Morreu Olympia Dukakis, a mãe sem papas na língua de Feitiço da Lua

A sua paixão era o teatro e foi no palco que desenvolveu uma longa carreira desde o final dos anos 1950, mas seriam os papéis em várias comédias românticas, como aquela em que contracenou com Cher e que lhe valeu um Óscar, que a inscreveu na memória colectiva. A morte chegou aos 89 anos, em Nova Iorque.

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Um dos seus últimos papéis foi no regresso à série Tales of the City, primeiro exibida em 1993 e alvo de nova versão, na Netflix, em 2019 Reuters/Mario Anzuoni

Foi no papel de mãe, várias mães de personalidades fortes, cómicas e vagamente irritantes, que deixou a sua marca na memória colectiva. Mãe ao lado de Ted Danson em Dad, mãe da protagonista Kirstie Alley nos vários Olha Quem Fala, êxito dos tempos do vídeo-clube, e, principalmente, a mãe siciliana de Loretta Castorini, ou seja, Cher, em Feitiço da Lua, a comédia romântica que Norman Jewison realizou em 1987 e que lhe valeu o Óscar de Melhor Actriz Secundária. Enquanto actriz, tinha porém especial orgulho nos clássicos da dramaturgia, como Electra, Titus Andronicus ou Peer Gynt, que interpretou ao longo da vida. Olympia Dukakis morreu este sábado em Nova Iorque. A notícia foi dada pelo seu irmão, Apollo. Tinha 89 anos.

“A minha amada irmã, Olympia Dukakis, morreu esta manhã em Nova Iorque. Depois de vários meses com uma saúde debilitada, está finalmente em paz e com o seu Louis”, escreveu Apollo Dukakis na sua conta de Facebook. Louis é Louis Zorich, actor com percurso longo no teatro, cinema e televisão e marido de Olympia desde 1962 até à sua morte, em 2018, aos 93 anos.

Nascida em 20 de Junho de 1931 em Lowell, no estado americano do Massachusetts, filha de imigrantes gregos, desde cedo contactou com as artes de palco – o pai foi fundador de um grupo teatral local, dedicado à representação das tragédias clássicas gregas. Porém, destacar-se-ia inicialmente no desporto, demonstrando particular talento em diversas modalidades (foi campeã estadual de esgrima, praticou também ténis e basquetebol). Apesar disso, a sua paixão foi, desde sempre, o teatro. Formada em artes teatrais, chega a Nova Iorque em 1958, leccionando dramaturgia enquanto procurava papéis que a integrassem na vibrante comunidade artística da cidade.

Distinguindo-se desde cedo – foi premiada em 1962, por exemplo, pela interpretação de Leocadia Begbick em Um Homem é um Homem, de Bertold Brecht —, desenvolve paralelamente carreira na televisão e no cinema. Professora de dramaturgia na Universidade de Nova Iorque durante década e meia, co-fundadora de dois teatros regionais, The Charles Playhouse, em Boston, e o Whole Theater, em New Jersey, tornar-se-ia conhecida do grande público já actriz veterana, quando contracena com Cher e Nicholas Cage no supracitado Feitiço da Lua. Dois anos depois, em 1989, surge em nova comédia romântica, Flores de Aço, ao lado de Julia Roberts, Darryl Hannah, Shirley MacLaine, Sally Field e Dolly Parton. De relevo, na televisão, a sua participação em Tales of the City (Crónicas de São Francisco), no corpo de uma mulher transexual, Anna Madrigal. A primeira versão foi exibida em 1993 e Olympia Dukakis voltou ao papel em 2019, numa produção da Netflix.

Olympia contava que, na sua primeira apresentação profissional em palco, no final dos anos 1950, bloqueara, passando um acto inteiro da peça em silêncio. Curioso contraste com aquela que viria a ser a sua imagem de marca no cinema – as suas “mães” eram mulheres expressivas, sem papas na língua. Tal como era contrastado o seu percurso no palco, à volta dos clássicos e dos grandes nomes do teatro contemporâneo, e a carreira no cinema, alicerçada em comédias, habitualmente românticas, de grande popularidade. Encarava esse contraste, e o reconhecimento popular, com naturalidade. “A parte mais engraçada é que as pessoas passam por mim na rua e gritam deixas dos meus filmes”, contava, divertida, numa entrevista ao Los Angeles Times, em 1991.

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