípios de acção do Estado no quadro do fomento, desenvolvimento e protecção da arte do cinema e das actividades cinematográficas e audiovisuais”. Mantêm-se os destinatários de 75% da receita obtida com esta taxa (uma transferência anual para o Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA) “por conta do resultado líquido” do Instituto das Comunicações de Portugal Autoridade Nacional das Comunicações (ICP-Anacom), “a reverter para o Estado”) mas entre as mudanças sugeridas pela proposta de lei do OE2022 está que o pagamento do “valor equivalente a 75% do montante total devido pelos operadores de serviços de televisão por subscrição” diga respeito ao “primeiro semestre do ano”.

Porém, e mais significativamente, a proposta estabelece que o produto da cobrança da taxa constituirá, em 50%, “receita própria do ICA”, mas que os restantes 50% serão “receita própria da Rádio e Televisão de Portugal”, sendo “alocada ao cumprimento das obrigações de investimento” — ou seja, “financiamento de trabalhos de escrita e desenvolvimento, produção e co-produção de obras criativas nacionais, ou na aquisição de direitos de difusão, transmissão e disponibilização de obras criativas nacionais e europeias”. Competirá ao ICA reencaminhar as verbas em causa para a emissora pública.

Outra alteração prende-se com os prazos que os operadores de TV por subscrição têm para pagar a taxa semestral, agora no período entre 30 de Abril e 31 de Outubro — a regulamentação das obrigações de investimento indicava até agora que a taxa anual seria paga até 30 de Abril.

Uma taxa controversa

Desde a sua origem, na lei de 2012, a taxa anual nunca foi pacífica. Nasceu com intenção de ser cobrada a 3,5 euros por subscritor e de crescer progressivamente até aos cinco euros por assinante, gerou um impasse legal, confrontou-se com a falta de pagamento em bloco dos operadores, tendo acabado por gerar uma revisão da lei que introduzia a Anacom como contribuinte do valor deixado a descoberto por esse recuo. O valor a pagar pelos operadores fixou-se nos dois euros desde 2020, altura em que o secretário de Estado do Cinema e do Audiovisual dizia ao PÚBLICO que não previa mexer no valor. Dois anos depois, aparece afinal uma proposta que prevê a duplicação do valor pago pelos operadores.

Ao contrário do que foi inicialmente noticiado pela Agência Lusa e replicado pelo PÚBLICO, a proposta do OE2022 não prevê aplicar esta taxa de quatro euros às plataformas de streaming, que são descritas na lei portuguesa como plataformas de serviços audiovisuais a pedido, mas sim aos operadores de TV por subscrição. A transposição da chamada “directiva Netflix" envolve sim a criação de uma obrigação de investimento para serviços como a Amazon ou HBO de 1% sobre os seus proveitos em Portugal, com o produto da cobrança a reverter para o ICA. A mesma transposição implica obrigações de investimento para os exibidores e fornecedores de serviços de partilha de vídeos como o YouTube, que entram em vigor a 1 de Janeiro de 2022.

No relatório do OE2022, o Governo estima que a duplicação do valor da taxa anual paga pelos operadores gere receitas de dez milhões de euros. É um montante que o secretário de Estado do Cinema, Audiovisual e Media, Nuno Artur Silva, tinha já mencionado no final de Setembro, nos Encontros de Cinema Português, numa estimativa de que o sector encaixaria tal acréscimo de financiamento pela entrada em cena de “mais centros de decisão”. Incluía nesse pacote a transposição da directiva [europeia do audiovisual], “as obrigações novas da RTP do contrato de concessão” e “o novo plano estratégico do cinema e audiovisual, mais o prolongamento do Fundo do Turismo [e do Cinema] com o seu cash rebate”.

Ainda assim, entre as medidas resultantes da transposição da directiva europeia, que grande dissensão trouxe ao sector, conta-se “um investimento de 4% em que são as plataformas [de streaming] que escolhem os conteúdos em que querem investir”, como disse no mesmo encontro Nuno Artur Silva, sublinhando a vantagem de assim as plataformas se ligarem “directamente com os produtores”.

Segundo a legislação, se não for possível apurar o valor dos chamados “proveitos relevantes” dos operadores, a obrigação de investimento é fixada em quatro milhões de euros. A legislação existente estabeleceu ainda a criação de uma taxa de 1% sobre proveitos das plataformas de streaming a operar em Portugal, com o produto da cobrança a reverter para o ICA. Também aqui, se não for possível apurar o valor dos “proveitos relevantes”, estes operadores pagam uma taxa anual de um milhão de euros. Mas o decreto-lei que regulamenta estas obrigações de investimento e taxas das plataformas digitais, e que entra em vigor a 1 de Janeiro de 2022, indica agora também que na ausência de dados sobre os lucros, caberá ao ICA a tarefa de “acordar com os operadores um valor estimado de referência”.

A actual taxa de exibição de 4% que incide sobre a publicidade em canais de televisão agora também passará a ser obrigação de serviços como o YouTube, que se junta assim aos canais que contribuem para o ICA e para a Cinemateca Portuguesa.

O Governo entregou na segunda-feira à noite, na Assembleia da República, a proposta de Orçamento do Estado para 2022 (OE22), que prevê que a economia portuguesa cresça 4,8% em 2021 e 5,5% em 2022.

Notícia corrigida: versão inicial indicava erradamente que eram os operadores de streaming os destinatários da medida, que na realidade incide sobre os operadores de TV por subscrição

Notícia actualziada às 21h17: acrescenta informação sobre papel do ICA na chegada a acordo com operadores sobre valor de referência de investimento na ausência de dados sobre proveitos

Sugerir correcção
Ler 12 comentários