Ministro da Saúde do Brasil desafia prazo dado pelo Supremo para repor estatísticas da covid-19

Eduardo Pazuello anunciou que os números deixam de ter hora definida para serem publicados. Bolsonaro explorou divulgação confusa da OMS sobre se pessoas assintomáticas são contagiosas ou não para defender fim do distanciamento social .

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Cartaz no Rio de Janeiro apelando a ficar em casa para cortar a linha de contágio Reuters/SERGIO MORAES

O juiz do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes deu 48 horas ao Governo brasileiro para retomar a divulgação dos dados acumulados dos óbitos e número de casos da covid-19. No entanto, poucas horas depois, o ministro interino da Saúde, o general Eduardo Pazuello, disse que o actual modelo é para manter.

O ministro interino da Saúde defendeu o actual modelo, que, segundo o próprio, demorou 20 dias a ser aprimorado: “É a melhor ferramenta que poderíamos ter desenvolvido. E quando isso for de conhecimento público e a media compreender isso, acredito que a gente vai voltar ao normal em relação à divulgação de dados.”

Pazuello afirmou que o Governo propõe alterar a forma como são compiladas as mortes para que os óbitos sejam registados na data da morte do doente e não no dia em que houve a notificação da morte. “Ao contrário do que está se discutindo na media, nós estamos trabalhando para mostrar 100% dos dados”, disse o general, garantindo que o seu Ministério não pretende ocultar informação e que “os números nunca serão mudados”. 

“Uma tabela simples dizendo o acumulado de mortos e acumulado de contaminados no Brasil não era uma informação digna para apresentar ao povo brasileiro”, afirmou o ministro interino, citado pela Folha de São Paulo. "Hoje nós temos condições de analisar exactamente a progressão de dados todos os dias, todas as semanas, até o dia de hoje”, assegurou.

Eduardo Pazuello anunciou ainda que deixará de haver uma hora fixa para os dados das últimas 24 horas serem divulgados. “O horário será 24 horas. Assim que chegar da secretaria estadual, entra na plataforma, a qualquer momento.”

Números não batem certo

Desde a semana passada, o Governo começou a divulgar a actualização dos dados da covid-19 às 22h00, após o telejornal da Rede Globo, o mais visto em todo o país. Na gestão do ex-ministro Luiz Henrique Mandetta, os dados eram divulgados às 17h00. 

Os números oficiais, no entanto, não batem certo com as contas feitas por um consórcio de órgãos de comunicação social brasileiros, que se juntaram numa iniciativa inédita para recolher e divulgar os dados sobre a pandemia, em alternativa ao Governo. Na segunda-feira, antes do ultimato do STF, o Ministério da Saúde revelou que, nas últimas 24 horas, o Brasil registou mais 679 mortes e 15.654 infecções de SARS-Cov-2.

Mas, de acordo com o consórcio, formado por jornalistas da rede Globo, do Estadão, da Folha de São Paulo, entre outros, o Brasil registou 849 mortes nas últimas 24 horas. No total, desde o início da pandemia, o Brasil já contabiliza 37.312 óbitos.

A decisão do Supremo resultou de uma acção movida pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e Rede Sustentabilidade durante o fim-de-semana, depois de o Presidente, Jair Bolsonaro, confirmar a mudança de paradigma na divulgação dos dados. O juiz Alexandre de Moraes determinou «que “o ministro da Saúde mantenha, em sua integralidade, a divulgação diária dos dados epidemiológicos relativos à pandemia de covid-19, inclusive no site do Ministério da Saúde e com os números acumulados de ocorrências, exactamente conforme realizado até ao último dia 4 de Junho”.

Aguarda-se agora a resposta do Supremo ao que foi anunciado pelo Ministério da Saúde.

Aproveitamento

Jair Bolsonaro, entretanto, aproveitou as contradições na comunicação da Organização Mundial de Saúde para levar a água ao seu moinho. Maria Van Kerkhove, responsável pela área das doenças emergentes da Organização Mundial de Saúde (OMS), disse, em conferência de imprensa, que seria raro que um doente assintomático transmitisse a covid-19, para, logo a seguir, ter de corrigir as suas declarações.

Os estudos em que se baseava a resposta de Kerkhove são reduzidos e muito preliminares, não expressam a posição da OMS - alguns estudos até dizem que os casos assintomáticos são responsáveis por 40% das infecções, frisou a epidemiologista, que sublinhou não ter sido bem interpretada e que são necessárias mais investigações para chegar a uma conclusão.

Mas Bolsonaro, que se opõe abertamente ao isolamento social e defende a reabertura imediata da economia, não hesitou em explorar, na reunião ministerial, estas declarações da responsável da OMS, omitindo que a organização continua a defender medidas de distanciamento social e a correcção da própria Maria Van Kerkhove.

A mensagem, para o Presidente brasileiro, é que o Brasil pode voltar à normalidade e acabar com as medidas de distanciamento social. “Esse pânico que foi pregado lá atrás por parte da grande media começa talvez a se dissipar, levando em conta o que a OMS falou por parte do contágio dos assintomáticos”, disse Bolsonaro, citado pela Folha. “Quem sabe, após essa declaração, poderemos voltar à normalidade que tínhamos no começo deste ano”, rematou.

A revista Nature publicou um estudo que refere que as medidas de confinamento terão salvado mais de três milhões de pessoas.

Na mesma reunião interveio ainda o ministro dos Negócios Estrangeiros, Ernesto Araújo, que aproveitou para acusar a OMS de “falta de transparência e, sobretudo, [de] coerência”, isto depois de, no dia anterior, a organização ter exigido transparência ao Governo brasileiro na divulgação dos dados da covid-19. “O Brasil vê com muita preocupação a actuação da OMS, a questão da influência política e de perguntas como a origem do vírus, o compartilhamento de amostras, o uso da hidroxicloroquina. Em todos esses aspectos a OMS foi e voltou atrás inúmeros vezes e isso é prejudicial”, afirmou o ministro.

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